quinta-feira, 19 de março de 2009

TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA - UM ENSAIO

Não pretende-se, à exaustão, escrever uma história da Teologia Contemporânea. Mas, apresentar brevemente um panorama histórico dos antecendentes da Teologia do Século XX, com perspectivas à Teologia atual. Assim, tem-se por objetivo compreender alguns fatores dos antecedentes históricos–filosóficos que deram origens ao que chamamos de Teologias Contemporâneas.




Lutero, Zuínglio e Calvino
Por Teologia Contemporânea quer-se dizer da Teologia ou Teologias surgidas no início do século XX, precisamente em 1919, na Suíça, com Karl Barth e sua obra Der Römerbrief [Cartas aos Romanos – 1919](CONN, p. 4). Mas há um curso até chegar o motivo da publicação de Barth; deve-se compreender isto para poder se entender a Teologia do Século XX, ou seja, as Teologias que temos hoje são frutos colhidos de sementes plantadas antes de 1919. Possuem suas bases fundamentadas em Imannuel Kant, Hegel, Sorem Kickgaard, Friedrich Schleiermacher, Martin Heidegger, Friedrich Nietzche, Karl Marx e outros. É isto que buscaremos apresentar nesta primeira parte.
Da Reforma Religiosa do Século XVI até o período conhecido como Iluminismo abrange trezentos anos. Os Séculos XVI, XVII e XVIII foram o berço do pensamento moderno(BROWN, 1999, p. 31). Os Reformados (Lutero, Calvino e Zunglío) representam a fina flor do pensamento teológico sistematizado. Isto faz com que as obras dos Reformadores sejam tidas primeiramente como fontes para o estudo da fé cristã(MONDIN, 1980, p. 5, 6). Horden faz uma crítica ao fato dos Protestantes de hoje não conhecerem seus fundamentos. Diz ele: “Uma das fraquezas do Protestantismo nos dias atuais reside no fato de que é limitado o número de crentes que se inteira do conteúdo do que crê e das razoes por que crê. Trata-se de erro no qual os comunistas, por exemplo, geralmente não incidem. O Partido Comunista se emprenha tremendamente em adestrar os que se lhe tornam filiados. Nenhuma religião admitida parcialmente poderá subsistir diante da disciplina agressiva do Comunismo”(1979, p. 15).
A redescoberta de Deus na Reforma foi uma virada teológica, pois Deus deixa de ser objeto de especulação e do Credo e passa a ser visto com Aquele com que os homens podem se relacionar, que entrou na vida humana e fala através das Escrituras(BROWN, 1999, p. 31). Tal descoberta incentivou mais o interesse no mundo em geral como já havia iniciado na Renascença(XIV). O mundo passou a ser visto como Criação de Deus a qual deveria ser explorado, rejeitando, assim, a teologia natural. “Para muitos, isto significava que podiam parar de olhar para a natureza em busca de provas de uma realidade além dela; podiam estudá-la e apreciá-la por amor a si mesma como criação de Deus”(idem, p. 32).

O resultado desta nova investigação gerou novas perguntas filosóficas, principalmente aquelas voltadas para explicações naturais do universo criado. Cada vez mais os filósofos que surgiam tendiam ou ao Deísmo ou ao Ateísmo. Com um Universo tão natural “as pessoas vieram a pensar que a ciência poderia explicar tudo em termos de causas naturais”(idem, p. 32). Cada vez mais o Deus descoberto pelos Reformadores passava à margem do pensamento filosófico, sendo empurrado para fora, pois o homem estava cada vez mais racional.

Lutero havia rompido com a Teologia Escolástica da Idade Média, chegando a proferir sermões contra a Razão. Não a Razão per si, a quem Lutero chamava de “Prostituta do Diabo”. A crítica de Lutero era quanto ao fato de se depender totalmente de Aristóteles (filosofia aristotélica) para compreensão das Escrituras. Para ele “tudo devia ser examinado à luz da Palavra de Deus na Escritura (...) a filosofia fez com que a Bíblia fosse irrelevante, e a razão tomou para si o lugar da revelação”(idem, p. 33, 35). Lutero considerava que a Razão era útil para julgar e discernir os assuntos da sociedade e do governo, não podendo ultrapassar o nível “mundano”(GEORGE, 1993, p. 60). A Razão, para servir à fé precisava ser iluminada pelo Espírito Santo, ou seja, a mente devia ser cativa à Palavra de Deus: “A menos que eu seja condenado pelas Escrituras e pela razão simples, não posso e não irei me retratar”. Note, portanto, que Lutero critica a Razão autônoma, a que tira a primazia da Revelação. Assim conclui Brown: “A razão tinha seu legítimo lugar na ciência e nas questões de todos os dias. Tinha sua função verdadeira em entender e avaliar aquilo que era colocada diante dela. Mas não era o único critério da verdade”(idem, p. 35). Desta forma podia dizer Lutero: “É perigoso desejar investigar e aprender a pura divindade pela razão humana sem Cristo o mediador, conforme têm feito os sofistas e os monges, além de ensinarem os outros a fazer assim... A nós foi dado o Verbo encarnado, que foi colocado na manjedoura e pendurado no Madeiro. Este Verbo é a Sabedoria e o Filho do Pai, e Ele nos declarou qual é a vontade do Pai para conosco. Aquele que deixa este Filho, para seguir seus próprios pensamentos e especulações, é esmagado pela majestade de Deus”(idem, p. 35).

