James N. Anderson[1]
Traduzido por
Gaspar de Souza
Recentemente ouvi o bate-papo
sobre Molinismo e Calvinismo entre William Lane Craig e Paul Helm no
programa de rádio Unbelievable?
de Justin Brierley. Foi mais uma conversa que um debate, mas ainda assim vale a
pena ouvir. Nesta postagem eu quero expandir um ponto levantado por Helm, mas não
desenvolvido por ele. Primeiro eu resumirei os principais dogmas do Molinismo
antes de discutir o que eu considero ser uma séria objeção a ele (seja paciente
– a primeira metade desta postagem é apenas a armadilha).
Molinismo
é uma teoria filosófica planejada para reconciliar uma forte visão da
providência divina (segundo a qual Deus preordena todas as coisas) com uma visão
libertária
do livre-arbítrio e uma visão sinergista da salvação (segundo a qual não é causada
por Deus para qualquer arrependimento e crença; ao invés, os pecadores cooperaram
livremente com a graça resistível de Deus a fim de serem salvos). De acordo com
o Molinismo, Deus é capaz de, providencialmente, dirigir eventos por meio de
seu conhecimento médio,
isto é, seu conhecimento do que qualquer criatura libertariana-livre escolheria
em qualquer circunstância específica. Por exemplo, Deus sabia de antemão antes
do tempo de sua decisão de criar este mundo que eu livremente escolheria um
Boston Kreme se eu fosse ao Dukin’ Donuts na noite de 19 de fevereiro de 2014
em tais e tais circunstâncias exatas. Deus, então, é capaz de planejar eventos
do primeiro ao último em muitos detalhes por pré-arranjar as circunstâncias
precisas nas quais suas criaturas se encontrariam e fariam suas escolhas
livres. Deus não causou as escolhas, ele apenas garantiu-lhes em algum forte
sentido por orquestrar as circunstâncias à luz de seu conhecimento médio.
Molinista estão, portanto, comprometidos com três afirmações principais.
Primeiro, Deus preordenou todas as
coisas, incluindo as livres escolhas de suas criaturas. Craig foi bastante enfático
sobre isso durante a conversa com Helm. Ele declarou que Deus ‘preordenou’
todas as coisas e ironizou que ele poderia afirmar quase tudo que a Confissão
de Fé de Westminster diz sobre o Decreto eterno de Deus e a Providência de Deus – à parte
da rejeição deliberada confissão do Molinismo (no a cláusula final em CFW 3.2)
A razão de Molinistas tais como o Craig quererem afirmar isto é porque
eles reconhecem que a Bíblia tem uma forte visão da providência (e.g Gen. 50:20; Matt. 10:29-30; Acts 4:27-28; Rom. 8:28; Eph. 1:11). E eles
devem ser elogiados por reconhecerem isso (embora, como explicarei em breve, a visão
bíblica é mesmo mais forte do que eles pensam).
Em segundo lugar, por afirmar uma visão libertária do livre-arbítrio, os
Molinistas estão comprometidos com ideia de que se uma pessoa S escolhe livremente A em uma circunstância específica C,
então deve ser possível para S não ter escolhido A. Pode ser mais provável
(talvez até esmagadoramente assim) que S escolherá A sobre não-A, mas não deve
ser possível para S ter escolhido de outra forma. (Aqui estou sem levar
em conta a distinção que alguns libertários fazem entre escolhas derivativas e
não-derivativamente livres. No que se segue, para simplificar, vou ignorar as
escolhas derivativamente livres. Não penso que a distinção afete meu argumento).
Molinistas, então,
estão comprometidos com o seguinte:
(1)
Se S escolhe livremente A em C, então
é possível para S não escolher A em C.
Ou, colocando a questão
em termos de mundos possíveis:
(1’) Se S escolhe livremente A em C, então existe ao menos um mundo possível
no qual S não escolhe A.
