sexta-feira, 27 de março de 2009

REPRESENTANTES TEOLÓGICOS ATÉ 1919

Em post anterior vimos um esboço panorâmico dos movimentos que influenciram a Teologia do Século XX. Neste breve novo post veremos os alguns dos principais representantes do Racionalismo e do Iluminismo que influenciaram direta ou indiretamente a Teologia do Século XX.

Lembremos que muitos eram filósofos e teólogos. As grandes doutrinas do Cristianismo passaram a ser avaliadas pela Razão. O surgimento do criticismo bíblico e de novos conceitos sobre Deus e Cristianismo foram resultados deste período. Citemos alguns dos que influenciaram a Teologia do Século XX.


Pedro Bayle(1647-1705), professor em Roterdam, influenciado por Descartes, publica a sua principal obra Dictionaire Historique et Critique (Dicionário Histórico-Crítico, 1696/7). Todas as doutrinas da fé são postas a severas críticas nesta obra. Bayle tenta conciliar as doutrinas da fé com a ciência, mas demonstra a irreconciliabidade de ambas. “Dogmas como o da Trindade, o da presença de Cristo na Eucaristia, o pecado original, etc., não são compreensíveis pela razão, nem tampouco, ‘ultra-racionais’, mas simplesmente anti-racionais”(MESSER, S.d., p. 257) “Quem pretenda inventar uma religião filosófica” dizia Bayle, “elimine dela todas as doutrinas difíceis de compreender; mas, então, não alimente a vã ilusão de que a multidão o siga.”(idem, p. 257).

Baruch Spinoza(1632-1677) foi o pioneiro da “Crítica Bíblica”. Em seu Tratactus Theologico-Politicus, “defende a liberdade de pensamento e o direito de criticar livremente a Bíblia.”(idem, 259) Ali ele ousadamente combate a data aceita do Pentateuco, atribuído a Moisés, e atribui a origem a Esdras ou algum outro escritor posterior, alegando a diferença pronominal entre a 3.ª pessoa (ele) e a 1.ª pessoa (eu), bem como o registro da morte de Moisés em Deuteronômio 34(ARCHER, 2000, p. 465). Nas palavras de Hague: “Spinoza foi realmente o mentor do movimento”.


Joham Semler(1725 – 91), foi um dos primeiros críticos bíblicos a aplicar o “método crítico da pesquisa histórica à Escritura”(HAGGLUND, 1981, p. 302) e sugere que o Novo Testamento foi editado por escribas antigos e não copiado por alguns dos Apóstolos. Semler acreditava que o capítulo nove da segunda epistola aos Coríntios foi inserida por escribas e não era da pena paulina; também alegou que o capítulo dezesseis de Romanos foi originalmente uma carta aos Coríntios, mas foi posta ali por engano (HILL, 1956, p. 53). Semler admitia que os ensinos de Jesus e dos Apóstolos eram meramente de valor local e temporal. Pode-se perceber que a maioria das abordagens feita pelos críticos do Novo Testamento é de tendência racionalista com a aplicação do método histórico-crítico. Negando-se os milagres e a historicidade do Cristo da Bíblia busca-se o “Jesus Histórico”, pois o “Jesus da fé” é fruto de uma comunidade criativa.


Mas ninguém influenciou tanto como Immanuel Kant (1724 – 1804) cujo lema “Sapere Aude!”(Ouse Pensar!) veio a ser o lema do Iluminismo e Kant reconhecido como “o príncipe do Iluminismo”(CONN, S.d., p. 9). Para ele o Iluminismo era a chegada o homem a maioridade(ELWELL, 1990, vol. II, p.306), pois livra-o da imaturidade que o faz confiar nas autoridades externas, tais como a Bíblia, a Igreja e o Estado para ditar-lhes as normas do pensar(idem, p. 306). “Nenhuma geração devia estar presa aos credos e costumes das eras do passado”, dizia Kant(KANT, apud ELWELL, p. 306). Considerava o Cristianismo como um modo de ensinar ética para os que não tinham sofisticação filosófica. Sendo assim, Jesus nada mais era do que um mestre que ensinava uma nova filosofia, cuja vida podia ser seguida. Sua obra Crítica da Razão Pura revela a influência de David Hume (CONN, S.d., p. 12) sob Kant “na qual procurara propor uma abordagem iluminista ao conhecimento humano”(BROWN, 1999, p. 62). É estranho Kant ser o último filósofo do Iluminismo se, com esta obra, ele procura também, destruir o excesso de confiança do programa Iluminista de buscar todo conhecimento através do uso da Razão (SAWYER, 1998, p. 3). Apesar de não ser ateu (idem, p. 3), Kant “investiu contra as chamadas ‘provas da existência de Deus’”(HORDEN, 1979, p. 45). Isto porque, segundo ele, a Razão não podia certificar-se da existência de Deus, o que era possível apenas através da conduta moral(idem, p. 45; SAWYER, 1998, p.3).

