terça-feira, 29 de setembro de 2009

COMO RAPOSAS NOS DESERTOS

Inicio as postagens de hoje com uma exposição bíblica. Não poucos amigos solicitaram-me uma postagem assim de minha parte. O que segue-se abaixo é uma breve exposição exegética do capítulo treze do Profeta Ezequiel, considerando o gênero literário. Tem como título a expressão do v. 4: "Os teus profetas, ó Israel, são como raposas nos desertos". Trata-se de uma exposição realizada no Seminário Presbiteriano do Norte. Os textos em hebraico são para os interessados na exegese. Qualquer semelhança entre os falsos profetas de Israel e os muitos "pregadores" de hoje NÃO é mera coinscidência. Boa leitura e boa reflexão!

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O comentarista luterano do século XVIII John Albert Bengel disse certa vez: “Escritura é o fundamento da Igreja: a Igreja é a guardiã da Escritura. Quando a Igreja está fortemente saudável, a luz da Escritura resplandece claramente; quando a Igreja está enferma, a Escritura é corroída pela negligência; e assim acontece, aquilo que é visível da Escritura e da Igreja, habitualmente aparecem para exibir simultaneamente, seja saúde ou então a doença; e normalmente a maneira como a Escritura é tratada está na exata concordância com a condição da Igreja”(Gnomon, 1:7).


A busca por coisas mais práticas e a ânsia por resultados têm levado a muitos pastores a descrerem na Pregação da Escritura, trocando por aquilo que o Rev. Wadislau Gomes chama de “Psicologização do Púlpito”, onde pastores “grande números de pregadores abandonou suas redes em busca de alimentos sintéticos para as necessidades de uma nova sociedade. Faltos de uma epistemologia bíblica e de uma metafísica transcendental, não poucos pastores [...] se encontraram carentes da autoridade da Palavra e desejosos do poder da persuasão”. “De modo muito grave, pastores que procuram a relevância da mensagem para a audiência sem considerar a importância da Palavra, tornam-se medíocres, posto que ‘descem ao povo’ para alcançar a média cultural. Na tentativa de proferir mensagens ‘pop’, acabam sendo superados pela audiência.”


O resultado é que nos Púlpitos uma mensagem sobre “pecado” ou “redenção”, já com conotações secularizadas, fundamentadas num referencial antropológicas, adquire paralelo com os discursos psicológicos . Assim, o pregador não faz boa Teologia e nem boa Psicologia. Tem-se os “pulpiteiros”, como diria Llyod-Jones.


Introdução ao Livro do Profeta Ezequiel

O Profeta Ezequiel era filho do Sacerdote Buzi e, possivelemente seguiu o oficio de seu pai. Porém, Ezequiel fora chamado e comissionado para ser profeta(cap 1). Ele foi enviado a falar ao povo do Pacto(2.3), a quem o Senhor Deus chama constantemente de “casa rebelde”, expressão esta que aparece cerca de onze vezes (p.e. 2.6,8; 3.9, 26,27 etc). Ezequiel foi levado para o Exílio da Babilônia, talvez numa segunda deportação, e lá teve suas visões e profecias por cerca de vinte e três anos de ministério.


O livro que leva o seu nome (Ez 1.1 – 3; 24.24) é agora aceito sem mais contestação. Desde 1962 abandonou-se a teoria da pseudoepigrafia, isto é, de que o livro havia sido escrito por um outro autor. Hoje, quase todos os comentaristas vêem o profeta Ezequiel como a fonte das profecias deste livro, endereçado aos exilados na Babilônia.


O livro pode ser dividido em duas grandes seções:


A. Capítulos 1 – 24, que anunciam que o fim de Jerusalém está próximo;


B Capítulos 25 – 48, que anunciam os julgamentos sobre as outras nações e a restauração de Israel.


