segunda-feira, 8 de março de 2010

Séries Infinitas

Para quem gosta de filosofia , abaixo segue um texto do Dr. John Frame sobre "Séries Infinitas". Mais uma texto clássico para os leitores que gostam de Apologética.
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John M. Frame

1. Conceito e Distinções.

Em geral, uma série infinita é uma série sem o termo final, como a série dos números naturais, 1, 2,3.... O matemático e lógico Georg Cantor definiu isto mais precisamente como uma série que tem o mesmo número de termos como uma de suas subséries. Por exemplo, a série 1,2,3...., a série dos números naturais, tem como subsérie 2,4,6... a série dos números pares. No entanto, existem tantos números pares quanto existem números naturais, tanto quanto isso possa soar paradoxalmente. O paradoxo identifica as séries como infinitas.
Entre as séries infinitas, nós podemos distinguir entre infinitos reais e potenciais. O conjuntode números naturais é um infinito real: o conjunto realmente contém um número infinito de membros. Um infinito potencial, entretanto, é uma série que se aproxima de um número infinito, mas nunca chega a esse ponto, como quando tentamos listar todos os números naturais, um por um, ou quando dividimos um objeto pela metade, e então outra metade e assim por diante. Nestes casos, nunca chegaremos ao ponto final, um último membro da série. Nunca chegamos ao número que chamaríamos “infinito”

2. Importância Apologética


Algumas formas de Argumento Cosmológico para a existência de Deus negam a existência de certos tipos de séries infinitas. Tomás de Aquino, nos três primeiros [argumentos] de sua “Cinco Vias”, negou que o encadeamento de causas (causa do movimento, ser e necessidade, respectivamente) pode regredir para sempre. Ele argumentou que toda causa corrente tem um começo: um primeiro motor, uma primeira causa do ser, e um primeiro ser necessário, ou seja, Deus. (Cf. Aquinas, Summa Theologica, parte 1, Questão 2, artigo 3). O Argumento de Kalam, de Al-Ghazali, recentemente explanado por William Lane Craig, nega que possa haver, realmente, uma série infinita de eventos sucedendo um ao outro no tempo. Então, o universo teve um começo, que deve ser explicado por uma causa divina.
Craig argumenta que, primeiro, não pode haver de fato uma coleção de coisas infinitas (embora possa haver realmente um conjunto de números) e, segundo, que mesmo se tal coleção fosse possível, não poderia ser alcançada por adicionar mais um número após outro, como deve acontecer na sucessão temporal de eventos.

Para mostrar que não pode existir uma coleção de coisas infinitas real, ele refere-se ao paradoxo observado por Cantor: (1) Em uma série infinita, o todo é equivalente a alguma de suas partes. (2) Alguém podem adicionar membros a um conjunto infinito sem aumentar o número de membros no conjunto (o número permanece no infinito). (3) Alguém pode remover os membros do conjunto sem diminuir sua parcela. Tal é o caso no mundo abstrato dos números. Mas diz Craig, seria impossível ter um conjunto de objetos concretos ou uma série de eventos que tenha essas propriedades. Ele usa a ilustração do “Hotel de Hilbert”, de George Gamow[1] em One, Two, Three, Infinity (p.17): Se um hotel tem um número infinito de quartos com hóspedes, hóspedes adicionais poderiam ser recepcionados sem que ninguém saísse do hotel, e o número de hóspedes seria o mesmo de antes. Na placa poderia ser lido, “SEM VAGAS – HÓSPEDES, SEJAM BEM-VINDOS”(Craig, Reasonable Faith, p. 96)

Então Craig argumenta que, mesmo se nós admitirmos a possibilidade de uma coleção real de coisas infinitas, nós não podemos formar tal coleção por adicionar um membro após outro. É impossível, por exemplo, contar uma coleção infinita um por um. Pois “não importa quantos números você conte, você sempre poderá adicionar mais um antes de chegar ao infinito”(p. 98). O mesmo deve ser dito de uma série infinita de eventos no tempo. Se o processo da natureza e história se estende infinitamente pelo passado distante, então é uma sucessão de eventos infinitos, e esta sucessão tem prosseguido uma após outra, terminando, precisamente, no momento presente. Mas por que seu término é agora, e não ontem ou mil anos atrás? Seguindo esta hipótese, ontem também foi o fim de uma série infinita de eventos, e assim foi o momento de mil anos atrás antes do presente. Mas na verdade, não pode haver um fim a todos, pois uma série infinita nunca termina. Então, Craig conclui, a série de eventos passados é finita. Portanto, o universo teve um começo, e por isso, uma causa, porque “o que começa a existir tem uma causa”(p. 92)

3. Avaliação

Certamente é difícil conceber uma coleção real de coisas infinitas. O Hotel de Hilbert é contra-intuitivo; mas muitos encontram os paradoxos de Cantor em si mesmo difícil de acreditar na primeira vez que ouvem. Depois que aprendem a trabalhar com conjuntos de números infinitos, tendemos a aceitar as definições de Cantor como uma coisa natural. Nós não temos, todavia, encontrado conjuntos infinitos de objetos materiais. Mas se nós sempre fazemos, não poderíamos, eventualmente, acostumarmos à propriedades estranhas de tais conjuntos? Aqui, imagens são importantes. A idéia de um hotel infinito é um pouco ridícula, como é a idéia, digamos, de um hotel com soluços. Mas o que você acha da idéia de uma corrente de contas de um rosário infinitamente estendida? Nós não poderíamos nos acostumar um dia com a idéia de adicionar ou subtrair contas sem mudar o número na coleção infinita?