Os dois "Mundos" de Kant: Kant dividiu o mundo em o mundo dos fenômenos, percebido pela Razão através dos cinco sentidos e o mundo dos noumenos, o mundo de Deus, da liberdade e imortalidade, onde a Razão não pode perceber, “mas que devem ocupar um lugar na vida como se fossem objetos reais ao alcance da Razão”(CONN, S.d., p. 12). Assim, Deus é aprisionado em um muro a provas de sons. A idéia de Deus passa a ser apenas uma necessidade do homem aplicável à ética, pois, Deus não pode mais ser conhecido. Tal posição Kantiana foi chamada de “Revolução Copernicana de Kant”. O seu tema de um Deus que não é conhecido pela Razão ou Sentidos, mas apenas idealisticamente é primordial para a Teologia Contemporânea, pois é um dos pilares da mesma. O que ele nos diz é que nós não podemos conhecer as coisas como elas são em si, mas apenas suas aparências em nossa experiência humana. Sua filosofia é chamada, portanto, de Idealismo Transcendental.

Friedrich D. E. Schleiermacher(1768 – 1834) é “considerado o pai do protestantismo liberal”(MONDIN, 1980, p. 9) e o “pai da Moderna Teologia Liberal”(SAWYER, 1998, p. 5). Foi o primeiro a elabora uma teologia a partir dos pressupostos kantianos. Sua abordagem é conhecida como Idealismo Romantismo e surge contra a aridez do Racionalismo do século XVIII.
Schleiermacher foi educado no Pietismo dos Irmãos Morávios. Era piedoso e, devido à influência pietista, desenvolveu um forte sentimento religioso. Foi enquanto estudava em Herrnhut[1](Abrigo do Senhor), Schleiermacher leu a crítica aos protestantes ortodoxos feito pelos Neólogos(SAWYER, 1998, p. 5). Schleiermacher ficou impressionado com os argumentos racionalistas usados pelos Neólogos e abandonou os Moravianos aos 19 anos de idade(HAGGLUND, 1981, p. 307). Foi para Halle, centro do ensino Neologista. Embora aceite a crítica Neologista ao luteranismo, Schleiermacher rejeitou o racionalismo dos Neólogos. Por este tempo Schleiermacher é arrastado para dentro do movimento Romantista que surgia como reação ao Racionalismo crítico e cético do séc. XVIII (SAWYER, 1998, p. 5). Com mais esta filosofia em seu “currículo” Schleiermacher desenvolve a sua teologia em cima de três premissas:


1. A crítica Iluminista tem validade para os dogmas do protestantismo ortodoxo;

2. A filosofia do Idealismo Romântico oferece uma melhor qualidade de fé cristã do que a moral superficial do racionalismo iluminista;

3. A teologia cristã pode ser interpretada em termos do Idealismo Romântico e assim possibilitar ao gênero humano ser os dois: Cristão e moderno enquanto estar sendo intelectualmente honesto.(idem, p. 5)

Schleiermacher encontrou uma nova base para a religião e a teologia – o Sentimento. Este Sentimento (Intuição) não deve ser confundido como mera emoção, mas um profundo sentido interno que faz com que o homem exista em uma relação de absoluta dependência de Deus.(idem, p.5). August Messer discorrendo sobre a filosofia da religião em Schleiermacher diz:


O sentimento religioso fundamental consiste em todo o finito nos parecer expressão do infinito, e em nos sentirmos absolutamente dependentes nos nossos atos, em toda a nossa vida, desse fundo absoluto (incognoscível) do mundo. No conhecimento, vamos de percepção em percepção, de pensamento em pensamento; na conduta, vamos de tarefa em tarefa; mas no sentimento ‘piedoso’ comportamo-nos passivamente, descansamos, por assim dizer, da agitação incansável da vida. Por isso o sentimento não é humilhante, mas animador(MESSER, S.d., p. 456, 457).
Esta experiência descrita por Schleiermacher é superior aos dogmas, doutrinas, que nada mais são “que a expressão simbólica de sentimentos íntimos que não podem exprimir-se, inteiramente, pela palavra, mas constituem o essencial de toda religião.”(idem, p. 457).