Zuíngliu também teve um passado ligado ao Humanismo Erasmiano. Os seu desenvolvimento intelectual treinado nas disciplinas humanistas o fazia aberto à filosofia e à razão(GEORGE, 1993, p. 112, 113). Mesmo assim, desejava ser guiado pelas Escrituras: “dirigido pela Palavra e pelo Espírito de Deus, vi a necessidade de deixar de lado todos esses [ensinamentos humanos] e aprender a doutrina de Deus diretamente de sua própria Palavra”. Sua formação nas Humanidades e inclinação ao racionalismo foi vista como um precursor da Teologia Liberal, mas é certo que não é assim, pois, fundamentava sua Teologia não apenas sobre o sola scriptura, mas também sobre o tota scriptura. A Escolásticas Tomista, fundamentada no Aristotelismo, também teve influência sobre Zuínglio. A Razão era tão forte em Zuíngliu que o mesmo aceitou a possibilidade de Pagãos serem eleitos e não pertencerem à Igreja Visível. Isto foi a conseqüência lógica de sua exposição da doutrina da eleição(idem, p. 124, 125). O único caminho de salvação estava em Cristo e “dependia da livre decisão de Deus para escolher quem ele deseja”. O mesmo pode ser dito de seu colóquio em torno da Ceia do Senhor, que, segundo Zuínglio, era apenas um memorial, discordando tanto de Roma como de Lutero. O certo é, a despeito disso, ver em Zuínglio um Reformador temente a Deus e que, à semelhança de Lutero, procurava ter sua mente cativa à Palavra de Deus.

Calvino, o Grande Reformador, teve uma abordagem mais sistemática na Teologia e no papel da Filosofia. Segundo Calvino, não obstante as provas escolásticas da existência de Deus, o homem possui a plena consciência de Deus. O subtítulo de um dos capítulos das Institutas (Livro I) é “A Mente Humana é naturalmente imbuída com o Conhecimento de Deus”. Mas a revelação de Deus, que o mostra como Criador e Redentor em Cristo, só é encontrada nas Escrituras. Em seus estudos no Collège de Montaigu, Calvino ocupou-se, antes de sua conversão, com os estudos humanistas. Timothy George diz que nesta escola, enquanto os amigos de Calvino se divertiam, ele “ocupava-se das minúcias da lógica nominalista ou das quaestiones da teologia escolástica”(idem, p. 170). Mesmo assim, Calvino repudiou o método escolástico de se fazer teologia(idem, p. 170) comparando-a a “um tipo de magia esotérica”. Nota-se, que semelhante a Lutero, que Calvino, mesmo sendo influenciado pelo Humanismo, busca formular a sua Teologia a partir das Escrituras. Não era a Filosofia o fundamento, mas a Teologia Bíblica[1]. Devia-se “Crer a fim de Entender”(credo ut intellego - Anselmo). Deus e Sua Palavra não eram questão apenas de demonstração lógica, mas de vivê-los.

Escolástica protestante: Aristotelismo

Melanchthon buscou corrigir a má impressão que havia na Filosofia Aristotélica admitindo que o erro estava nos editores e comentaristas. O Aristotelismo era indispensável para a Teologia tanto na metodologia como no conteúdo, segundo Melanchthon (MONDIN, 1980, p. 6). A Escolástica Protestante se deu no século XVII onde os teólogos protestantes sistematizam suas doutrinas e buscam defender a fé dos ataques dos teólogos romanos. “O impulso original se enfraquece ao se propagar; a paixão viva se petrifica em códigos e credos; a revelação torna-se lugar comum. E assim a religião que começou em visão termina em ortodoxia”(MACKINTOSH, 1964, p. 19). A atitude desta época é o rigor teológico e os amplos sistemas dogmáticos (idem, p. 19). As Escrituras passam a ser “texto-prova”(dicta probantia) das Doutrinas; passa-se a reconhecer “a aptidão da razão a conhecer Deus e receber a Revelação”(MONDIN, 1980, p. 7). A proposta é não deixar qualquer tema sem uma abordagem intelectual fundamentada na Teologia Natural.

