sábado, 30 de outubro de 2010

OS MINEIROS DO CHILE - Um Caso contra o Naturalismo Filosófico do Darwinismo

Por Gaspar de Souza

O resgate dos de 33 mineiros no Deserto do Atacama, no norte do Chile, que ficaram soterrados desde o dia 5 de agosto até o dia 13 de setembro a uma profundidade de quase 700 metros, nos faz levantar algumas perguntas em termos de cosmovisão. O custo da operação de resgate ficou em aproximadamente 22 milhões de dólares!

Diante de todo este esforço – até a NASA, Agência Espacial Americana, esteve envolvida, cedendo a cápsula Phoenix 2, decorada com as cores pátrias chilenas – fica a pergunta: se o Darwinismo fosse verdadeiro em sua base filosófica, qual o motivo básico, dentro de sua cosmovisão, para envidar estes esforços no resgate de 33 pessoas?

A pergunta pode não aparentar as razões contraditórias subjacentes à Teoria da Evolução em sua modalidade naturalista-ateísta (isto porque existem alguns que defendem uma espécie de evolucionismo teísta).

Desde 1874, o Dr. Charles Hodges de Princenton em seu livro What Is Darwinism? já havia percebido que Darwinismo é Ateísmo. Veja suas palavras (p. 176, 177):

Se Mr. Darwin acredita que os eventos que ele supõe terem ocorridos e os resultados que vemos ao nosso redor não são dirigidos e não são projetados; ou se o físico acredita que as forças naturais que ele refere-se como fenômeno são não-causados e não-dirigidos, nenhum argumento é necessário para mostrar que tais crenças são ateístas. Então, temos chegado à resposta de nossa pergunta, O Que é Darwinismo? É Ateísmo. Isto não quer dizer que o próprio Mr. Darwin e todos que adotam esta visão são ateístas; mas quer dizer que sua teoria é ateísta.

Porém, é exatamente no teste da experiência prática, ou seja, na aplicação prática da cosmovisão darwinista, que ele se mostra auto-contraditório. Senão, vejamos.

Darwinismo é, assumidamente, naturalista e/ou materialista. Ao admitir processos naturais de seleção natural não guiados e cegos, seja no surgimento da primeira vida, seja na formação atual do Ser Humano, percebe-se que o que há por trás desta teoria é a causalidade determinista para o que somos hoje.

Aqui reside o problema: num universo de causas materiais e leis físico-químicas, não-guiadas, nem orientadas, antes forçosamente deterministas, como pode haver espaço para o valor da vida?

Tentativas naturalistas não faltam para encontrar este valor em “leis cegas”. A última foi o livro de Sam Harris: "The Moral Landscape: How Science Can Determine Human Values”(Free Press, 2010, 304p). Na introdução do livro o autor afirma que

Os valores [morais], portanto, traduzem-se em fatos que podem ser cientificamente compreendido: a respeito das emoções positivas e negativas sociais, os impulsos retributivos, os efeitos de legislações específicas e as instituições sociais sobre as relações humanas, a neurofisiologia da felicidade e sofrimento etc.

E se houver diferenças entre as culturas e os níveis destas moralidades, estas

diferenças são fatos que devem depender da organização do cérebro humano. Em princípio, portanto, podemos explicar as maneiras pelas quais a cultura que nos define dentro do contexto da neurociência e da psicologia. Quanto mais nos entendemos no nível cerebral, mais vamos vendo que há respostas certas e erradas para as questões dos valores [morais] humanos.(grifos meus)

Entre os dias 20 e 22 de Junho de 2010, a Edge Foudation, Inc. promoveu uma Conferência em Washington sobre The New Science of Morality”. A Conferência afirma em sua declaração n.º 1:

Como a linguagem, sexualidade ou música, a moralidade emerge a partir da interação das várias bases de construção psicológica dentro de cada pessoa e, a partir da interação de muitas pessoas dentro de uma sociedade. Estas bases são produtos da evolução, com a seleção natural desempenhando um papel crítico. O estudo científico da moralidade, portanto, exige o esforço combinado das ciências naturais, das ciências sociais e das ciências humanas (grifos meus).

Em entrevista ao site Amazon, Sam Harris transparece a tensão “racional-irracional” daqueles que tentam uma explicação puramente materialista para valores transcendentes. Ao ser perguntado se existem respostas “certa ou erradas para as questões morais”, Harris disse que

a moralidade deve incidir, em algum nível, para o bem-estar dos seres conscientes. Se houver formas mais ou menos eficazes para buscarmos a felicidade e para evitar a miséria do mundo – e claramente existem – então não há respostas certas e erradas para as questões de moralidade

O entrevistador então perguntou se isto não conduziria a um relativismo sobre a felicidade: “não há muitas situações nas quais a felicidade de uma pessoa pode significar o sofrimento de outra?” Harris sai com a pérola retórica:

Geralmente falando, as ocasiões morais mais importantes não são assim. Se eliminássemos a guerra, a proliferação nuclear, a malária, a fome crônica, o abuso infantil etc., estas coisas seriam boas, em geral, para todos. Há certamente razões neurobiológicas, psicológicas e sociológicas por que isto é assim – o que quer dizer que a ciência poderia nos dizer exatamente por que um fenômeno como o abuso infantil diminui o bem-estar humano.

A fraude da moral naturalista está na mesma proporção de explicar a unidade das coisas. A ciência pode explicar um cachorro, mas não pode explicar o que faz um cachorro, um cachorro. O darwinismo não pode explicar a bondade, a justiça, o belo ou por que “estas coisas seriam boas”. Assim, Harris não explica o que é felicidade, mas ele arvora-se em definir que existem “ocasiões morais mais importantes” que outras! Certamente Hitler ficou feliz com a matança de 6 milhões de judeus e considerou que aquela ocasião era moralmente “mais importante” que outras. Falta ao naturalista o fator que uma os universais dos Valores Morais (bondade, maldade, justiça, beleza etc) aos particulares dos atos morais.

Gosto de uma analogia feita pelo filósofo John Frame:

Os valores morais, afinal, são bastante estranhos. Nós não podemos vê-los, ouvi-los ou senti-los, mas não podemos duvidar que eles existam. Uma testemunha de um roubo de banco pode ver o ladrão caminhando para o banco, sacar a arma, falar ao atendente-caixa, pegar o dinheiro e ir embora. Mas a testemunha não vê o que talvez é o fato mais importante – o mal moral da ação de roubar” (Apologetic to the Glory of God, 1994, p. 93, 94).

Harris e os demais naturalistas querem nos convencer que isto está no cérebro!

Pois bem, no nível cerebral não somos mais do que processos físico-químicos que ocorrem numa massa cinzenta dos nossos neurônios impulsionados por propriedades elétricas. Neste caso, o problema mente-corpo, tão debatido na filosofia de nossos dias, entraria no campo da metafísica, coisa que os naturalistas não pretendem, bem como num determinismo deste desconhecido elemento; estariam anuladas as responsabilidades. Assim, surge a pergunta: se todo valor moral fundamenta-se num fenômeno cerebral ou sócio-político-econômico desenvolvido a partir da evolução e seleção natural, o que obriga a prática dos valores morais que promovam o bem-estar do Ser Humano? O que obrigou, dentro do arcabouço darwinista-naturalista, o resgate de 33 homens que, na visão darwinista-naturalista, não passam de “animais melhorados”, visto que “pessoalidade” ou “hombridade” não são resultados de fenômenos aleatórios de leis impessoais mas, certamente, de um Deus Único (Universal) e Triúno (Particulares), Pessoal (pessoalidade) e Infinito (valores infinitos).

Os darwinistas-materialistas-ateístas não são coerentes com sua base pressuposicional. Para serem coerentes, deveriam ver o ocorrido com os 33 mineiros como fatalismo; que eles não estavam aptos para próxima geração; que os cérebros de todos estavam, simultaneamente!, trabalhando para resgate de nada mais, nada menos, que um “conjunto de átomos, de químicas e células”. Podemos afirmar que, nisto, reside o “auto-engano” desta visão de mundo.

É possível agir moralmente correto se Deus não existisse?