Constituem, assim, a autoridade final na religião. O que Schleiermacher quer atingir com isto? Aquilo que era tido como autoridade final em matéria de fé: As Escrituras. Veja o que ele escreveu em sua obra Monólogos: “não é religioso aquele que crê numa sagrada escritura, mas que não precisa de nenhuma, e inclusive podia fazer uma ele próprio” (SCHLEIERMACHER apud MESSER, S.d., 458). Observe que o que constitui, portanto, a essência da religião é o Sentimento, tornando-se ela a fonte da verdade, superior aos credos da religião.




George F. W. Hegel (1770 – 1831), contemporâneo de Kant e de Schleiermacher, faz críticas tanto a um quanto ao outro, buscando reconduzir a Religião aos limites da Razão. Hegel é o filósofo da História e da religião propondo que “tudo da realidade é a realização do trabalho de Espírito / Mente (Geist)”(SAWYER, 1998, p. 4). A isto Hegel chama de Objetificação do Espírito.


Esse Espírito não é nada pessoal, mas expressão do conflito dialético entre um período (Tese) com outro período (Antítese) gerando uma nova era (Síntese). Diz Brown que “Hegel via em tudo a Dialética do Espírito”(1999, p. 85). Ora, se há um processo histórico dinâmico e os seres humanos são partes deste processo, sugere que a Síntese seja melhor do que as duas anteriores.


O processo evolutivo aponta para um aperfeiçoamento do homem. A isto chama-se “Otimismo Hegeliano”, gerando “autoconfiança” no próprio homem. O slogan do Otimismo Hegeliano era: “cada dia em cada maneira nós estamos nos tornando melhores e melhores”(SAWYER, 1998, p. 4). Qual o efeito disto na Religião? O Homem não precisa de Deus, Dogmas, pois, se há “uma Mente” processando a História, então, a Religião é apenas símbolo, Jesus torna-se apenas um bom moralista que progrediu. Ou seja, o Hegelianismo leva a secularização (MONDIN, 1980, p. 10).


A Filosofia Hegeliana influenciou muitos após a morte de Hegel. Entre os Hegelianos podemos destacar:

David Straus (1808 – 74), com a publicação de seu famoso trabalho A Vida de Jesus (1835), claramente influenciado pelo ceticismo racionalista, “insiste que as narrativas de milagres, são simplesmente mitos. Eles eram expressões fixas das idéias religiosas, nas quais tinham sido despertados nas mentes dos antigos cristãos pelo impacto da vida de Jesus”. Tal conceito era a “forma de superar o impasse entre a abordagem supernaturalista e a racionalista de compreender a vida de Jesus”(GRENZ & OLSON, 2003, p. 39). Isto era o “mito evangélico”.


Outro influenciado por Hegel foi Ludwig Feuerbach (1804 – 1872), “discípulo de Hegel em Berlin”(MACKINTOSH, 1964, p. 115) o qual procura demolir toda religião, principalmente a idéia de Deus, acreditando que todo discurso sobre Deus é, na verdade, um discurso antropológico. Ou seja, “o homem não é produto de Deus, mas sim Deus um produto do homem”(MONDIN, 1980, p. 10). Não é à toa que Friedrich Nietzsche (1844 – 1900) pôde exclamar: “Deus está morto”.

Karl Marx(1818 – 1883) também sofreu a influência de Hegel elaborando sua filosofia conhecida como Materialismo Dialético entendendo a História como luta de classes(Manifesto Comunista). A síntese esperada pelo Comunismo Marxista, e, diga-se de passagem, de todos os Comunismo, é a “abolição de todas as propriedades e terras, a centralização do crédito, das comunicações, da indústria, da agricultura e da educação”(BROWN, 1999, p. 93).