Racionalismo (Filosofia), Iluminismo(Aufklärung)[2]

Dentro do Século XVIII surgiram movimentos que influenciaram o Século XX, tanto na Teologia como na Filosofia. Esses movimentos foram o Racionalismo, o Iluminismo e o Pietismo. O Racionalismo se relaciona com o Iluminismo, e deixou marcas profundas na Religião, na Filosofia e na Ciência(MACKINTOSH, 1964, p. 23).
O Racionalismo foi o movimento que surgiu já no Século XVII e que deu impulso e fundamentos para o Iluminismo(XVIII). Tinha como fundamento o fato de que a Razão era apta para julgar todas as coisas, visto que no universo havia racionalidade, isto é, uma mente racional(BROWN, 1999, p. 37). Isto já mostra que os primeiros Racionalistas do século XVII não eram tão ateus. Defendiam “o emprego certo da razão” para se examinar o mundo criado por Deus. Diz Colin Brown que eles “não eram homens sem religião”(1999, p. 38). William Horden confirma tal proposição ao apresentar a proposta de John Locke de não haver tolerância com os Ateus por estes se constituírem ameaças à estrutura da civilização ocidental(1979, p. 45). Havia espaço, pouco ou muito, para Deus em seus pensamentos, mas este espaço era apenas uma forma de aguçar a curiosidade deles pela “estrutura racional do universo”.

René Descartes (1596 - 1650), considerado “o pioneiro do Racionalismo”, defendia o uso da razão apenas na ciência e na metafísica, crendo que assuntos como a política e a religião não estivessem ao alcance da razão. Seu método de investigação através da dúvida deu origem ao “racionalismo cartesiano”. O princípio de Descartes era “nunca aceitar qualquer coisa como verdadeira a não ser que a conhecesse claramente com tal”. Sua principal obra foi Discurso do Método(1637). Seu método da dúvida o levou a questionar mesmo a existência do mundo, concedendo a possibilidade de que tudo na sua mente fossem apenas sonhos e ilusões. Para sua resposta ele lançou mão de três teses:


1) Poderia duvidar de tudo, menos de que estivesse duvidando. Isto o leva ao seu famoso cogito ergo sum(Penso, logo existo!);

2) Deus também existe. Isto Descartes o fez através dos argumentos causal e ontológico. Se a idéia do finito subentende a existência de um ser infinito, a idéia do ser Perfeito subentendia a existência Dele.

3) A realidade existe. Assim, Descartes entendia que, se Deus existe e é Perfeito ele não nos enganaria colocando idéias falsas em nossas mentes. O que se percebe em Descarte é um estabelecimento da consciência individual como o juízo final da verdade. Isto o contrasta com Lutero, cuja Razão estava cativa à Palavra de Deus.

Deve-se entender que o Racionalismo lançou a base para o Iluminismo. O Racionalismo Escolástico deu impulso ao Racionalismo Iluminista à medida que aquele colocava mais e mais a Razão como apta a julgar todas as coisas. Enquanto o primeiro preservou a autoridade da Revelação bíblica(MONDIN, 1980, p. 7) este submeteu a Revelação Bíblica também à Razão. Enquanto, por exemplo, o filósofo protestante Gottfried Wilhelm Leibniz (1646 – 1716) procurava estabelecer uma harmonização sistemática entre a fé e a razão, outros como em Baruch Spinoza (1633 – 77), ‘livre – pensador’, o Racionalismo obteve sua expressão exponencial sistematizada, sendo ele um “pioneiro na crítica bíblica”(BROWN, 1999, p. 40).

David Hume (1711 – 76) também levou ao extremo o pressuposto Racionalista, empregando “a razão até aos limites para demonstrar as limitações da razão”(idem, p. 48) . Publicou um livro que criticava a idéia de Milagres, dizendo ser impossível acontecer algum, pois, contradiziam as leis da natureza. Seu ataque à Religião veio através de sua The Natural History of Religion discursando sobre a “origem evolucionária da religião”. Para ele, os atributos dos deuses e deusas do passado foram unidos para formar uma só divindade. Deus foi ficando cada vez mais à margem dos discursos. O Racionalismo deu origem aos Deístas que acreditavam que Deus apenas tratava este mundo como um proprietário. Ora, se tudo era possível explicar através da Razão, por meio das Causas Naturais, implicava que Deus não mais interferia neste Mundo. Então pergunta-se: Para que Deus e para que a Religião? Eis o ápice do Racionalismo, o Iluminismo.