Alguém talvez venha a perguntar: "Se Deus não existisse, você não seria moralmente correto?" Ora, SÓ há moralidade porque existe um Deus Pessoal. Nem mesmo o "imperativo categórico" kantiano resiste ao teste da subjetividade da moral da "regra áurea (Golden Rule)"(faça aos outros o que você gostaria que fosse feito a você), visto que o que falta é uma base objetiva para tal imperativo e isto não tem a não ser numa visão teísta. Como aponta o filósofo Paul Copan (The Rationality of Theism, 2003, p. 150):

Ao invés de ser produto da cultura, de preferências individuais ou da evolução sócio-biológica, valores morais existem de fato: a bondade é uma virtude e não um vício; torturar bebês por diversão é imoral; o estupro é moralmente repreensível. Muito de nós encontramos verdades óbvias – tal como nós encontramos 2 + 2 = 4 e o modus pones[1] [...] Negá-los [os valores morais] é rejeitar algo fundamental sobre a nossa humanidade.

Portanto, para que haja o dever, é preciso haver o ser. Não há obrigação se não há Legislador. Num universo de estrutura impessoal não se cria obrigação e o problema dever/ser acerca da lealdade e justificação deontológica está ausente numa estrutura impessoal.

Por fim, quando os naturalistas agem de acordo com os valores cristãos, estão eles “tomando emprestado” da cosmovisão cristã, não sendo coerente com sua estrutura de visão de mundo. Quando os cristãos agem em desacordo com as obrigações morais da Revelação de Deus, estão sendo incoerentes com seus pressupostos. Assim, é possível um incrédulo ser ético e um cristão não ser. Mas é impossível a ambos serem éticos sem as pré-condições estabelecidas por Deus mesmo (Rom 2. 14, 15).

[1] A regra lógica em que, dado duas premissas P à Q e P, pode-se deduzir seguramente Q. P.e: Se está chovendo, então lá fora está molhado. Está chovendo, logo, lá fora está molhado.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Ferreira Gullar: “Lula comprou os pobres do Brasil”

Alexandra Lucas Coelho/Público

Aos 80 anos, Ferreira Gullar continua de cabeleira branca pelos ombros e mão enérgica a bater na mesa, quando sobe de tom, no seu apartamento cheio de livros e quadros, em Copacabana.

Parece tão em forma quanto está: “Não tenho nenhuma doença.”

Nascido em São Luís do Maranhão, Nordeste do Brasil, vive no Rio de Janeiro desde os 21 anos. Foi comunista filiado, lutou contra a ditadura, esteve preso. Tem uma longa e variada bibliografia, com destaque para a poesia. Recebeu este ano o Prêmio Camões, o mais importante da língua portuguesa.

A conversa começou exaltada e terminou amena. Ferreira Gullar explicou depois que tivera umas conversas políticas que o tinham irritado. E mais para o fim da entrevista dirá, meditativo: “Possivelmente nós vamos perder a eleição.”
A campanha ferve.

Público – Publicou um texto chamado “Vamos errar de novo?”, a apelar ao voto em José Serra. Não faz parte de nenhum partido. Porque sentiu necessidade de intervir?

Ferreira Gullar – Como cidadão, não só tenho o direito como o dever. Sempre participei politicamente.
É uma eleição bastante importante. Pode significar uma mudança para o país e ter consequências sérias.

Público Há quem ache o contrário, que nada de essencial se vai alterar, seja quem for que ganhe.

FG - [Batendo com a mão na mesa] A permanência do PT no poder é uma ameaça à democracia brasileira. Está vendo o que acabou de acontecer? Espancando o Serra!

Público – Foi um rolo de papel [atirado à cabeça de Serra num passeio de campanha].

FG – Ah, não, isso é o que o Lula diz. Não acredito no Lula, é um mentiroso.

Público – A campanha de Serra é que diz que foi um rolo de adesivos de campanha.

FG – Um rolo pesado. E uma repórter da “Globo” levou uma pedrada na cabeça. Mas não importa o que foi. Não tem que agredir os outros.

Público – Acha que é um sintoma de como a campanha está?

FG – Não, o PT é isto. A televisão mostrou um vídeo [dos anos 90] com José Dirceu, então presidente do PT, dizendo: “Esses nossos adversários vão ter de apanhar na rua e nas urnas.” O que é que acha disso? Apanhar nas ruas faz parte da campanha? Eles espancam as pessoas. Eles espancaram duas vezes o Mário Covas [governador de São Paulo nos anos 90, já desaparecido, fundador do PSDB]. O PT é fascista.

Público – A Dilma também levou uns sacos de água. A minha pergunta…

FG – O PSDB se caracteriza por ser um partido pacífico. Não é que sejam santos. É que não é o estilo deles. No caso do PT, não. O PT é isto. Vem dos sindicatos, que são dominados por gangues. O Lula pertencia a um deles. São gangues, que ocupam as instituições, a máquina do Estado. A Petrobras hoje está infiltrada de gente do PT e dos sindicatos.

Público – Em relação ao currículo do Serra, o senhor cita a criação dos genéricos, o plano de tratamento da sida. Exemplos de currículo como ministro da Saúde, como ele foi no governo Fernando Henrique. Por que acha que ele daria um bom presidente?

FG – Porque foi um excelente governador em São Paulo. As obras dele no plano social, da saúde, da educação, comprovam que é um homem responsável e um administrador efetivo. Como prefeito, a mesma coisa. Agora, a Dilma, sabe de alguma coisa que ela fez?
Todo o mundo conhece o José Serra no Brasil. Ele tem quase 50 anos de vida pública, e nunca foi acusado de ser corrupto, safado, de se apropriar de dinheiro público, de entrar em falcatruas. Será que isso não é um crédito?

Público – Maria da Conceição Tavares [ver entrevista online], que conhece muito bem Serra desde o exílio no Chile, diz que ele mudou para a direita. O que diz disto?

FG – Queria só que ela me explicasse se ela é de esquerda. Porque, veja bem, o Lula é aliado do Collor [de Melo]. Ele é de esquerda? Por acaso a campanha deles é de esquerda? Aliado com Collor, aliado com o bispo [Marcelo] Crivella, que é um safado, braço direito do bispo [Edir] Macedo, que enriqueceu com o dinheiro das empregadas domésticas, criando a Igreja Evangélica do Reino de Deus. Acha que isso é esquerda?

Público – Estou lhe pedindo um comentário sobre o que a Maria da Conceição Tavares disse sobre Serra.

FG – A Conceição Tavares afirmar que o Serra é de direita supõe que a Dilma é de esquerda. Então eu estou dizendo quais são os aliados da Dilma.

Público – Acha que a Dilma não é de esquerda?

FG – A Dilma de esquerda? Mas o PT não é de esquerda. É um partido corrupto. O PT de esquerda já acabou há muito.
O comunismo chegou ao fim. Nós todos, que participamos dessa aventura, somos obrigados a reconhecer isso. Cumpriu a sua tarefa, mudou o mundo, a relação de trabalho, as conquistas dos trabalhadores, tudo foi consequência de uma luta que começou com o Manifesto Comunista, de 1848. E esgotou a sua tarefa. Então se acabou a URSS, alguém sonha que vai fazer socialismo no Brasil? Só piada. Só o Hugo Chávez.

Público – Não é isso que Lula e Dilma propõem.

FG – Estou abrangendo a coisa de maneira ampla. Porque é que as FARC [guerrilha colombiana] viraram uma organização de narcotráfico? Porque não têm mais perspectiva. Vai fazer revolução na Colômbia? Socialismo? Acabou na URSS, acabou na China e vai começar na Colômbia?

Público – Sempre que se fala no Serra, as pessoas acabam falando do Lula, e eu queria falar um pouco do Serra.

FG - Se a Maria da Conceição disse que ele era de direita, estou mostrando que isso é uma bobagem. Eu conheço a Maria da Conceição, é minha amiga. E ela própria não é de esquerda, porque ninguém é mais de esquerda! Acabou isso, gente.

Público – Acha que já nem existe esquerda?

FG – Lutamos pela reforma agrária, pelas conquistas dos trabalhadores. Alguém hoje é contra a reforma agrária no Brasil? Como vai distinguir direita de esquerda? Essa diferença só existe na cabeça da Conceição Tavares e de algumas outras pessoas.