Observe que nessa demonstração, C aqui deveria ser entendido como, de
fato, a história inteira do universo até o momento da escolha de S. O
ponto é que a escolha de S não é determinada (ou, pelo menos causadamente
determinada) por qualquer evento anterior ou estados do universo (incluindo o caráter
de S, experiências passadas, memórias, crenças, desejos etc)
Em terceiro lugar, o Molinista afirma que Deus tem conhecimento médio, isto é, conhecimento dos contrafactuais
da liberdade (por falta de um nome melhor). Deus, então, sabe, antes de sua
decisão de criar um mundo particular, verdades condicionais subjuntivas como a
que se segue:
(2) Se S estivesse em C, S
livremente escolheria A.
Este é o conhecimento, afirma o Molinista, que permite a Deus preordenar
os eventos. Desde que Deus conhece o que cada possível criatura escolheria
livremente em cada possível circunstância, consequentemente ele pode planejar. Ele
pode saber de antemão como as coisas iriam se ele fosse para criar
determinadas pessoas e arranjá-las para fazerem suas escolhas em circunstâncias
particulares.
Isso significa que Deus não pode atualizar qualquer mundo possível. Molinistas
como Craig farão distinção entre mundos possíveis e mundos factíveis.[2] Todos
os mundos factíveis são mundos possíveis, mas nem todos os mundos possíveis são
mundos factíveis. Um mundo factível é um mundo possível que Deus pode
atualizar com base em seu conhecimento médio: seu conhecimento de verdades como
(2). Ele pode “atualizar fracamente” qualquer desses mundos factíveis por “atualizar
fortemente” aqueles elementos do mundo sob seu controle causal, a saber, cujas
criaturas existem e em cujas circunstâncias elas se encontram. Por seu
conhecimento médio, Deus conhece quais mundos possíveis são mundos factíveis, e
ele decide (com base em certos critérios) quais dos mundos factíveis
(fracamente) atualizar. E esta é a visão Molinista da divina preordenação.
Deveria ser observado que o Molinista não é sempre claro sobre o que conta
como circunstâncias em verdades como (2). As circunstâncias incluem o decreto
de Deus ou a presciência de Deus, por exemplo? Felizmente, nós não precisamos
resolver essa questão aqui, tão logo reconheçamos isso, o que quer que esteja incluído
em C em (2) também deve ser incluído em C em (1) e (1’)
[Addendum: Greg Welty assinalou o que eu coloquei acima. Vejam abaixo
seus comentários e minhas respostas. Em suma, não importa como as circunstâncias
são definidas, mas eu penso que o Molinista enfrenta sérios problemas de
qualquer maneira]
Bem, tanto para o contexto,
a questão que eu quero colocar é simplesmente esta:
Deus é infalível na visão Molinista?
Eu suspeito que muitos seriam inclinados a responder sim. Face a
essa situação, esperaríamos Deus ser infalível. “Deus falível” dificilmente soa
bem! Mais significantemente, a Bíblia ensina explicitamente que os planos de
Deus não podem falhar. Os propósitos de Deus sempre serão cumpridos.
“Então Jó respondeu ao Senhor, dizendo: ‘Eu sei que tu podes fazer todas
as coisas, e que nenhum dos teus propósitos pode ser frustrado’”(Jó 42.1, 2)
“Muitos são os planos na mente de um homem, mas é o propósito do Senhor
que prevalecerá”(Prov. 19.21)
“O SENHOR dos Exércitos jurou: Como pensei, assim se cumprirá; como
determinei, assim acontecerá[...]O SENHOR dos Exércitos determinou isso! Quem o
invalidará? A sua mão está estendida! Quem a fará recuar?”(Is. 14.24, 27)
“Lembrai-vos disso e considerai; trazei-o à memória, ó transgressores. Lembrai-vos
das coisas passadas desde a antiguidade: Que eu sou Deus, e não há outro; eu
sou Deus, e não há outro semelhante a mim. Sou eu que anuncio o fim desde o princípio, e
desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; sou eu que digo: O meu
conselho subsistirá, e realizarei toda a minha vontade, chamando do oriente uma ave de rapina, e de
uma nação distante, o homem do meu conselho; sim, eu disse e cumprirei essas
coisas. Estabeleci
esse propósito e também o executarei.(Is 46.8 – 11)
“Porque, assim como a chuva e a neve
descem dos céus e não voltam para lá, mas regam a terra e a fazem produzir e
brotar, para que dê semente ao semeador e pão ao que come, assim será a palavra
que sair da minha boca; não voltará para mim vazia, mas fará o que me agrada e
cumprirá com êxito o propósito da sua missão”.(Is 55.10, 11)
Claro, o Molinista
está familiarizado com esses textos. A forte visão da providência divina
expressa na Escritura é uma das razões que favorece o Molinismo sobre outras posições
que compartilham um compromisso com o livre-arbítrio libertário.
