sábado, 27 de julho de 2013

Uma Palavra aos Maridos Reformados que têm Esposas Não-Reformadas

Por Gaspar de Souza
     

É uma alegria descobrir a Fé Reformada. É uma alegria descobrir que o Deus Criador e Triúno planejou nossa Salvação desde a Eternidade. Como é gratificante o descobrir os Cinco Sola da Reforma – Sola Scriptura, Sola Gratia, Sola Fides, Solus Christus, Soli Deo Gloria. Em ver a beleza da “Cadeia de Ouro” do TULIP – acróstico para a Soteriologia Reformada: Depravação Radical da natureza humana; Eleição Incondicional; Expiação Particular; Graça Irresistível e Perseverança dos Santos, que eu prefiro chamar de Perseverança do Salvador. Como é bom descobrir os escritos de Calvino, dos Puritanos, de ler John Owen, Jonathan Edwards, Richard Baxter, os sermões de fogo de Spurgeon. É impressionante ver a harmonia das Confissões de Fé e Catecismos, a beleza da Confissão Belga, a robustez da Confissão de Fé de Westminster, a sistematização das Helvéticas e Savoy (esta, bem parecida com a CFW!), a didática piedosa do Catecismo de Heidelberg, a solidez prática dos Catecismos de Westminster. Ao saber que autores de um passado não tão distante foram gigantes da fé, tais como o Dr. Martin Lloyd-Jones, considerado um dos últimos puritanos e exímio expositor bíblico; a firmeza teológica do Rev. James I. Paker; a fina apologética dos Dr. Cornelius Van Til e Dr. Gordon H. Clark; a sagacidade teológica dos Hodges, Dabney e Bavinck. É como ficar como os que sonham....


Porém, não tem sido incomum a aqueles que, anteriormente em outra tradição teológica, normalmente Arminiana Tradicional ou Arminiana Pentecostal, ao descobrirem a Fé Reformada, passam à arrogância e desprezo pelos que não compartilham de sua tradição recém-descoberta. Até entendo que haja lá os seus gracejos, como aquele do “evangelismo arminiano”, onde se apresenta um homem tentando ressuscitar um esqueleto. 

Mas confesso que não são as brincadeiras que me preocupam. O caso é mais sério. É caso de família e família é a coisa mais séria neste caso. É o caso dos que se convertem à tradição Reformada, mas têm esposas que continuam em suas tradições, especialmente Pentecostais.

A reclamação parece ser geral: os maridos se tornam insuportáveis, ranzinzas, chauvinistas, intolerantes e, para proselitar suas esposas, não poupam palavras duras e humilhantes – travestidas de piedade, claro –, não apenas contra sua fé, mas até mesmo contra sua pessoa. Agora, ela é a insubmissa por não aceitar imediatamente o “novo e vivo caminho” da fé de seu marido. Agora ela é a herege por não aceitar os cinco pontos. Agora o seu culto é idólatra por desprezar o princípio regulador do Culto e não aceitar acompanhá-lo imediatamente aos Cultos Reformados com Pregações Expositivas, coisas que ela, possivelmente, totalmente ignora. Ela é culpada por resistir e não aceitar os Sola da Reforma e não ir muito com a cara dos Puritanos. O resultado final não é proselitismo, mas sectarismo, porque ele não se importa de causar a divisão com aquela que Deus mesmo uniu a ele. 

Aos meus irmãos casados, não resta senão achar-se sob o fardo da providência de ter uma esposa não-Reformada. Talvez algumas palavras a tais maridos reformados sejam necessárias e, assim, eles fujam da caricatura reformada que podem transmitir às suas esposas. Se quiserem ganhar as suas esposas, certamente não será pela força (Zc. 4.6).