Público – Falei com pessoas que iam votar no Serra, mas ficaram desapontadas com a discussão em torno do aborto. Acharam que o PSDB e Serra não a deviam ter levado naquela direção, tornando-a religiosa, ao tentarem pôr em causa a eventual contradição de Dilma.

FG – Essa questão do aborto não foi levantada pelo Serra. O problema real é o seguinte: o PT é a favor do aborto, a Dilma é a favor do aborto, eu sou a favor do aborto. O Serra tem a mesma posição. Agora, com a candidatura da Marina, os religiosos tomaram uma posição que ameaçava todos os candidatos. Então a Dilma tratou de tirar o corpo fora e o Serra também. Falaram: “Não, não quero perder o voto dos religiosos…”

Público – É isso que pergunto, não foi tudo uma falsa discussão?

FG – Você entregaria uma empresa sua para ela dirigir, sem ter tido qualquer experiência anterior?

Público – Mas deixe-me perguntar-lhe…

FG – [Ferreira Gullar zanga-se por estar sendo interrompido e propõe acabar a entrevista. Acabamos por retomar no ponto em que ele estava.]
Eu tenho uma empresa. Porque o meu tio me disse que Maria é competente, sem ela nunca ter gerenciado nada, vou entregar a ela? Não entrego. Compreende? Essa é a situação. Não estou dizendo que o Serra é perfeito. O Serra tem mais que mostrar do que ela. Eu tenho mais confiança nele porque ele tem trabalho feito, e ela nenhum! A Maria da Conceição e o Chico Buarque só votam nessa coisa porque têm nostalgia da esquerda! Têm de abrir a cabeça para um mundo novo! O comunismo já era, acabou! Sem contar que foi uma besteira. O que é que é Cuba? Eu defendi Cuba, fiz poemas sobre Cuba. É um fracasso completo! Como podem defender uma sociedade em que as pessoas não têm o direito de sair de lá? Em troca de quê? Terá por acaso riqueza lá? Não. É miséria, subdesenvolvimento econômico e falta de liberdade. Eu não vou defender isso, meu Deus. Quero ter o direito, se acho que o país é uma merda, de sair daqui na hora que eu quiser. Compro uma passagem e vou para Lisboa! Agora! Não tenho de pedir licença a ninguém! E o Chico e a Maria da Conceição defendem isso! Que moral têm essas pessoas para defender alguma coisa justa? Aí fica o Serra de direita? É de direita porque não concorda com isso. Ser de esquerda é o quê? Achar que as pessoas não têm o direito de sair do seu país quando quiserem? É isso que é ser de esquerda? Isso é uma besteirada. Tem de acabar com essa conversa. Eles têm medo de serem chamados de direita. Eu não tenho. Porque eu não sou. Tenho a certeza absoluta da minha entrega a uma luta a favor das pessoas, de uma sociedade melhor. Não tenho de dar explicação a ninguém. Mas o Chico tem medo de parecer que é de direita. Problema deles.
Quando é que o Serra foi de direita? Um cara que teve de ser exilado, que lutou contra a ditadura, que sempre defendeu posições a favor de uma sociedade mais justa, medidas a favor das pessoas mais pobres, e tomou medidas efetivamente. Quando o Serra conseguiu introduzir os genéricos, a minha mãe, estava em São Luís do Maranhão, doente. E sabe o que é que o PT espalhou? Que o genérico era falso, que era só farinha e terra, não era remédio. Eu mandava dinheiro para comprar remédio para minha mãe, e falei: “Comprem genérico.” E o meu irmão falou: “Ah, não, genérico é terra. O PT já nos explicou.” Isso é o PT.

Público – O que achou do “show” de apoio a Dilma com Chico Buarque, Oscar Niemeyer, Leonardo Boff, no Teatro Casa Grande, aqui no Rio [segunda-feira passada]?

FG – Campanha eleitoral. Hoje o Teatro Casagrande se chama Oi Casagrande, porque a empresa Oi mandou botar. Não tem mais nada a ver com aquele passado. Eu pertenci ao grupo que realmente lutou contra a ditadura, o Opinião. Nunca ficou rico. Fomos todos presos.

Público – O senhor foi preso com o Gilberto Gil e o Caetano em 1968.

FG – É. Mas o nosso teatro teve bomba lá dentro. E começou a lutar em Dezembro de 1964 [meses depois do golpe militar].

Público – O senhor filia-se no Partido Comunista do Brasil no começo de 1964, não é?

FG - Entrei no dia do golpe, 1º de Abril de 1964.

Público – Todos conhecem o seu percurso contra a ditadura, e o percurso do Serra também. Mas vamos esquecer essa parte da direita e esquerda. Em relação a Dilma, o senhor diz que ela é uma desconhecida. Mas foi ministra…

FG - Sem qualquer expressão. O que é que ela fez como ministra? Nada. Foi secretária no Rio Grande do Sul, e segundo a informação de lá foi um fracasso completo como administradora.

Público – … e foi Chefe da Casa Civil de Lula, o que lhe dá um conhecimento de todo o governo.

FG – Mas a Casa Civil é um orgão de assessoria do presidente. É técnico, não realiza nada. Quando diz: “Nós fizemos…” É tudo mentira, não fez nada. Não estou dizendo se é competente ou não, não sei. Agora, que fez, não fez.

Público – Por que é que o senhor acha que é ela a candidata?
FG
– Porque o Lula quer voltar em 2014. E então botou uma marioneta. Uma pessoa que milita na política desde os 17 anos e nunca se candidatou: acha que é por quê? Nunca se candidatou a nada e vai-se candidatar a presidente da República porque o Lula inventou. Não foi iniciativa dela. Jamais se atreveria. O Lula fez as contas e viu que para voltar tinha de botar uma marionete. Se pusesse um cara como o Ciro Gomes [ex-candidato à presidencia, que depois foi ministro de Lula], não ia voltar, porque o Ciro ia se recandidatar.

Acha que a estratégia do Lula é essa?

FG – É. O Lula é a fome do poder. Transparece nele. É a arrogância. Como toda a pessoa ignorante, chega a um ponto e não tem autocrítica, não tem medida. Ele disse várias vezes que é o único presidente do Brasil em 500 anos. Porque veio do povo. Do povo veio também Fernandinho Beira-Mar, do povo vem qualquer coisa.
Para quem não sabe, Fernandinho Beira-Mar é um narcotraficante.
Um bandido, homicida, dos mais cruéis. Veio do povo. Mais povo que o Lula.
Então, tem de ver o que o cara fez. Ele nunca leu um livro. Acha que uma pessoa que nunca leu um livro pode conhecer o Brasil? Sabe do Brasil como? De orelha?

Público – Que nunca leu um livro?

FG – É. O Lula. Ele declarou, pessoalmente.

Público – O senhor acredita nisso?

FG – Ele declarou, em 1980. Disse: “Só leio jornal.” E depois declarou: “Nem jornal, porque vive me perseguindo.” Todo o mundo sabe que ele não lê. Foi deputado federal e não participou em nenhuma Comissão. Não fez nada. Não parou no Congresso, porque não aguenta. Ele não conhece leis, como é que vai ser deputado? Se vai fazer leis, tem de conhecer as leis que existem. E ele não lê, tem horror disso. Só faz política. Ganhou a eleição em 2002 e não saiu do palanque até hoje. Não é ele que administra o país. Ele só se reúne para saber se aquele projeto que o ministro tal está propondo prejudica a popularidade dele ou não. Se prejudica ele não quer saber qual é a consequência.

Público – O senhor sempre o viu assim, ou houve algo que tenha mudado a sua visão?

FG – Defendi a criação do PT quando o Partido Comunista, ao qual eu pertencia, era contra.

Público – Mas em relação a ele? Li que o ouviu no Teatro Casa Grande e logo aí não gostou do tom.