Todavia, deveria estar claro a partir o exposto acima que, de acordo com
a posição Molinista existem mundos
possíveis nos quais os planos de Deus falham. Porque o Molinista está
comprometido em afirmar que, embora Deus conheça que S escolheria A em
C, e ele não atualiza C porque ele planeja para S escolher A, não deixa de
ser possível para S não escolher A em C (Craig claramente afirma este
ponto várias vezes em sua conversa com Helm). Em outras palavras, existem
mundos possíveis nos quais Deus atualiza C de modo que S escolherá A, mas S não
escolhe A. Existem mundos possíveis nos quais o decreto eterno de Deus não
acontecerá, porque agentes livre-libertários farão outra coisa do que ele tinha
planejado.
A conclusão é esta: com base na
posição Molinista existem alguns mundos possíveis nos quais Deus é falível.
De fato, existem muitos, mas muitos de tais mundos. Qualquer mundo em que o
plano de Deus falhe é um mundo no qual Deus é falível. Parece-me que esta conclusão
é construída sobre o sistema molinista.
Então, o que um Molinista poderia dizer em sua resposta? Uma resposta
seria a de dizer que Deus não é necessariamente infalível: ele não é
infalível em todo mundo possível, mas ele é infalível neste mundo (pelo
menos). Deus é contingentemente infalível.
Mas eu penso que existem diversos problemas sérios com esta resposta. Em
primeiro lugar, a própria noção de “infalibilidade
contingente” é logicamente suspeita. Diante disso, infalibilidade seria um
conceito modal. Ela diz respeito à falha possível, não simplesmente
a falha real. Infalível não significa não falível, e falível
significa capaz de falhar. Se uma pessoa é falível, não o é porque ele tem
falhado ou porque ele falhará mas porque ele poderia falhar. Afinal, não há nada logicamente
inconsistente em dizer que S é falível, mas S não falhou (ou falharia) realmente.
O que seria inconsistente de maneira direta seria dizer que S é falível, mas S não
pode falhar.
Portanto, não poderíamos descrever alguém como infalível simplesmente
porque ele realmente tem sucesso em todos os casos, mesmo que ele possa
ter falhado em algum ponto. Infalibilidade, certamente, exige que alguém não
pode falhar, mesmo em princípio. Então,
não é claro que a noção de “infalibilidade contingente” é mesmo coerente.
Se eu estou certo sobre isso, então o Molinista não deveria dizer que
Deus é infalível. Pois, se Deus não é infalível em todo mundo possível,
então ele não infalível em qualquer mundo possível, incluindo o mundo
atual. (Eu observo, para registro, que este argumento pressupõe alguns
princípios modais amplamente-controlados que eu não estou a defender aqui,
precisamente porque eles são amplamente controlados!).
