quinta-feira, 24 de setembro de 2015

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE TEONOMIA

G. I. Williamson

Traduzido com notas por Gaspar de Souza
Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para ensinar, para reprovar, para corrigir, para treinar na justiça(2Tim 3.16). Por “toda Escritura”, Paulo quer dizer o Antigo Testamento, incluindo a Lei de Moisés completa. Segue-se, portanto, que as leis do Antigo Testamento têm valor permanente.

Foi por essa razão que Calvino, em seu comentário sobre os Cinco Livros de Moisés demonstrou como cada “jurisprudência” ensinava um princípio permanente. Ele fez isso organizando todas essas leis sob um ou outro dos Dez Mandamentos. Ele mostrou como cada um deles ajuda-nos a entender a intenção e significado – e devida aplicação – dos Dez Mandamentos centrais.

Eu continuo convencido que o Reformador estava essencialmente correto. Eu não acho que ele sempre estava certo, ou que ele necessariamente organizou cada jurisprudência sob sua devida posição (alguns, sem dúvida, poderiam ser colocados sob um mandamento diferente). Mas ele me convenceu que existe um princípio permanente em cada jurisprudência do Antigo Testamento. Em minha opinião, os teonomistas merecem crédito aqui. Eles estão tentando fazer na nossa geração o que João Calvino fez em sua.

No entanto, pode parecer bem tornar este ponto bastante claro. Com a vinda de Cristo, o sistema Mosaico foi posto de lado de uma vez por todas. Se a teonomia procurasse colocar-nos sob esse sistema novamente, certamente eu me oporia. Mas, ela faz isso? Não tenho visto evidências convincentes de que eles façam isso. Sim, eu tenho ouvido adversários da teonomia alegar que eles fazem, mas não é isto que o teonomistas dizem. Então, realmente somos confrontados com uma questão básica: se nós ainda usáramos “os testemunhos da Lei e dos Profetas para confirmarmo-nos no Evangelho e, também, para regularmos nossa vida em toda honestidade, para a glória de Deus, conforme sua vontade”(Confissão Belga, Artigo 25. Ênfase adicionada)? Eu creio que a resposta só pode ser sim, e que isso se aplica aos governantes civis.

Aqui está o busílis. Teonomia, para muitos, posa hoje o espectro da opressão civil. “Se formou longe com isso”, eles dizem, “então vamos acabar perseguindo, e até mesmo matar, pessoas”. E é verdade que a pena de morte era requerida para algumas coisas, segundo essas leis, que não são tão castigadas hoje. Mas o leitor deve ter tempo para refletir sobre duas coisas.

A primeira é que a Lei de Moisés vem de Yahweh. Devemos, portanto, ser cuidadosos em ter uma visão negativa desses preceitos sagrados. Eu posso não entender por que Deus exigira a punição que ele exigiu, mas eu não tenho direito de estabelecer por mim mesmo como juiz dessas leis. Não, mil vezes não. Não há nada de indigno nessas leis do verdadeiro Deus. Se eu tenho dificuldades com elas, o problema está em mim, não naquelas leis
.
A segunda é que sob nossa lei atual, também existe o matar. E aqui eu vejo um problema ainda não resolvido na posição daqueles que se opõem à teonomia. É a ambiguidade fundamental em seu argumento para uma ordem civil pluralista.

Um escritor defende uma visão não-teonomista do estado com essas palavras: “o estado necessariamente é ‘pluralista’ no sentido que ele permite aos seus cidadãos liberdade de consciência para adorar como eles devem”. Isso soa bem. Mas agora o outro lado desse segundo principio: “o estado deve agir quando os princípios morais permanentes e básicos (como contidos na Segunda Tábua da Lei) são substituídos ou ignorados”. Aqui existe, por exemplo, uma referência à tarefa do estado de exercer justiça contra aqueles que roubam, assassinam, mentem etc. Mas eu não vejo como esses dois princípios possa coexistir em qualquer relacionamento estável. Na verdade, nosso problema hoje é precisamente que o primeiro desses princípios está devorando o segundo à distância. Permita-me ilustrar.