FG – Achei estranho as bobagens que disse. A primeira coisa foi que era contra a burguesia de Ipanema. Só que todas as pessoas que estavam ali, nós todos, éramos de Ipanema [ri]. Então não sabe nem do que está falando. Ele é o maior mentiroso que já conheci. Fala com uma arrogância inacreditável as maiores mentiras como se estivesse dizendo uma verdade sagrada. Ele é uma coisa especial, isso eu sou obrigado a reconhecer. Nunca vi alguém falar uma mentira com tanta convicção, com tanta paixão, sabendo que é mentira.

Público – O Lula tem 80 por cento de aprovação. Como explica esta popularidade? Quer dizer que 80 por cento das pessoas estão enganadas?

FG – Primeiro, ponho em dúvida o resultado da pesquisa. As últimas pesquisas davam a Dilma vitória no primeiro turno. Davam que a Marinha tinha 10 por cento e teve 20 por cento. Então, pesquisa… E essa do Lula nunca foi testada. Não se sabe se isso é verdade. Que tem popularidade tem, mas o índice não sei.
O demagogo, que visa conquistar as pessoas, e com a veemência que ele tem, porque é de fato um orador convincente… Acho que é isso que explica [a popularidade].
Bolsa Família. Foi ele que criou? Chamava-se Bolsa Alimentação, criada pelo Serra, no governo Fernando Henrique. E o Lula foi para a televisão dizer que a Bolsa Alimentação transformava o trabalhador em mendigo. Era contra a Bolsa Família que então se chamava Bolsa Alimentação! Enquanto isso, o ministro da Educação criou a Bolsa Escola. O Lula veio, juntou as duas e botou o nome Bolsa Família. A base da estabilidade financeira do Brasil se chama Lei de Responsabilidade Fiscal. O PT, orientado pelo Lula, votou contra na Câmara e no Congresso, perdeu nos dois, entrou com uma ação no Supremo para anular a lei. E até hoje essa ação está no Supremo. Essa lei impede que os prefeitos e governadores gastem além do que recolhem de imposto, porque isso tornava a inflação do Brasil incontrolável. Com essa lei, acabou.
O PT foi contra tudo o que todos os governos fizeram: Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique. Tudo! Negaram-se a assinar a Constituição em 1988!

Público – O senhor acha que isso significa o quê?

FG – Que não têm responsabilidade com o país. São um grupo de demagogos que querem o poder e se opõem a tudo. Vêem em cada medida correta uma ameaça ao futuro poder deles. Se tivessem conseguido anular a Lei da Responsabilidade Fiscal, anular o Plano Real, em que o Lula foi para a televisão dizer: “Isto é uma mentira eleitoral que não durará três meses.” Ele disse isto, todo o mundo sabe. É que o país não tem memória.
Se tivessem conseguido anular essas medidas, não haveria governo Lula, porque ele herdou e se apropriou de tudo o que foi feito antes, que ele combateu ferozmente!

Público – PT e Lula dizem, por exemplo, que herdaram a dívida externa, que quando começaram a Bolsa Família a situação estava muito mal, e que conseguiram dar a volta. O Brasil passou a ser credor, em vez de devedor.

FG – Escuta, o Fernando Henrique, com as medidas que tomou, acabou com a uma inflação que chegava a dois mil por cento ao mês. Quando o Lula se apresentou candidato, contra todas essas coisas, evidentemente criou uma crise econômica, porque todos os investidores estrangeiros tiraram o seu dinheiro, assustados com o que ia acontecer. Ele estava na frente, ia ser o presidente da República. A crise que se criou foi em função dele. Depois, quando escreveu a carta à nação brasileira em que dizia que abria mão de todas as coisas que tinha dito antes, e virou o Lulinha-Paz-e-Amor, aí as pessoas voltaram. Mas a inflação já tinha sido deflagrada. Pouco tempo depois o equilíbrio voltou quando as pessoas perceberam que ele ia fazer o mesmo governo do Fernando Henrique.
Pegou o Bolsa Família, que atendia 4 milhões, e botou para 11 milhões. O que significa um terço da população brasileira. Ao juntar os dois programas tornou impossível fiscalizar de fato a realização. Todo o mundo sabe hoje que o sistema é: eu recebo Bolsa Família enquanto estou desempregado. O que é que os trabalhadores fazem? Se empregam e pedem para o patrão não assinar a carteira de trabalho. Então, ficam ganhando salário e bolsa. Como são 50 milhões não dá para fiscalizar.
Tem vários municípios no Maranhão em que ninguém trabalha. Vive todo o mundo do Bolsa Família.

Público – O senhor que vem lá do Nordeste, a região mais pobre do Brasil, não é sensível ao fato do Lula ser o homem que tira uma fatia dos brasileiros da miséria e faz deles cidadãos, pessoas que podem ter uma conta no banco, que podem comprar uma geladeira?

FG – Exatamente porque conheço o Nordeste é que tenho um juízo diferente. Primeiro, no Nordeste ninguém passa fome. Todo o mundo tem um pedacinho de terra. Essa miséria que tem na cidade não tem no campo. A outra coisa é o que contei do remédio genérico. O que tem no Nordeste é falta de conhecimento, de informação e a propaganda que o PT faz. Onde há mais necessidade, e a pessoa ganhou o Bolsa Família, é claro que fica grata. Mas isso é a fonte do populismo. Por que é que o [Paulo] Maluf é votado em São Paulo até hoje, apesar de ser ladrão, comprovado? Porque deu casinhas para uma porção de gente. É o lema que se conhece no Brasil: “Rouba, mas faz.” Essa é a explicação para o Nordeste. Exatamente quem é mais miserável, qualquer coisa que dê ganha ele. Difícil é conquistar o cara que vive por sua conta. Difícil é conquistar a mim, que trabalho e vivo do meu dinheiro. Não me conquistam comprando, como o Lula comprou todos os pobres do Brasil. Por isso é que ele tem 80 por cento de aprovação. Ele comprou os pobres. Não tem preocupações de fiscalizar, e pôr em prática a natureza do programa, que é quando o cara conseguir trabalho sair do programa. Ele quer que tenha cada vez mais gente no programa. Ou seja, pessoas sem trabalho e dependentes da bondade dele. Não está precupado em resolver problema social nenhum.
O Lula é um esperto. Só pensa no poder dele. Foi para o Ahmadinejad fazer o quê? Um bandido. Um facínora. O cara que diz que não houve Holocausto. Que diz que o atentado das Torres Gêmeas foi uma invenção dos americanos. Esse cara não tem qualificação de estadista. E o Lula trata ele como se fosse um estadista. Foi para lá achar que ia resolver o problema da pacificação, porque ele é doido. É megalomaníaco.

Público – O argumento de Lula e do PT é que ele está tentando fazer a ponte entre Norte e Sul, Ocidente e Irã.

FG - Veja o seguinte. Aquela luta dos palestinos lá, tem mais de 60 anos. Todos os estadistas do mundo tentaram resolver e não conseguiram. E o Lula vai conseguir, sem ter lido um livro? Realmente! Alguém acredita nisso? O Lula, que mal sabe quem é. Chega lá no Oriente, quando o Brasil não tem nada a ver com aquilo lá. Não está ligado efetivamente àquela parte do mundo. Demagogo. Para ter projeção internacional, porque ele é mega. Ele é a vergonha do Brasil. É uma vergonha.

Público – Mas tem prestígio internacional. Como explica isso?

FG - Tem prestígio na área que acha que operário é melhor. É a herança marxista que ficou. Hoje, todo o professor universitário acredita nisso. Operário é o salvador do mundo.

Público – Estou falando de governos. Ele tem prestígio entre governos.

FG – Isso vem do fato de o Brasil eleger um operário presidente da República. E as pessoas não têm conhecimento do que acontece aqui. Será que um redator do “Le Monde” conhece o Brasil mais do que eu? Não conhece. Sabe de ouvir dizer. Há uma lenda em torno do Lula.
Alguém sabe o que aconteceu quando ele foi preso? Alguém leu a entrevista do César Benjamin, quando o Lula entrou na prisão, a primeira, única vez em que foi preso? [Põe uma voz de astuto]: “Aqui não tem mulher? Como é que vai ser ‘trepar’ aqui?” Foi a primeira pergunta dele ao ser preso. Isso é que é o Lula.
A Heloísa Helena, que foi do PT até há pouco tempo, nos contou: “Vocês não conhecem quem é o Lula, como ele trata as pessoas, nas reuniões.” [Ferreira Gullar projeta a voz]: “Ó seu ‘veado’ , quer parar de falar isso?’, “Cala a boca, ó ‘veado’. Filho da Puta.” É assim. Ele é isto. O Lula é essa grossura.
Outro dia passou um pequeno vídeo, ele com o governador do Rio, e um menino de favela. Não sei como, alguém com celular, filmou. [Lula falou] assim para o garotinho: “O que é que você gostaria de ser?” “Eu gostaria de ser tenista.” E o Lula: “Ó seu ‘veado’, tênis é coisa de burguesia!” Para o garoto!