A Teologia refletida em Ezequiel é aquela encontrada no Pentateuco, principalmente em Levítico e Deuteronômio, tais como a Aliança de Deus com o seu povo, relembrada ao Povo do Exílio pela expressão constante do profeta: “e saberão (sabereis) que eu sou o Senhor” (6.7, 10, 13; 7.14, 27; 11.12; 13.9 etc. Cf 16.60)(±65x) e pela fórmula pactual: “vós sereis o meu povo, e eu serei o vosso Deus”(36.28; 37.26) e que esta relação seria confirmada plenamente na Nova Jerusalém, onde a Glória de Deus não mais se apartaria. (40 – 48. Cf. Ap 22.3).


O texto que examinaremos está entre uma série de oráculos de julgamentos contra Judá e Jerusalém (4 – 24). Ezequiel já havia anunciado que a glória de Yahweh se fora da Casa do Senhor (10.18 – 20. Cf 11.22, 23). Vejam a seqüência dos eventos:


a. A Idolatria da Casa de Israel – cap. 8

b. A destruição dos Ímpios de Jerusalém – cap. 9

c. A retirada da Glória de Deus do Templo – cap. 10

d. A Condenação dos líderes de Jerusalém – cap. 11


Ainda assim, os líderes de Israel diziam: “a visão que este tem (Ezequiel) é para muitos dias, e ele profetiza de tempos que estão longe”(12.27). Já retirada a Glória de Deus, nada mais resta se não o Juízo. Neste capítulo treze, Ezequiel agora volta-se, não mais para os Príncipes e Reis de Israel e Judá, mas para aqueles que não deram crédito à palavra do Profeta (12.24). Diz certo escritor que “este capítulo é um dos mais importantes no Antigo Testamento para demonstrar o abuso do fenômeno da profecia”. Existe uma clara condenação a aqueles que não anunciavam a Palavra do Senhor, mas anunciavam a palavra de seus corações, seguindo o seu próprio espírito. Primeiro, Ezequiel se dirige para os Profetas (1 – 16); depois para as Profetisas (17 – 23). Dividamos o Oráculo a fim de perceber a intenção do Autor com este procedimento, com a devida exposição:


Fórmula de Comissão - E VEIO a mim a palavra do SENHOR, dizendo (v. 1) – Eis o ponto que caracterizaria a palavra do verdadeiro profeta: ele era passivo em relação ao Senhor. O Profeta não vai por conta própria, mas porque foi enviado pelo Senhor a entregar a sua palavra. Este contraste ficará mais claro nos versos seguintes.


O Destinatário da Mensagem - Filho do homem, profetiza contra os profetas de Israel que profetizam (hw")hy>-rb;D> W[ßm.vi ~B'êLimi yaeäybin>li ‘T'r>m;a'(w> ~yai_B'NIh; laeÞr"f.yI yaeîybin>-la, abe²N"hi ~d"§a'-!B,) e dize aos que só profetizam de seu coração: Ouvi a palavra do SENHOR (v. 2). Parece redundância, mas o uso de profetas que profetizam é claro sinal de que estes tais não foram enviados. Embora tanto para Ezequiel, quanto para aqueles profetas, usa-se o verbo no Niphal (abe²N"hi e ~yai_B'NIh;), o próprio Ezequiel mostra a fonte de ambas as profecias. Para Ezequiel “veio a palavra do Senhor”; para aqueles outros “profetizam do seus corações”. Ora, profetizar do próprio coração, isto é, “por conta própria”, é uma ironia, visto que o profeta fala em nome de outro, e não de si mesmo! “Ezequiel, então, não dirige suas palavras aos profetas como um corpo, mas contra aqueles que seguiram a vocação de profeta de Israel sem ser para isto chamado por Deus, mas simplesmente profetizam de acordo com suas imaginações e fantasias”. Mesmo que digam: “ouvi a palavra do Senhor”, se para tal não foram enviados, são falsos profetas.


A Fórmula do Mensageiro - Assim diz o Senhor DEUS (hwIëhy> yn"ådoa] ‘rm;a' hKoÜ) (v. 3a) – Este marca a seriedade do que dirá Ezequiel e os verdadeiros profetas. As suas palavras e as de Deus se confundem, sendo impossível fazer distinção entre elas, porque a verdadeira palavra de Deus na boca de um profeta, é palavra de Deus. É a “boca do Senhor”. Ninguém, portanto, pode dizer “assim diz o Senhor” e prosseguir a falar conforme deseja.