Já houve uma época em que a lei, na maioria dos países ocidentais, era fortemente anti-homossexual. Nossas leis já foram intencionalmente mais próximas dos padrões bíblicos. Em uma palavra, nós tínhamos alguma teonomia em matéria civil. Mas agora, em todo mundo Ocidental, isto está desaparecendo. Homossexuais estão “a céu aberto”. Eles exigem o direito de expressar seu estilo de vida. E quando o estado é pluralista em permitir a seus cidadãos “liberdade de consciência para adorar como eles acreditarem que devem”, isso não pode ser evitado.

Alguns Cristãos tendem a dizer: “Bem, e daí? Contanto que eles não ofendam a outros, qual o problema?” O problema é esse: tolerância (pelo estado) do mal prejudica a outras pessoas. Dou alguns exemplos.

(1) Se homossexuais têm “direitos iguais” – e não podem ser “discriminados” em sua conduta, então a lei deve proteger seu direito de ensinar as crianças nas escolas. Mas, será que alguém pensa que eles não influenciarão as crianças com seu estilo de vida, bem como pelo seu ensino? Claramente, a neutralidade é um mito.[1]

(2) Na população em geral, a AIDS tem sido transmitida através da transfusão de sangue. Quando “gays” doaram seu sangue, a AIDS foi aprovada junto com eles. Então você não tem uma sociedade segura se, em última análise, ela for pluralista.[2]

(3) A antiga ordem jurídica está, agora, esmorecendo, enquanto uma nova ordem está cada vez mais e mais dominante. Isto é visto claramente no fato de que o estado agora sanciona o derramamento de sangue de crianças que ainda não nasceram. A ordem jurídica mais antiga – de alguma maneira teonomista – a protegia. Agora, a emergente ordem jurídica humanista protege aqueles que matam as crianças.[3]

Não me impressiona, portanto, com o argumento do “medo”. Refiro-me ao medo de que se o estado adotar uma ordem jurídica bíblica, poderia haver um grande massacre. Evidentemente, haveria morte. Mas há morte agora – e muita. O fato de que a carnificina é oculta aos olhos, não significa que não exista tal coisa. Há sim. Então, a questão não é se haveria morte, mas que deveria ser morto. Deveria ser o culpado ou o inocente?[4]

Hoje, frequentemente é o inocente. Francamente, eu preferiria o sistema mais antigo onde fosse mais frequente o culpado que morresse.

Quando eu cresci, John Dillinger estava vagando por aí matando pessoas. Eu me senti muito melhor quando foi noticiado que ele havia sido morto. Eu pensei: “Bem, foi muito ruim que sua vida acabasse dessa maneira, mas é melhor do que pessoas inocentes morrerem”(Naqueles dias eles ainda usavam a cadeira elétrica. Realmente, uma execução é uma coisa terrível. Mas existe uma coisa realmente pior: deixar assassino soltos para que eles assassinem novamente. Isto é o que vemos hoje com muita frequência!). Os leitores desse periódico vão concordar com grande parte do que dizemos. Tomemos, por exemplo, o homessexualismo. Todos nós nos opomos a ele.  Mas isso não é tudo. Nós também citamos o Antigo Testamento para provar que estamos certo. Em 1980 nós, do Sínodo Reformado Ecumênico, declaramos que toda prática homossexual é pecado, e citamos Moisés para prová-lo. O que me impressiona, então, é o seguinte: todos nós somos teonomistas quando nos convêm. A verdadeira questão, portanto, não é teonomia ou nenhuma teonomia. A questão é como nós seremos consistentes em aplicar essas leis.