Público – Chamou o garoto de “veado”?

FG - “Tênis é coisa de burguesia, cara!”

Público – Mas chamou “veado”? [No vídeo, o que Lula diz ao garoto é: “Tênis é esporte da burguesia, pôrra.” Não o trata por “veado”.]

FG – Sei lá. Insultou o garoto. O que importa é que tratou o garoto como se fosse um adulto. O verdadeiro Lula é este.
A minha felicidade é que dentro de três meses ele sai da televisão e me deixa em paz. Pára de mentir.

Público – É mesmo uma coisa violenta para si, essa relação com o Lula.

FG – Porque ele mente sem parar. Eu amo o meu país e tenho horror a uma pessoa que fez com o Brasil o que ele fez. Ele é uma grande embromação. Tenho a certeza de que muita gente na Europa acha que o Lula é de fato o que muita gente acha que ele é. Mas eu sei o que ele é. A primeira coisa que fez aqui no Rio, depois das bobagens que disse sobre a burguesia no Teatro Casa Grande, foi transar a mulher de um burguês, amigo dele, burguês de esquerda, da alta aristocracia carioca. Virou amante dela numa semana. Esse é o Lula. Não tem nada a ver com classe operária, com coisa nenhuma. É um espertalhão.

Público – A Maria da Conceição Tavares diz que hoje ele é um social-democrata.

FG – Quem ensinou ao Lula isso? Foi ela? Porque ele não lê livro nenhum. Quem é que ensinou a social-democracia para ele? Ela está muito enganada com ele. O pessoal de esquerda não quer aceitar que isso acabou. Meu amigo Oscar [Niemeyer] não quer aceitar. O nosso querido Saramago não queria aceitar. É chato aceitar. Eu também vivi, me enganei, fui para o exílio. A diferença é que não posso me enganar a mim. Sou obrigado, doídamente, a reconhecer que acabou. Fui reler as coisas, e reconhecer o grande equívoco.
O Manifesto Comunista marca uma mudança radical na história da humanidade, contra um capitalismo selvagem, que tirava crianças de orfanato e as punha a trabalhar até morrerem. Trabalhador com 60 anos morria na sarjeta, não tinha aposentadoria. Não havia jornada de trabalho definida, não havia salário defenido. O Marx foi um homem de um grande caráter quando se revoltou contra isso, e mudou essa relação de capital e trabalho. Agora, a sociedade sonhada, depois da ditadura da burguesia, ditadura do proletariado nunca houve, e nunca, em governo algum, operário mandou em nada. Foi o partido que dirigiu a URSS, a China,é o partido que dirige Cuba.
Houve uma série de equívocos: quem cria riqueza é o trabalhador, e o outro explora a riqueza e não trabalha. É mentira. Sem empresário não existe trabalhador. O empresário é um intelectual empreendedor. E como nem todo o mundo é romancista, é sociólogo, nem todo o mundo é empresário. Eu tenho um amigo que é empresário e ele não pára de trabalhar.

Público – O senhor conversa com o seu amigo Oscar Niemeyer sobre isto?

FG – Tenho muito respeito pelo Oscar. O Oscar é um génio da arquitetura, e é um ser humano especial. Generoso, afetuoso. Então eu não vou ficar brigando com ele. Mas ele sabe que eu discordo dele. A opinião dele sobre mim sabe qual é? “Gosto do Gullar porque ele é transparente.”

Público -E com o Chico não se dá?

FG – Gosto do Chico, admiro-o. Agora, o Chico é amigo do Lula, é amigo do Fidel. Ele não pode, nem que queira, mudar de opinião. Vai ter de brigar, se mudar. Mas eu sei que pela inteligência dele, pela sensibilidade dele, não pode estar de acordo com um país de que as pessoas não podem sair. Não acredito.
Eu posso ser suicida. Mas se estou em paz com a minha consciência pouco se me dá o que pensem. Posso estar errado. Se há uma coisa que me caracteriza é: eu não sou dono da verdade. Acredito nas coisas em que acredito. Mas acho que posso estar errado também. O meu compromisso é com a verdade. Não tenho compromisso ideológico coisa nenhuma. E meu compromisso com a poesia é com a qualidade, com a beleza. O resto é secundário. Se der, deu, se não der, não deu. Acabou. Vou morrer mesmo. Pouco se me dá. Nessa altura, 80 anos, estou me lixando.

[Pausa hesitante]

Público – Ia dizer alguma coisa?

FG – Possivelmente nós vamos perder a eleição. Se as pesquisas estão certas, possivelmente vamos perder. Não é o fim do mundo. Depois da eleição começa o governo. Difícil não é ganhar eleição, difícil é governar.

Público – Acha que está difícil o Serra ganhar?

FG – Acho. Não é impossível, mas com uma diferença de 10 por cento está difícil. Há um estudioso que diz que a definição é na última semana, mesmo.

Público – Acha que o Serra era o melhor candidato do PSDB para derrotar a Dilma?

FG - Olha, quando vi o nome dele, eu achei que era. Pelo que realizou. Eu estou perplexo. Não por causa de gente que foi de esquerda, como eu, que dá essas opiniões, como a da Conceição, que é uma pessoa inteligentíssima, minha amiga. Mas o povo, a pessoa que está fora disso, fico surpreso que esse pessoal não enxergue. Estão sendo injustos com uma pessoa que fez coisas importantes no país. Os genéricos, eu digo para você: os idosos brasileiros gastam fortunas comprando remédios, e hoje gastam menos de metade. Graças às medidas que o Serra tomou. Hoje você não vê mais a AIDS no Brasil como um flagelo porque todo o mundo se trata, graças às medidas que ele tomou. Tem remédios de graça, remédios caríssimos. O que ele fez em relação ao ensino, botando duas professoras por classe, discutindo, com especialistas. Todas as coisas que fez são de uma pessoa responsável. E contra ele está uma pessoa que não pode apresentar: “Eu fiz isto.”

Público – Talvez tenha havido um problema de falta de carisma de José Serra…

FG – Mas ela é horrível. O negócio dela é só o Lula.

Público – Há um problema de carisma dos dois, Dilma e Serra.

FG - Dos dois. Ele não tem nenhum.

Público – A Marina era a única que tinha uma empatia com as pessoas.

FG – Também não acho. A própria Marina, que é uma pessoa admirável, coerente, como figura tem uma fragilidade que não inspira confiança na maioria das pessoas. É um voto ideológico, um voto consciente, de qualidade. Mas entre a grande massa, jamais ela vai conseguir.

Público – E imaginando que o Serra perca, quem é que vê ascender no PSDB? O Aécio [Neves, mineiro, neto do presidente Tancredo Neves]?

FG – Sim. Escrevi um artigo dizendo que as duas forças políticas que nasceram da luta contra a ditadura, uma mais à esquerda, que era o PT, e outra, de esquerda moderada que era o PSDB, concluem agora o seu ciclo. O PSDB cumpriu grande parte da sua função com o governo Fernando Henrique. Se o Serra for eleito, tem uma vida extra. Mas os outros que constituem o partido não têm a mesma cabeça. Algo acabou. E o PT, que teve a sua história, também acabou. Virou o partido dos glutões, populista, que não tem nada a ver com o que era. Então essas duas forças nascidas da luta contra a ditadura chegam ao fim.
O que vai acontecer daqui para a frente talvez seja mais política sem ideologia. Por exemplo, o Aécio não é ideológico. É um cara carismático, bom administrador. Mas não é o Fernando Henrique, não é o Lula, não é dessa geração, não foi para o exílio. Da mesma maneira o Sérgio Cabral [agora reeleito governador do Rio, ex-PSDB, e atualmente PMDB], que é um bom administrador. Eles não têm a marca daquela vivência doída que nós tivemos. Talvez até seja bom para o Brasil.