O Anúncio da Desgraça e as Acusações contra os Falsos Profetas - Ai dos profetas loucos, que seguem o seu próprio espírito e que nada viram...(vv3b – 7; 10 - 12) (`Wa)r" yTiîl.bil.W ~x'ÞWr rx:ïa; ~yki²l.ho rv<ïa] ~yli_b'N>h; ~yaiäybiN>h;-l[; yAhß). Estes versos são a primeira parte da acusação. É um “oráculo de desgraça”(yAhß). O Senhor Deus estava, por meio de Ezequiel, fazendo uma predição final, um “grito de lamentação fúnebre” sobre os aqueles que se colocavam como Profetas neste texto. São chamados de tolos porque “estão andando após seus espíritos de sorte que nada vêem”(oração subordinada relativa). No plano lingüístico, é impressionante o uso de particípios (característica dos Oráculos de Desgraça). É sinal de que aqueles profetas não profetizavam mentiras esporadicamente, mas o faziam constantemente. Eles estavam profetizando ou falando suas próprias opiniões!

A acusação de Ezequiel é que eles “são como raposas em lugares devastados”; agem como devoradores das desgraças alheias. A comparação é lúcida, visto que os Exilados haviam perdido as esperanças, restava aos falsos profetas prometerem o que não podiam. Diz Ezequiel que eles nada fizeram para reparar as condições que tinham resultados na queda e impiedade de Jerusalém, ou seja, eles “não tinham fortalecido a nação espiritualmente”(v. 5. Cf. 20. 29, 30). Eles não reprovaram pecados. Eles eram responsáveis por não prepararem o povo para a “batalha do dia do Senhor”, a invasão da Babilônia por Nabucodozor.

Associado ao comportamento em relação ao povo, os Falsos Profetas “viram vaidade (aw>v') e adivinhavam mentiras”. É interessante notar que Ezequiel utiliza a mesma palavra do Terceiro Mandamento. Isto enfatiza que os falsos profetas não temiam tomar o nome de Deus em vão. Prova isto o fato de andarem dizendo (~yrIm.ao)h') “O Senhor disse” quando o Senhor não havia dito nada. Furtavam as palavras do Senhor fazendo o povo esperar por um “cumprimento” que não viria (v. 6). Sabe o que é engraçado? É que os próprios falsos profetas acreditavam em suas palavras. Isto é notado no uso do particípio predicativo (os que dizem ou os dizedores) com a expressão rb")D" ~YEïq;l. Wlßx]yI)w> (e fazem que se espere o cumprimento da palavra). Semelhantes às raposas, estes profetas estavam pensando mais em seus bem-estar e interesses próprios. A acusação é recapitulada com uma pergunta retórica – Porventura não tens visão de vaidade, e não falam adivinhação mentirosa, quando andam dizendo etc – cuja resposta não podia ser outra: tivemos e temos!

A segunda parte da acusação encontra-se nos vv. 10 –12: “Porquanto, sim, porquanto andam enganando o meu povo, dizendo:”(v. 10). O profeta fez uma pausa nos vv. 8,9 para acrescentar acusação sobre os falsos profetas. Na verdade, Ezequiel diz qual era o pecado deles: “falsos ensinos” através do engano (lit. sedução - W[ôj.hi). A metáfora da construção usada por Ezequiel mostra como os falsos profetas enganavam o povo: “um construía e outro cobria” É como se um dissesse “paz, não havendo paz” e outro confirmasse a falsa profecia.”Os falsos profetas eram comparados a aqueles que construíam um muro inseguro e cobria seus defeitos” (v. 15, 16). O povo acreditava nas tolices dos falsos profetas!