Em Segundo lugar, esses mundos
com falhas-divinas apresentam um
problema para o Molinista que está comprometido com o ser perfeito da teologia(que
é maioria, penso). Se Deus é apenas contingentemente infalível, segue-se que
Deus não possui máxima grandeza: pois um ser que é necessariamente
infalível é maior que um ser que é contingentemente infalível. Um ser
que é infalível em todos os mundos possíveis é maior que um ser que é
infalível em apenas alguns mundos possíveis. (É digno de nota que Alvin Plantinga,
que introduziu a noção de grandeza máxima em sua defesa do Argumento Ontológico,
é um dos mais proeminentes advogados do Molinismo).
A única saída desta situação para o Molinista, tanto quanto eu posso ver,
é tomar a rota que eu sugeri acima: abandonar a tese de que Deus é infalível
(neste mundo ou em qualquer outro mundo possível).
Parece-me que de tudo isso expõe uma tensão não resolvida no coração do Molinismo. Quando fazemos a pergunta
“Os humanos podem frustrar os planos de Deus?”, o Molinista é colocado em duas direções.
Por um lado, ele desejará responder não. Afinal, Deus preordenou
todas as coisas! Deus tem um decreto eterno. É inconcebível para o
Molinista que o decreto de Deus fracassasse.
Mas, ao mesmo tempo, o Molinista também deve responder sim, por
causa de seu comprometimento com o liver-arbítrio libertário. Ele quer afirmar
(como Craig explicitamente o faz) que, embora S escolheria A em C (e, de
fato, irá escolher A se Deus o decretou), e, no entanto, é possível para
S não escolher A em C – e, assim, realmente é possível para S agir
contrário aos planos de Deus.
Em suma, o
Molinista quer ter o melhor de dois mundos.
Outro modo de ver o problema é perguntar se os mundos não-factíveis
realmente são possíveis. Suponha que, de todos os mundos factíveis que ele
considerou, Deus opte pelo mundo X. Não
parece coerente imaginar Deus pensando: “Eu vou atualizar X um pouco
(fracamente) – este é o meu decreto – mas eu sei que há uma possibilidade real
de que vou terminar com outro mundo, por causa da possibilidade real que
agentes livres-libertários agirão de outro modo que eu tenho planejado”. Mas,
se isso não é coerente, em que sentido esses mundos são mundos realmente possíveis?
Como se percebe, essa tensão no centro do Molinismo surge porque ele
ambiciona ser deterministicamente indeterminista. “Indeterminismo” por
causa de seu compromisso com o livre-arbítrio libertário. “Determinista” porque
o decreto de Deus, de alguma forma (não sabemos como) determina de antemão que
suas criaturas farão certas escolhas. Isso pode não ser um determinismo causal,
mas, apesar de tudo, é determinismo (como muitos Arminianos não-Molinistas,
tais como Roger Olson, podem ver claramente). Se preordenar que S
escolhe A não significa predeterminar que S escolha A, então o que
significa?
O Molinismo é, certamente, uma teoria impressionante. Mas, é apenas
impressionante na medida em que um truque de “jogo de copinhos e bolinha” é
impressionante. É, par excellence, um truque de mão filosófico. Os Molinistas
têm que ser hábeis na arte da desorientação. Agora você vê o determinismo.... e
agora não vê mais!
[1] Dr.
James Anderson é um ministro ordenado na Associate Reformed Presbyterian Church.
Dr. Anderson é professor no Reformed Theological Seminary. Especialista em
Teologia Filosófica, Epistemologia da Religião e Apologética Cristã. Sua tese
de doutorado, na Universidade de Edinburgh, explorou a natureza paradoxal de
certas doutrinas cristãs e suas implicações para a racionalidade da fé cristã. Suas
pesquisas e escritos concentram-se no pressuposicionalismo de Cornelius Van
Til, particularmente sua defesa do Argumento Transcendental. Dr. Anderson tem
uma antiga contribuição ao trazer a tradição Reformada em um maior diálogo com
a filosofia analítica contemporânea. Ele é membro da Society
of Christian Philosophers, da British
Society for the Philosophy of Religion, e da Evangelical Philosophical Society.
[2] “possible world” e “feasible
world”
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