Público – Pós-ideológico?

FG - É. Sem idealismo. A coisa prática. Acho que é isso que o Brasil vai viver daqui para a frente. Acabou a ideologia.


Fonte: http://sul21.com.br/jornal/2010/10/ferreira-gullar-lula-comprou-os-pobres-do-brasil/

sábado, 23 de outubro de 2010

UMA RESPOSTA A DOIS AMIGOS: RELIGIÃO E POLÍTICA, NOVAMENTE!

NOTA: O texto é longo e sem imagens. Fui orientado a resumir o texto, mas não tenho o dom da síntese. Refiz algumas coisas e agradeço sinceramente ao Franklin pelas sugestões. Trata-se de uma resposta a dois amigos: um filósofo e outro historiador. Ambos presbiterianos. É sinal de um sintoma de longas décadas de doutrinação marxista-desconstrucionista-gramsciana. Por providência, fui logo vacinado, logo quando o "recontar da história" começou a atingir-me. Os textos de centenas de mestres (Prof. Olavo de Carvalho, Dr. Abraham Kuyper, Dr. Dooyeweerd, João Calvino , Schaeffer, documentos do período chamado "Ditadura Militar", Jornais antigos e de tantos outros textos e autores) vieram ao meu encontro e preservaram-me do ludíbrio historiográfico contado pelos que hoje estão no Poder, bem como livrou-me da dicotomização radical da vida. Vamos ao texto.
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Por Gaspar de Souza
1. Tendo passado o primeiro turno das eleições, ficou-se a nítida impressão de que o Brasil ainda não quer ficar todo vermelho. Milhares de brasileiros mandaram seus recados aos institutos de pesquisas, estes “seres olímpicos”, cuja sapiência hérmica interpreta para os mortais as intenções de votos do “povo”, esse ente metafísico.
2. Dois amigos meus, cristãos e líderes, um formado em História e outro em Filosofia, vez por outra travam embates políticos comigo (ou eu com eles, claro). Mas, o que me irrita mesmo é o senso de “neutralidade historiográfica” ou, como o amigo filósofo escreveu, que deveríamos fazer política “de forma imparcial”, esquecendo que já optam por uma forma ou outra de parcialidade conceitual. Os dois incorrem em erro básico e deveriam estar cientes deste erro: todo posicionamento acerca de qualquer outra área do saber existe numa relação hermenêutica sujeito-objeto mediada por uma pré-compreensão daquilo que se deseja interpretar. Num tom mais heideggeriano “a interpretação sempre se funda numa visão prévia, que ‘recorta’ o que foi assumido na posição prévia, segundo uma possi­bilidade determinada de interpretação”(Ser e Tempo, § 32). Isto também se aplica à História. O amigo historiador, doutrinado na dialética matério-hegeliano-marxista de eventos tipo causa-e-efeito, esquece-se de que suas concepções acerca da história estão arraigadas num background filosófico e, em última instância, epistêmico-metafísico. Diz o professor Murray G. Murphey (Truth and History, 2009, p. 4, 5):
A maioria dos historiadores considera as interpretações alternativas dos dados simplesmente como um fato da vida. Esta convicção assenta-se no fato de que o corpo de dados sobre qualquer questão histórica é limitada e que, ao contrário das ciências naturais, os historiadores não podem expandir sua base de dados à vontade. Dado todo o corpo, dados finitos fixos, é sempre possível inventar teorias alternativas que podem explicar aqueles dados. Mas isso não significa que essas teorias alternativas sejam igualmente boas para explicar os novos dados à medida que são descobertos.
Em outras palavras, meu amigo historiador escolherá os dados mais ajustáveis às suas pressuposições, podendo inventar teorias que, possivelmente, pudessem explicar seus “fatos”. Enfim, quando meus amigos pedem para que sejamos “parciais” ou procuram analisar a história como observadores neutros, já se tornaram parciais e subjetivistas. Não há campo neutro, não há dados neutros, não há história completa e não há política que não possua fundamento religioso, seja a favor de Deus ou contra Deus. Aos pontos apresentados por meus amigos, quando falam em nome da laicidade do estado, optam por um estado anti-religioso, visto ser impossível um estado a-religioso. Meus amigos contribuem maciçamente para a dicotomia público-privado.
3. Um deles diz que nem a esquerda entende os evangélicos, nem os evangélicos entendem a esquerda. Estes seriam ignorantes porque “vêem a questão social pela ótica da guerra fria e entendem temas como família apenas pelo viés moral”. Aqueles vêem estes apenas por “questões materiais”. Esperar-se-ia que a ‘esquerda’ fosse avaliada, mas, para surpresa, apenas os evangélicos e seus fundamentos teóricos acerca da família serão questionado. Para o articulista, os temas morais que os evangélicos debatem, além de reducionistas, estão longe do verdadeiro problema: moradia, trabalho, emprego, educação etc. Claro que estes temas “tocam à (sic) organização e estruturação da família”. Porém, como cristão calvinista, o articulista deveria olhar estes temas à luz da cosmovisão cristã. A menos que o nobre historiador não acredite que esta disciplina tenha algo a dizer.
4. O nobre escritor (e me espantou que o meu amigo filósofo usou o mesmo argumento da estrutura econômica para defender o PT e ser contra os evangélicos) deveria lembrar que ambos os temas estão associados e que, como na época do Rei Uzias, que reinou durante 55 anos em Israel, Judá muito prosperou (Cf. 2Cro 26. 1 – 15), mas veio a se orgulhar por tudo isso (2Cr 26. 16ss); esquecem-se do Rei Jeroboão II (825 e 784 a.C.), filho de Joás, e que se tornou o maior líder de Israel, Reino do Norte, governando por 41 anos. O Reino do Norte alcançou a “Idade de Ouro”(cf. II Rs 14. 23 – 29). Havia paz entre as nações e enriquecimento das pessoas. As relações internacionais estavam indo de vento em popa. As pessoas estavam prosperando economicamente; o comércio prosperava (Am. 8.5); a classe média expandia-se (Am. 4. 1 – 3), casas luxuosas estavam sendo construídas (Am. 3.15; 5.11; 6. 4, 11); os ricos estavam tranqüilos (Am. 6. 1 – 6). Esta época do Profeta Amós (séc. VIII a.C) ficou conhecida como “a época áurea de Israel e de Judá”. Mas havia um caos político, Moral e Religioso. Isto não estava patente ao povo dos Reinos do Norte (Israel) e do Sul (Judá), visto que era um período de prosperidade sem precedente. Porém, a despeito disso tudo, Israel e Judá estavam em terríveis pecados. Os pobres eram privados em seus direitos básicos (Am. 2. 6, 7 [liberdade – escravidão]; 5.7, 10 – 13[altos impostos]; 6. 12 [corrupção da justiça]; 8. 4 – 6 [opressão]); os endividados eram aceitos como escravos (2.6; 8.6. Cf Lv 25. 39; Dt 24. 12, 13); a imoralidade era a regra (Am. 2. 7). Ainda assim, a Religião e a Política econômica estavam em pleno desenvolvimento e atividade (Am. 4.4; 5.5; 8.3, 10). Qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência.
5. Desta análise, conclui-se que os temas listados pelos interlocutores (moradia, trabalho, emprego, educação etc) e a melhoria de “muitos miseráveis” (palavras do amigo filósofo), não passam apenas pelo viés político-econômico; antes passam, sim, na base, no fundamento, da ética – se quiserem aprofundar a questão, podemos falar que a ética é reflexo de uma concepção epistemológica – sendo assim, devendo o Cristão protestar não apenas contra o aborto, união civil do mesmo sexo, contra prostituição etc, mas principalmente pelo fundamento deontológico dos políticos, quando estes oferecem moradia, trabalho, emprego, educação etc. às custas de valores éticos mais importantes. Portanto, a “discussão de temas” deve ser avaliada à luz do que pensam os políticos em termos morais, sim. E são os temas morais que destroem muito mais, como atesta o Livro do Profeta Amós (a menos que meus interlocutores não consideram a revelação naquele livro, claro).