Sören Aabye Kierkegaard (1813-1855) é considerado por muitos o “maior pensador cristão do século XIX”(MACKINTOSH, 1964, p. 198). Ficou conhecido por sua filosofia Existencialista. A sua filosofia surge contra o hegelianismo(MONDIN, 1980, p.12) e os pensamentos abstratos da religião e da filosofia (HORDEN, 1979, p. 124). A principal pressuposição de Kierkegaard é a subjetividade (MACKINTOSH, 1964, p. 203). Tem como proposta a crítica ao áspero racionalismo filosófico e teológico. Com respeito a Deus, Kierkegaard diz que só podemos compreende-lo através da nossa existência. Deus não pode ser tomado como objeto acessível ao homem, pois Ele é infinito e nós finitos; Ele não é objeto, é sujeito(HORDEN, 1979, P. 124). Mas, então, como ter acesso a Deus? Através do “Salto da Fé”. Não há preocupação com o Racional, pelo contrário, “a fé e a razão são opostos mutuamente exclusivos”(BROWN, 1999, p. 90). É exatamente porque Deus se revela a nós desafiando a nossa razão que encontramos a solução para os “paradoxos[2] na fé”. Isto significa que “a crença deve ser proporcionada na proporção inversa à evidência. Quanto menos evidência, tanto melhor”(idem, p. 90). Para Kierkegaard, a fé é um risco, pois “sem risco não há fé e quanto maior o risco tanto maior a fé”(KIERKEGAARD apud MONDIN, 1980, p. 12). O ataque aos dogmas é sutil, pois, sendo proposicional e objetivo podem apelar a ratio, mas não tem “paixão”. A verdade torna-se, então, apenas questão de existência. A filosofia kierkegaardiana enfatiza a dicotomia Fé x Razão, onde a primeira (Universais) é alcançada pela Existência e a segunda (Particulares) resulta no pessimismo!



Albrecht Ritschl (1822 – 1899) afirmava que “Cristianismo é o monoteísmo, religião completamente espiritual e ética, na qual, sobre a base da vida de seu fundador como redentor e fundador do Reino de Deus, consiste na liberdade dos filhos de Deus, abrange o estímulo padrão que motiva a razão de viver, o plano pela qual é a organização moral do gênero humano, e a relação filial para Deus tanto quanto no Reino de Deus.(RITSCHL apud SAWYER, 1998, p. 6). Com esta assertiva Ritschl reduz “a fé cristã a um puro empenho moral”(MONDIN, 1980, p. 14).



Adolf von Harnack (1851 – 1930) foi considerado um dos maiores historiadores do Cristianismo (MONDIN, 1980, p. 11, 12). Sua obra História dos Dogmas “tem sido a obra definitiva sobre o assunto desde sua publicação”(SAWYER, 1998, p. 9). Considerava o método histórico–crítico como a ferramenta para se investigar o Cristianismo e considerava não haver interpretação séria das Escrituras Sagrada e da Tradição fora da interpretação científica. Por esse caminho Harnack, à semelhança de Strauss e Ritschl, eliminou todo caráter sobrenatural de Jesus bem como de Seus milagres. Os Dogmas foram frutos da helenização do cristianismo ao passo que “os milagres seriam produto da mentalidade mágica e supersticiosa dos primeiros discípulos”(MONDIN, 1980, p. 12).
O acima exposto foi o cenário montado para o Século XX. As Teologias do Século XX surgiram fundamentadas nos pressupostos acima. Desde Schleiermacher até 1919 foi caracterizado o período conhecido como “Protestantismo Liberal” devido ser a maioria destes pensadores ligados ao Protestantismo. O resultado foi o Liberalismo Teológico no início do Século XX e será visto num próximo post.

[1] Acampamento Moraviano cedido pelo Conde de Zinzerdoff para o estabelecimento dos luteranos.

[2] palavra usada pelo próprio Kierkegaard para expressar os opostos aparentemente contraditórios: Eternidade de Deus X finitude do Homem; Santidade Divina X pecaminosidade humana.

Postado por Gaspar de Souza(autorizado a reprodução, desde que citada a fonte)

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom Gaspar, seu texto sobre esses filósofos e teólogos que compõem a base do existencialismo e liberalismo.
Espero que o seu texto (sobre liberalismo) seja tão bom quanto esse que nos concede uma "visão panorâmica" dos movimentos.


Três pequenas correções:
1) Na 9ª linha (Kant): 'sobre Kant' em vez de 'sob Kant';
2) Na 5ª linha (Kierkegaard): 'compreendê-lo' em vez de 'compreende-lo'.
3)??? Esqueci!!! rsrsrsrs

geraldo b.