Isso soaria que estou no movimento teonomista? Eu não estou. Uma coisa que tem me forçado ser cauteloso é a falta de coerência por parte dos teonomista. Veja, por exemplo, sua visão do Sabbath. Se eu entendo certos teonomistas, eles dizem não existir o mesmo tipo de continuidade para esse mandamento como existe para os demais. Mas outros teonomistas terão uma visão fortemente diferente. Ou, dando outro exemplo, um teonomista fortemente defende escolas Cristãs, mas ainda assim diz que sindicatos são errados. Eu não acho essas coisas consistentes ou convincentes.

O que nós precisamos, então, é ficar longe da mera reação à palavra teonomia. Em vez diso, precisamos começar especificar as coisas. Se você disser que é um teonomista, muito bem, mas me diga (como Calvino fez) o que este caso particular da lei significa para hoje. Qual o princípio nela e como aplicá-la. Se você não pode fazer isso, então nem aqui, nem em lugar algum você é um teonomista.

Da mesma forma, se você me disser que  você não é um teonomista, eu direi: “Muito bem! Mas como você me mostra o princípio aqui e sua aplicação”. Se o melhor que você pode dizer é “Bom, isto é o Antigo Testamento e nós somos Cristãos do Novo Testamento”, então eu não serei capaz de comprar sua posição anti-teonomista. O que nós precisamos, então, é um fim às reações automáticas e aos xingamentos. Precisamos, sim, começar a tratar um ao outro com respeito, e discutir nossas diferenças paciente, cuidadosa e, acima de tudo, calmamente, com constante referência ao texto da Bíblia.

New Horizons, April 1994

Fonte: http://www.reformed.org/ethics/index.html?mainframe=/ethics/GI.html


[1] Veja, por exemplo, a discussão de gênero nos programas educacionais das Escolas Brasileiras e que tem encontrado resistência em Câmaras Municipais. A matéria do Jornal Folha de São Paulo (04/12/2012): “Professores Gays têm dificuldades para assumirem na escola, diz pesquisa”(Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/1195164-professores-gays-tem-dificuldades-para-se-assumirem-na-escola-diz-pesquisa.shtml>. Também a matéria “PT quer cotas pra professores homossexuais, denuncia deputado”< http://noticias.gospelprime.com.br/pt-cotas-professor-homossexuais-jair-bolsonaro/>

[2] Matéria  do G1 (03/06/2015): “Homens homossexuais são impedidos de doar sangue”(Disponível em: < http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2015/06/homens-homossexuais-sao-impedidos-de-doar-sangue.html>.  Ver também “Homossexuais enfrentam obstáculos para doar sangue em mais de 50 países, inclusive o Brasil. Está na hora de mudar isto”(Disponível em: < http://www.brasilpost.com.br/otavio-dias/gays-podem-doar-sangue_b_6261698.html>)

[3] Jornal o Dia (24/03/2015): “Projeto de lei que legaliza o aborto é protocolado na câmara”. Disponível em< http://odia.ig.com.br/noticia/brasil/2015-03-24/projeto-de-lei-que-legaliza-aborto-e-protocolado-na-camara.html>. Ver também ACI Digital (21/07/2015): “"Ex-funcionária da Planned Parenthood revela o que a gigante do aborto faz com órgãos de bebês"(Disponível em: < http://www.acidigital.com/noticias/ex-funcionaria-da-planned-parenthood-revela-o-que-a-gigante-do-aborto-faz-com-orgaos-de-bebes-27783/>)

[4] UOL Notícias (27/05/2014): “"Brasil bate recorde histórico de homicídios". Disponível em: < http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2014/05/27/brasil-tem-recorde-historico-de-homicidios.htm>. Veja também Felipe Moura Brasil (08/06/2015): “Menores mataram 4 vezes mais que regime militar: 1.848 (no mínimo) a 424 (no máximo). Agora virou “apenas”?"(Disponível em: < http://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil/2015/06/08/menores-mataram-4-vezes-mais-que-regime-militar-1-848-no-minimo-a-424-no-maximo-agora-virou-apenas/>