6. Agora, isto me leva ao segundo ponto que meus interlocutores apresentam. Primeiramente, o meu amigo filósofo afirma que os “líderes evangélicos” deixem de ser “tutor de suas ovelhas”. Nada mais destoado da teologia calvinista do que isso. Ora, de acordo com o Apóstolo Paulo, o magistrado “é ministro de Deus”(Rm 13.1 – 4), tanto quanto um pastor é ministro da Palavra. A diferença entre os dois é o “poder da espada” (linguagem da Confissão de Fé de Westminster – cap. 23, § i) quem ambos trazem. No primeiro, o poder da espada é temporal, usada para “castigo dos malfeitores e incentivo e benefício dos bons” e tudo isso visando a “glória de Deus e para o bem público” (idem). Este não pode tomar sobre si a “administração da palavra, dos sacramentos ou o poder das chaves do Reino do Céu, nem de modo algum intervir em matéria de fé; contudo, como pais solícitos, devem proteger a Igreja do nosso comum Senhor, sem dar preferência a qualquer denominação cristã sobre as outras, para que todos os eclesiásticos sem distinção gozem plena, livre e indisputada liberdade de cumprir todas as partes das suas sagradas funções, sem violência ou perigo. Como Jesus Cristo constituiu em sua Igreja um governo regular e uma disciplina, nenhuma lei de qualquer Estado deve proibir, impedir ou embaraçar o seu devido exercício entre os membros voluntários de qualquer denominação cristã, segundo a profissão e crença de cada uma”(CFW, cap. 23, § iii).
Neste ponto, já esta citação seria suficiente para que o meu amigo historiador percebesse que, pelo menos entre os calvinistas, não há “algum grau de dificuldade na relação com o estado laico”. As palavras da CFW são um primor da democracia. O problema é que o estado atual, eivado de materialismo-histórico-gramsciano, quer colocar a igreja sob sua tutela separando as coisas em “isto é política, não religião”, isolando a religião do debate político. Então, ao invés de termos um estado laico, temos um estado anti-religioso. Tratam de temas da ética, da moral e da religião religiosamente implícito na política. Nas palavras de Kuyper: “Nenhum esquema político jamais se tornou dominante a menos que tenha sido fundado numa concepção religiosa específica ou numa concepção anti-religiosa”.
7. Já os “ministros da Palavra” têm o poder eclesiástico da espada, sendo o “governo da igreja” diferente da magistratura civil. Ainda citando a CFW (cap. 30, § ii), a estes foram entregues “as chaves do Reino do Céu. Em virtude disso eles têm respectivamente o poder de reter ou remitir pecados; fechar esse reino a impenitentes, tanto pela palavra como pelas censuras; abri-lo aos pecadores penitentes, pelo ministério do Evangelho e pela absolvição das censuras, quando as circunstâncias o exigirem”.
8. O que isto tem a ver com o fato dos pastores e padres alertarem suas ovelhas a não escolherem certos candidatos ao governo? Ora, estes futuros ministros serão pastores da Nação, e se o pastor eclesiástico, quando “vê vir o lobo, e deixa as ovelhas, e foge; e o lobo as arrebata e dispersa as ovelhas”, não passará de um mercenário, visto não ter “cuidado das ovelhas” (Cf. Jo 10. 12, 13). A igreja, como instituição e organização é apartidária. Ela não tem um candidato, um partido, uma ideologia política, uma bandeira governamental etc. O púlpito não é lugar para promover candidato, mas para afirmar e orientar o rebanho não apenas sobre o reino dos Céus, mas sobre o Reino de César.
9. Não exercendo este ministério holisticamente, podemos negligenciar a dádiva divina de um governo democrático como representantes sérios e vocacionados. Nas palavras de Calvino, citadas em Abraham Kuyper: “E vós, Ó povos, a quem Deus deu a liberdade de escolher seus próprios magistrados, cuidem-se de não se privarem deste favor, elegendo para a posição de mais alta honra, patifes e inimigos de Deus.” (2002, p. 91).
10. Fica claro que são os nobres colegas que estão distantes dos pensamentos biblíco-reformado-calvinista. Os pastores e padres devem, sim, orientar e alerta suas ovelhas acerca dos lobos que estão em todos os partidos. Não, há, caro filósofo, “partido perfeito”, nem o PSDB é o “partido de Deus”, mas os partidos mais republicano (se houver algum, claro. Cf. em Is 33.22 os “três poderes” da República) representam melhor os valores do Reino de Deus (e não estou falando de oração, sacramento, pregação etc. Estou falando de ação social, liberdades individuais, liberdade da imprensa, liberdade de expressão, autonomia da família, da igreja, propriedade, terra, economia, educação, saúde, promover meios para ascensão social etc.). Portanto, caro filósofo, parafraseando o Cristo digo: “acautelai-vos dos falsos políticos e dos políticos falsos”(Cf. Mt 7.15).
11. A discussão, então, deixa de ser pela polarização “esquerda-direita”, “guerra fria e militares” para ser guerra ideológica, trantando a política pela via positiva, ou seja, a mensagem cristã tem implicações públicas e sociais. O que temos visto, no entanto, é uma hegemonia no pensamento secularista, que cria uma hegemonia ideológica que até mesmo os protestantes aceitam. Leiam esta citação do teórico político Antonio Gramsci:
O moderno Príncipe [NA. O Partido da Classe Operária], desenvolvendo-se, subverte todo o sistema de relações intelectuais e morais, uma vez que seu desenvolvimento significa (...) que todo ato é concebido como útil ou prejudicial, como virtuoso ou criminoso, somente na medida em que tem como ponto de referência o próprio moderno Príncipe (...). O Príncipe toma o lugar, nas consciências, da divindade ou do imperativo categórico, torna-se a base de um laicismo moderno e de uma completa laicização de toda a vida e de todas as relações de costume (apud AZEVEDO, 2007. Grifos meus)
12. Lendo isto, nota-se como o PT possui esta estratégia e, meus amigos, reproduziram esta ideologia e não a perceberam. Agora, quem não está entendendo a relação igreja-estado, prezadíssimo historiador? É o que dá ser doutrinado nas Academias como se seus mestres fossem o poço da isenção ideológica. Pobres almas!
13. Não há, queridos irmãos, na ótica bíblico-calvinista, separação da “ordem privada” do “campo de ação do comportamento público”. O texto que se segue, do filósofo Criss Gousmett, nos dá conta desta falácia de “ordem privada” e “ordem pública” aceita pelos amigos, especialmente pelo historiador. O texto é longo, mas vale a pena.
Tudo que fazemos é religioso, uma vez que tudo o que fazemos resulta da nossa condição de criaturas: o fato de que Deus nos criou para um propósito específico, para cuidar e desenvolver o mundo que ele fez. E, porque estamos arraigados na dependência de Deus para nossa existência, a nossa relação mais fundamental na vida é religiosa, que governa e modela todas as coisas que fazemos, e desta raiz surgem nossas cosmovisões. Porque tudo que fazemos é moldado por nossa obediência ou rebelião contra Deus e Seu Pacto, a religião está arraigada na vida humana e todas as coisas que fazemos têm um caráter religioso. Não existe maneira de podermos manter a ideia de um mundo secular (ou seja, um mundo afastado de Deus), exceto sob a ilusão do pecado. Assim, nossas cosmovisões, nossa teologia, nossa filosofia [nossa visão da história, da política etc – NT) são formadas por nossa religião, isto é, o compromisso total do coração para o que conhecemos como Deus. Como vivemos o nosso compromisso de nosso coração em tudo o que fazemos, esta religião molda todas as coisas em que estivermos engajados: teologia, filosofia, políticas, educação, economia etc. Todas as áreas vida se encaixam porque tudo está enraizada em nossa vida religiosa. Para o Marxista somos basicamente seres econômicos; para o Freudiano somos basicamente seres reprimidos sexualmente; para o Cristão somos basicamente seres religiosos. A característica mais fundamental de tudo é a religião, isto é, a relação que temos com o que o quer que seja que chamemos de deus. Nossa cosmovisão é a expressão deste compromisso religiosos, formando a maneira pela qual nós realmente vivemos nossas vidas e, portanto, como fazemos filosofia e teologia (ou política, ou história etc – NT) e como podemos expressar a nossa religião.(GOUSMETT, 1996, p. 20, 21)