Parte do problema é que quando nós tentamos forma a imagem de um hotel infinito em nossas mentes, somos inclinados a pensar nele como um hotel finito com propriedades muito estranhas: pessoas sendo espremidas sem que outros sejam expulsos. Mas se o hotel era verdadeiramente infinito, estas propriedades não seriam estranhas, mas esperada, por mais difícil que possa ser imaginar essas propriedades em uma imagem mental. É também difícil imaginar tais propriedades em série de números, mas Cantor provou que eles existem.

Do mesmo modo, a noção de uma série infinita de eventos contínuos através do tempo é difícil de ser compreendido, mas é impossível? Estou de acordo com Craig que é impossível contar através de uma série infinita e terminar com um número final. Mas (1) se o próprio tempo fosse subjetivo, ao invés de objetivo, então um conjunto infinito de eventos passados pode existir simultaneamente (como a série 1, 2, 3....), ao invés de existir por um processo temporal de adição. (2) o mesmo poderia ser o caso se o tempo for uma dimensão objetiva do espaço n-dimensional, e todos os eventos do passado, presente e futuro, poderiam ser vistos juntos por um ser de uma dimensão mais alta. E (3) se nós pudéssemos voltar atrás no tempo a partir do presente, então nós poderíamos visitar o ontem, o dia antes de ontem, e o dia antes deste, tanto quanto nós agora nos movemos a partir de hoje para amanhã, o dia seguinte etc. Neste caso, perceberíamos os dias da história passada tanto quanto percebemos os dias do futuro: como uma infinitude potencial, ao invés de uma infinitude real.

Naturalmente, estes três pressupostos são contrários à teoria do tempo de Craig. Veja seu Time and Eternity: Exploring God’s Relationship to Time (Wheaton, 2001). Portanto, não estou aqui desafiando a consistência da visão de Craig. Mas estas considerações indicam que nossas questões atuais sobre série infinita não tem respostas tão óbvias. Na verdade, elas estão ligadas a outras questões que merecem um tratamento num livro extenso.

Tomás de Aquino objetaria a suposição (3), que mesmo séries potencialmente infinitas de eventos naturais no passado são insuficientes para explicar o mundo como nós o conhecemos. Para essa suposição, cada evento é causado por um evento prévio; nenhum evento realmente começa a série. Então, nenhum evento (ou grupos de eventos, pela mesma lógica) serve como a causa das demais. Então, o universo é não-causado, sem explicação. Aquino crê que o universo teve uma causa, de modo que a explicação causal não pode ser infinita, mesmo potencialmente infinita.

Aquino argumenta que o universo tem uma causa e, portanto, não pode haver uma série infinita de causas. Craig argumenta o contrário: não pode haver uma série infinita de causas, portanto, universo deve ter uma causa. Confesso que acho Aquino mais persuasivo: parece-me mais óbvio que o universo requer uma causa, do que uma série infinita de eventos seja impossível. Mas mesmo a visão de Aquino requer pressuposições, a saber, que nada existe ou acontece sem uma causa suficiente e que as causas (incluindo a causa do universo) são acessíveis à razão humana. Muitos céticos do passado e do presente não concordam com esta suposição.

Minha conclusão é que nossos conceitos de causa, razão e série infinitas dependem da cosmovisão e pressupostos ontológicos e epistemológicos. Eles são insuficientes em si mesmo para servir como base para as cosmovisões. Um teísta cristão pensará diferente dos céticos nestas questões. Seu Teísmo Cristão governa conceitos de causa, razão e infinito, e não o contrário.

Bibliografia

G. Cantor, Contributions to the Foundations of the Theory of Transfinite Numbers (ET, Chicago: 1915).

W. L. Craig, The Kalam Cosmological Argument (New York, 1979)

___, Reasonable Faith (Wheaton, IL, 1994)

G. Gamow, One, Two Three, Infinity (London, 1946)

Nota [1]

Na verdade, a ilustração era proposta pelo matemático alemão David Hilbert quando dava palestras sobre o infinito. Gamow apenas cita esta ilustração em seu livro supracitado, nas páginas 17 e 18. Diz lá: “De fato, no mundo da infinitude, uma parte poder ser igual ao todo! Isto é provavelemnte melhor ilustrado por um exemplo encontrado em uma estória sobre o famoso matemático alemão David Hilbert. Contam que em suas palestras sobre infinito, ele colocava esta propriedade paradoxal dos números infinitos na seguinte palavras: “vamos imaginar um hotel com um número finito de quartos; imaginemos também que todos os quartos estão ocupados. Um novo hóspede chega e pede um quarto. ‘Desculpe, diz o proprietário, mas todos os quartos estão ocupados’. Agora imaginemos um hotel com um número infinito de quartos e todos os quarto estão ocupados. Neste hotel também chega um hóspede e pede um quarto.
‘Mas claro!’, exclama o proprietário, e ele move a pessoa que ocupava previamente quarto N1 para o N2, a pessoa do quarto N2 para o N3, a pessoa do N3 para N4 e assim sucessivamente.... E o novo hóspede recebe o quarto N1, que torna-se livre como resultado da transposição. Imaginemos, agora, um número infinito de hóspede que chegam e pedem quartos. ‘Certamente, cavalheiros’, diz o proprietário, ‘apenas aguarde um momento’. Ele movo o ocupante do N1 para o N2, o do N2 para o N4, o do N3 para N6 e assim por diante. “Agora todos os quartos ímpares tornam-se livres e o infinito de novos convidados pode ser facilmente acomodado neles” (GAMOW, George. One, Two, Three, Infinity – Facts & Speculation of Science. New Your: The Viking Press, 1947/1961) – nota do tradutor

Traduzido por Gaspar de Souza

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