Primeiramente, lembre-se de que ela é a sua esposa. Antes de ser reformada, arminiana, pentecostal etc., aquela que está com você sob o laço da aliança é a sua esposa. E, neste relacionamento, segundo as Escrituras, ela é a parte mais frágil, exigindo de você entendimento no convívio do lar, tendo-a em honra (1Ped. 3.7). Como você, a fim de forçá-la a acompanhá-lo na nova fé, costuma lembrá-la da submissão devida, não custa nada lembrar a você, querido irmão, que há uma submissão de sua parte a ela (Ef. 5.21). Como sei que você gosta dos Puritanos, leia o que disse um deles, antigo membro da Assembleia de Westminster (1643), o Rev. Wiiliam Gouge (1575 – 1653). Este irmão escreveu um tratado com cerca de 600 páginas cujo título nos faz pensar: Of Domestical Duties (1622). Ali, no primeiro volume, ao expor o texto de Efésios 5.21 – “Sujeitando-vos uns aos outros no temor de Deus” – o distinto puritano disse sobre a vocação particular, em que se encontra a relação marido e esposa, que a submissão do Marido à Esposa “é por morar com ela com entendimento, dando honra à esposa como vaso mais frágil” e isto deve ser feito sob a direção do “temor do Senhor”. Ainda diz o velho puritano: “como uma esposa deve saber sua responsabilidade, seu marido deve saber muito mais a sua própria, porque ele é para ser um guia, um bom exemplo para sua esposa, ele deve viver com ela com entendimento [...] negligenciar sua responsabilidade é mais desonroso a Deus, porque pela virtude de sua posição, você [marido] é a imagem e a glória de Deus (1Co 11.7). De fato, parafraseando o autor, negligenciar esta responsabilidade é pernicioso, pois não é apenas a esposa que será atingida, mas toda a família, pois, estando o marido em tal posição de cabeça, pode cometer abuso de autoridade sem ter alguém sobre si que contenha sua fúria. 

Segundo, antes de ela ser sua esposa, ela é imagem de Deus. Eu preferi dizer que ela é imagem de Deus, pois é possível que algum marido reformado tenha esposa que “não-cristã”. Sendo assim, se o marido reformado entender a sua grande responsabilidade com aquela que não compartilha da mesma fé com ele, muito mais deverá compreender a sua imensa obrigação para com aquela que é a sua irmã em Cristo. 

Outro Puritano, Isaac Ambrose () também um dos Divines, escreveu Prima: The First Things. Este compêndio trata sobre a “doutrina da regeneração, do novo nascimento e o real começo da vida piedosa”. Ali, comentando o Quinto Mandamento, cujo título “Os Pecados contra o Quinto Mandamento”, acerca dos “Deveres Exigidos”, o primeiro ponto que o Divine Isaac expõe é a responsabilidade familiar. Mas, você sabe sobre a responsabilidade de quem ele apresenta primeiro? Sobre a responsabilidade do marido. “Se tu és marido, tenha amado sempre a tua esposa”. E ainda, “se tu és marido, não tens por vezes maltratado tua esposa, ou a ferido, ou a ofendido em pensamento, palavras ou atos?” Como texto-prova para a primeira declaração, o Rev. Isaac cita 1Pe. 3.7. Parece haver uma predileção dos Puritanos por este texto quando exortam aos maridos. Marido, pondere ainda nas palavras deste mesmo puritano: O marido, acerca de sua esposa, “deve amá-la em todo tempo; ele deve amá-la em todas as coisas; o amor deve temperar e adoçar sua linguagem, seu cuidado, suas ações para com ela; o amor deve ser mostrado em seu governo, censura, admoestações, instruções, autoridade, familiaridade com ela; o aumento de tal amor não deve ser por sua beleza, ou notabilidade, mas especialmente porque ela é sua irmã em na Religião Cristã; e uma co-herdeira com ele no reino do céu; por causa de suas graças e virtudes, porque ela deu à luz aos seus filhos, os herdeiros de seu nome e natureza, e por causa da união e conjunção do casamento”(The Works of Isaac Ambrose, vol. 1, Of Families Duties, Of of the Duties of the Husband and Wife, p. 187).

Terceiro, antes de pensar em sua autoridade como marido, e na submissão de sua esposa como esposa, procure ver que você é como Cristo nesta relação. Por dizer que você é como Cristo, lembre-se que é apenas em semelhança. E nesta semelhança, não esqueça que sua esposa é como a Igreja de Cristo. O Senhor Jesus Cristo mantém um relacionamento com sua Noiva que chegou a assumir a responsabilidade da própria Igreja. Há um princípio da masculinidade bíblica, reflexo da masculinidade do Verdadeiro Homem Jesus, que o marido deve ser o “primeiro a amar, o primeiro a perdoar e o primeiro a sofrer [...] assumindo a responsabilidade pelo pecado não importando se a ‘culpa’ é dele ou não”(PATRICK, Darrin. O Plantador de Igreja. São Paulo: Vida Nova, 2013, p. 19). Se você, marido cristão, olhar no mesmo texto que facilmente você usa contra sua esposa, logo em seguida ao falar sobre a submissão dela, fala das responsabilidades de suas responsabilidades. Você já reparou a desproporção de versículos para sua esposa e para você? É que você é mais perigoso e mais rebelde em assumir a sua submissão para com ela, do que ela para com você. 