14. Enfim, no discurso escrito dos meus amigos, percebo a ingenuidade de acreditar que o problema é apenas acerca do aborto ou outras questões morais. A crítica que um deles faz a candidata Marina – percebe-se nele a “esquerda raivosa”, para usar uma frase dele acerca da “direita raivosa” – é pueril. Não considera o aspecto do todo, atribuindo a Marina, a quem chama de “Al Gore tupiniquim” – embora em outra ocasião, mais antiga, a chamou de “uma pessoa extraordinária” e uma “mulher incrível” – a culpa de não entender os evangélicos por culpa da conversão tardia e da filiação denominacional da candidata. Esqueceu-se ele dos muitos elogios, da foto com a candidata e do “evento que foi excelente” e da “aula impagável”, cuja “história pessoal dá-lhe a todo momento a legitimidade necessária a seu discurso”? Já sei! Acabou-se o sonho de “um convite para construção de novas utopias”.
15. Caro amigos, não incorram no erro de acreditar que os temas da ética não devam ser tratados. Os Cristãos querem mais, e fazem isto de modo tácito. Embora eu não concorde com o reducionismo ético, como se os problemas para os cristãos fossem apenas o aborto e os gays, meu conselho tem sido que irmos à raiz do problema: o que o PT acredita em sua ideologia, em seu pensamento fundamental que governa cada área da vida, não apenas as sociais e ambientais.
Se a vida é verdadeiramente entendida como religião, isto é, serviço a Deus em amor e obediência [ou rebelião – NT] como uma responsabilidade da criatura humana em uma situação histórica particular, então é impossível fundamentar, em categorias incontestáveis mutuamente exclusivas, a adoração e a política. [...] A autêntica adoração cristã terá significado político concreto. (Albert F. GEDRAITIS, 1972, p. 9)
16. Não me parece, caros amigos, que os cristãos desejam transformar este país numa “teocracia”(vide filósofo), nem mesmo que os pastores estejam manipulando “de forma tão grosseira”. O “caldo de cultura conservadora entre muitas lideranças” cultivam, sim, não um “sentimento anti-petista radical”(ao amigo historiador, até parece-me que você cultiva “um sentimento anti-peesedebista radical”. Viu como é fácil gerar ad hominem?), mas um senso de preocupação com questões mais nítidas (talvez seja miopia gospel) como as que vieram à pauta. Eles entendem que o que está em jogo são as questões das liberdades individuais. Sendo assim, caros amigos, preocupa-nos muito mais as questões de cunho moral, pois não haverá emprego se não houver crianças nascendo, crescendo e a geração atual envelhecer; para quem serão as universidades se a dizimação da vida e o impedimento de criar filhos e famílias fortes forem implantados? Não haverá redução de pobreza enquanto pensar-se no velho discurso de “divisão de classe”, querendo resolvê-la pelo confronto hegeliano a fim de gerar uma síntese estatal absoluta sobre ambos. Se a mortandade aumentar o extermínio e a relativização e depredação dos valores judaico-cristãos, que moral haverá para criarem-se empregos e famílias, se valerá tudo para satisfazer a natureza egoística deste ser humano caído? Aliás, prestem atenção como o Francis Schaeffer (2003, p. 13) alerta para os perigos do enfraquecimento dos valores morais, falando como a moral da Grécia e de Roma contribuiu para queda destes impérios. Ele diz que o problema fundamental está naquilo eles pensavam acerca de seus deuses.
mas seus deuses não eram grandes o bastante, porque eram finitos, limitados. Mesmo todos os deuses juntos não eram infinitos. Na verdade, os deuses do pensamento grego e romano eram muito semelhantes a homens e mulheres acima do comum, mas não essencialmente diferentes dos homens e mulheres humanos [...] Os deuses eram uma espécie de humanidade ampliada, não divindades. Como os gregos, os romanos não tinham um deus infinito. Assim sendo, eles não tinham nenhum ponto de referência suficiente, do ponto de vista intelectual; isto é, eles não tinham nada que fosse suficientemente grande ou suficientemente permanente a que pudessem prender o seu pensamento, ou a sua vida. Conseqüentemente, o seu sistema de valores não era suficientemente forte para fazê-los suportar os desafios da vida, tanto individual quanto política.
Lembra o que eu disse mais acima? É a religião de novo. E na base ideológica do PT (e de qualquer outro, como é o caso), o que se encontra é um ídolo. Por isso que suas propostas são mais radicais e eles não toleram os cristãos que não se embevecem com estas propostas. Novamente, faço minhas as palavras de Schaeffer, quando comenta o motivo dos cristãos terem sido perseguidos por Roma (idem, p. 17): “nenhuma autoridade totalitária ou Estado autoritário pode tolerar os que têm um referencial absoluto, de acordo com o qual avaliam aquele Estado e suas ações”. Aquelas coisas, portanto, terão a ver com a família, quando estas questões forem tratadas, entenderam?
17. Queridos, parem de ver as coisas de maneira fragmentada. Procurem ver o que há sob a superfície. Tratemos das questões sociais, mas não pensem que os pressupostos do PT, muito mais do que em outros partidos, são compatíveis com o Cristianismo. Ambos possuem deuses diferentes. Suas cosmovisões são mutuamente excludentes e opostas e os resultados de ambos também produzem resultados opostos nas áreas sociológicas, governamentais e, especificamente, legais (MANIFESTO HUMANISTA). Por isso não é problema para o Sr. Presidente quebrar TODAS as leis eleitorais; falar em ética, mas mentir acerca de tudo; de discursar para “eliminar” a oposição, como se já vivêssemos numa petecracia; de quebrar toda liturgia que o cargo lhe confere; de se referir aos adversários políticos como “esse sujeito” ou “esse cidadão”; de mudar a verdade em mentira e transformar a mentira num método. Para ele não há referenciais absolutos, a não ser o Partido, para quem todos os meios são válidos (mentiras, campanhas difamatórias como já estão ocorrendo no Recife, dizendo que Serra vai acabara a “bolsa família”, vai privatizar TODO bem público etc).
18. Não mais me estenderei sobre os textos dos amigos. Acredito que já foi, para mim, o suficiente para perceber que vocês estão eivados de pressupostos contrários à fé reformada; em termos políticos, claro. Ambos são engodados pela falácia “público-privado”; um está com a cabeça cheia do historicismo-materialista, e tão impregnado como a distinção acima, que nem percebe que tomou o nome de Deus em vão por diversas vezes, misturando os dois campos (é o que Van Til chama de “tensão entre o racional e o irracional”). O outro não observou que escolher entre um não-cristão experiente e um cristão não-experiente, confundindo a doutrina da vocação geral dos homens (a graça comum), acredita que os TODOS os pastores estão ensinando aos crentes a votarem em crentes; e que, ao orientar aos “líderes evangélicos” a não manipularem suas ovelhas, acaba incorrendo no mesmo erro, visto tentar eles mesmo manipular os manipuladores.
Termino citando Kuyper novamente (idem, p. 91. grifos meus):
Posso adicionar que a escolha popular é bem sucedida, naturalmente, onde nenhum outro governo existe, ou onde o governo existente se enfraquece. Onde quer que novos Estados tem sido instituídos, exceto pela conquista ou pela força, o primeiro governo [NA – a democracia] sempre tem sido instituído pela escolha popular; e assim também onde a mais alta autoridade tem caído em desordem, quer pelo desejo de uma fixação do direito de sucessão, quer através de revolução violenta, sempre tem sido o povo que, através de seus representantes, reivindicou o direito de restaurá-lo. Mas com igual resolução, Calvino afirma que Deus tem o poder soberano no modo de administração de sua providência, para tirar de um povo esta condição mais desejável, ou nunca concedê-la absolutamente quando uma nação é inapta para ele, ou, por seu pecado tem sido completamente privada da bênção.
Em Jesus Cristo, que está acima de César,
Gaspar de Souza