O Iluminismo foi “um movimento intelectual durante o século dezoito que elevou a Razão humana próxima do status divino e atribuiu a esta a capacidade de discernir verdades de todos os tipos sem apelar para a Revelação divina sobrenatural”(SAWYER, 1998, p. 2). Os alemães a chamam de Aufklärung e este período é conhecido como “A Época das Luzes” pelo fato de sair do obscurantismo da Idade Média tendo sua “linha filosófica caracterizada pelo empenho em estender a razão como crítica e guia a todos os campos da experiência humana” (ABBAGNANO, 1998, p. 535). Na realidade, o Iluminismo foi “as Luzes que trouxeram as trevas”(SOUZA, 2002, p. 4), pois saiu-se do Obscurantismo Religiosos e entrou no Obscurantismo Científico. O Iluminismo compreende três aspectos diferentes e conexões(ABBAGNANO, 1998, p 535):
1) Estender-se a criticar toda forma de crença e conhecimento, sem exceção;
2) Organizar instrumentos para a correção do conhecimento; e
3) O usar permanentemente estes princípios a todos os campos do conhecimento, objetivando o melhoramento da vida privada e social dos homens.
James Sawyer faz os seguintes comentários sobre o Iluminismo: “O Iluminismo deu origem a muito do que ainda vemos hoje como parte da mente moderna. Estes aspectos incluem:
1) O inicio da história cientifica;

2) Cada verdade deve justificar a si mesma no tribunal da razão;
3) A natureza é a fonte principal de resposta para a questão fundamental da existência humana;
4) A liberdade[NT - de pensamento] é indispensável para o avanço do progresso e o bem- estar social do homem;
5) Os criticismos literário e histórico são indispensáveis para determinar a legitimidade de nossa herança histórica;
6) A necessidade pela filosofia crítica;
7) A Ética como separada e independente da autoridade da religião e da Teologia;
8) Dúvida e hostilidade a toda verdade que reivindique pretexto, em qualquer assunto, de autoridade, exceto a razão, e.g. tradição ou revelação divina;
9) Elevar o valor da ciência como o principal meio pela qual o homem pode encontrar a verdade;
10) Tolerância com os principais valores em matéria de religião”(1998, p. 2).
Com estas proposições o homem viu a possibilidade de, por si só e por sua razão, encontrar a verdade. Não é por acaso que o Iluminismo tem sido nomeado de Paganismo Moderno(idem, p. 2). (continua...)
Gaspar de Souza

[1] Uso este termo para expressar o Sola Scriptura
[2] No próximo capítulo abordaremos os Representantes Filosóficos e Teológicos que influenciaram a Teologia Contemporânea. Por ora é apenas uma explanação breve dos mesmos.

6 comentários:

Anônimo disse...

Para quem, como eu, se interessa pelo assunto, o texto é um excelente percurso introdutório.
Valeu Gaspar, e aguardo a segunda parte.
Gerson.

Jorge Pereira disse...

Parabéns Gaspar, pelo ótimo ensaio sobre este artigo.

Gaspar de Souza disse...

Olá, Gérson. Fico feliz em saber que este singelo artigo tenha tido o teu interesse. Conto com a colaboração do irmão em comentar, propor ideias, escrever, divulgar, enfim, de dinamizar o blog. Ele também é teu.
Aguarde a segunda parte. Na próxima semana, querendo Deus, postarei.
Forte abraço.

Jorge, muitíssimo obrigado pelo elogio. Espero contar contigo para, juntos, divulgarmos a Fé Cristã e Reformada, a fim de lutarmos contra a degradação moral de nossa sociedade.

Forte abraço.

Gaspar de Souza

Anônimo disse...

Esse binômio filosofia x teologia é muito interessante. Gostai bastante do artigo...tudo de bom!
PResb.Fábio

Danilo Sergio Pallar Lemos disse...

Excelente ensaio na area da Teologia conteporânea. Acesse meu blog.

Sera uma referencia o seu blog para milhares.
www.vivendoteologia.blogspot.com

Anônimo disse...

Valeu, meu mestre!...
Era esse assunto que eu estava procurando.

Antonio Moura - STPN