Você como Cristo deve entregar-se por sua esposa (Ef. 5.25), deve santificá-la e purificá-la pela palavra (v.23), fazê-la para si (v. 27). Você deve sustentá-la, alimentá-la, cuidá-la, protegê-la (inclusive de você!)(v. 29, 30). Quero que você veja que, ao compará-la com a Igreja, deveria ficar claro para o marido que o seu desmando para com a esposa torna-se algo pessoal com o Senhor delas. Cristo olha para as esposas como sinais de sua Igreja. 


O Puritano Isaac Ambrose comentou: “Os maridos deveriam amar suas esposas, mesmo que não existisse nada em suas esposas que o movessem, mas simplesmente porque elas são suas esposas. Cristo amou a igreja antes que a igreja pudesse amá-lo"(idem). A última frase, “Cristo amou a igreja antes que a igreja pudesse amá-lo”, deveria levar o marido reformado a lembrar de todos os Pontos dos Cinco: Cristo escolheu sua Igreja, não foi escolhido por Ela e Sua Igreja ainda não era Igreja, não era povo(Dt. 7.7; 1Pe. 2.10; Rm. 9.25). Jesus Cristo entregou-se por ela, ainda quando ela não o amava; o Senhor Jesus, como amor eterno a atraiu, não colocou nela um cabresto (Jr. 31.3); o Seu amor por ela é perseverante, mesmo diante dos tropeços e tropicões de sua amada. É o Amor de Cristo que sustenta a Noiva, não o inverso. Por que a Igreja ama a Cristo? Porque é, primeiramente, amada por Ele. Por que a Igreja se submete a Cristo? Porque Cristo a lidera em Amor. 

Caro irmão, antes de ganhar sua esposa para a “nova fé” que você abraçou, tente ganhá-la para o seu coração. Antes de ela ser reformado na fé, reforme-se no amor por ela. Se a nova fé que você abraçou não o fizer amá-la cada vez mais, a sua fé é vã e inútil (Tg. 2.26). Se a nova fé apenas fornecer a você amor de palavras, mas não ação, você é um mentiroso, pois não ama de verdade(1Jo 3.18). Certo reformado moderno, Rev. Joyce Álvarez Léon, faz um brilhante comentário sobre o amor e a fé no matrimônio: “O amor segue a fé. Sem fé não pode haver amor. Quando falo de amor, não estou me referindo somente ao amor romântico, ou o amor emocional, ou o amor que diz: se me trata bem, então amarei você; se me trata mal, não amarei você. O amor do qual estou falando é um amor que se dá sem esperar nada em troca, um amor que ainda que receba uma tapa, continua amando. Um amor que não busca outra coisa senão o bem da pessoa amada, mesmo que isso requeira um grande sacrifício por parte da pessoa que ama. Este é o tipo de amor que revoluciona qualquer lar. É o amor de Deus. Este é o tipo de amor que o mundo não conhece porque provém de Deus e tem sido derramado sobre os que têm recebido a Cristo pelo Espírito Santo que nos foi dado”(La Familia Cristiana como Luz e Sal e su Vencidario, 2008, p. 8).

Marido Reformado, por mau trato com sua esposa, você pode colocar abaixo todo trabalho de Reformadores Piedosos, dando testemunho mentiroso sobre eles pelo modo como você vive com ela. Como o Puritano Richard Baxter havia dito: “A paz e a prosperidade das nossas Igrejas depende grandemente de umas boas relações familiares[...] Portanto, se quiseres que a obra do Evangelho floresça, recomendo-te que faças tudo o que possas para promover a piedade no lar ”

Conforme Leland Ryken (Santos no Mundo) comentou sobre o caráter da liderança do marido: “Senhorio, para os Puritanos, não significava tirania. Era liderança baseada no amor. Benjamin Wadsworth escreveu que um bom marido fará ‘seu governo sobre ela tão fácil e suave quanto possível, e lutará mais para ser amado que temido’. De acordo com Samuel Willard, um bom marido reinará de tal forma ‘que sua mulher possa deleitar-se na [sua liderança], e não tê-la como escravidão mas, como liberdade e privilégio’”.

Por que não falei da submissão da esposa ao marido? Porque isso, Marido, você já sabe.