O Anúncio da Desgraça ou Punição - Portanto assim diz o Senhor DEUS(hwIëhy> yn"ådoa] ‘rm;a' hKoÜ !keªl') : Como tendes falado vaidade, e visto a mentira, portanto eis que eu sou contra vós, diz o Senhor DEUS [...] Portanto assim diz o Senhor DEUS (hwIëhy> yn"ådoa] ‘rm;a' hKoÜ !keªl'): Fendê-la-ei no” (vv. 8 – 9; 13 - 16). A punição contra os falsos profetas é que eles têm a Deus por inimigo e terrível coisa é cair nas mãos do Deus Vivo. O Senhor é contra (~k,êylea]) eles. A “mão do Senhor” é contra os falsos profetas. A punição é mais severa por conta da “extirpação” deles da “congregação do meu povo”. Note a maneira poética e enfática do profeta: “na congregação do meu povo não estarão; e nos registros da Casa de Israel não serão registrados”(WbteêK'yI al{å ‘laer"f.yI-tyBe( bt'Ûk.biW Wy©h.yI-al{) yMiä[; dAsôB.)(Cf. Sl 1.5). No Reino de Deus não há espaço para os Falsos Profetas. Aqueles que proferem as palavras do Senhor sem por Ele ser enviado ficarão de fora da Cidade Santa porque são mentirosos; nos livros dos céus não constam seus nomes, mesmo que seus nomes constem nos rol da Terra!


A segunda parte do julgamento (vv. 13 – 16) é o clímax da ira de Deus. Note a linguagem de Ezequiel: furor, vento tempestuoso, chuva de inundar, ira, grandes pedras de saraiva, indignação, consumir. Todas do mesmo campo semântico veterotestamentário apocalíptico. Não há chance de arrependimento para os falsos profetas. Resta apenas uma horrível expectação de juízo. O verso 14 avança para dizer que a destruição não alcançaria apenas os falsos profetas, mas a todos que lhes deram ouvidos (Hk'êAtB.). O Senhor traria este julgamento para que os povos soubessem que Ele é o Senhor. Os fundamentos dos falsos profetas, os seus ensinos, seriam revelados como inúteis, construídos sobre areia que não resistiria a Tempestade do Senhor, a Rocha de Israel. E que isto seria assim, vê-se pela Assinatura do Senhor (hwI)hy> yn"ïdoa] ~auÞn>), por duas vezes (vv. 8, 16). A fórmula é muito mais uma confirmação.


APLICAÇÃO

A Profissionalização do Pastorado - Estima-se que cerca de 90 mil pessoas, no Brasil, exercem a função de pastor evangélico (Revista Cristianismo Hoje – 27/07/08). A Revista ainda denomina alguns de “pastores-animadores, pastores-empresários e pastores-CEOs dividem espaço com ministros à moda antiga, que investem o tempo em ensinar, ouvir e aconselhar o rebanho de Deus. [... ] Não por acaso, cursos de teologia proliferam no Brasil com tanta velocidade quanto as novas igrejas”.


Crise na Pregação ou falta de Pregadores? Clayton J. Schmit, professor de Pregação Fuller’s School of Theology afirma que o fato de termos tantos problemas hoje com Pregação é visto nos seguintes pontos:


a. Os pregadores esquecem que eles foram ensinados acerca da fidelidade na pregação”

b. Os pastores tornam-se tão ocupados que não consegue atender a obra da Pregação;

c. Muitos pregadores pensam que o que eles tem a dizer é mais relevante do que o que as Escrituras tem a dizer;

d. Os pregadores tratam o sermão como um evento da comunicação humana, mais do que uma proclamação viva da Palavra de Deus;

e. Os pregadores mudaram a promessa de Deus, tornando o sermão em discurso ético



Vocação ou Inaptidão? Acredito que é aqui que reside o grande problema. Ninguém pode pregar a palavra de Deus se para isto não foi enviado. Caso assim o faça, não passará de um usurpador do ofício de pregador; será um falso profeta. Não tenho dúvidas de que o que se ver hoje é isso: falsos mestres ensinando de seus próprios corações. Não se pode fazer do púlpito um lugar de ascensão ou de apresentar nossas idéias, por mais fantásticas que seja.



Postado por Gaspar de Souza

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