Neste novo artigo, o assunto trata de um termo já no cenário intelectual (às vezes, nem tanto assim): Cosmovisão. Escrito por Al Wolther, o assunto, retirado do seu livro traduzido pela Editora Cultura Cristã (Criação Restaurada), é abordado com simplicidade e, ao mesmo tempo, com certa profundidade.
Leiam e comentem.
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Este livro é uma tentativa de esclarecer o conteúdo de uma cosmovisão bíblica e sua importância para nossas vidas, à medida que procuramos ser obedientes às Escrituras. As idéias que constituem esta cosmovisão não se originaram comigo. Elas vieram de uma longa tradição de reflexão Cristã sobre as Escrituras e nossa perspectiva total do mundo, uma tradição enraizada nas próprias Escritu-ras. Ela teve como alguns de seus representantes mais proeminentes os Pais da Igreja Irineu e Agos-tinho, e os Reformadores Tyndale e Calvino.
Esta cosmovisão escriturística mencionada é às vezes chamada de "reformacional" após a Reforma Protestante, que descobriu novamente o ensino bíblico concernente à profundidade e escopo do pe-cado e da redenção. O desejo de viver pelas Escrituras somente, antes do que pelas Escrituras ao lado da tradição, é uma marca dos Reformadores. Nós seguimos seu caminho nesta ênfase bem como em querer uma reforma progressiva, em querer ser reformados pelas Escrituras continuamente (ver Atos 17:11; Romanos 12:2), antes do que viver por tradições não examinadas.
A reflexão reformacional na cosmovisão tem ocupado distintas formas à medida que tem se movido no século vinte, algo que pode ser visto especialmente na obra de líderes holandeses como Abraham Kuyper, Herman Bavinck, Herman Dooyeweerd e D. H. T. Vollenhoven. Suas contribuições a uma compreensão mais profunda e articulada da cosmovisão bíblica vieram através da teologia, filosofia e outras disciplinas acadêmicas, e especialmente através da ação cultural e social que surgiram de um profundo desejo de serem obedientes às Escrituras em todas as áreas da vida e do serviço.
O termo cosmovisão [worldview] veio da língua Inglesa como uma tradução da palavra alemã Wel-tanschauung [percepção (de mundo), ponto-de-vista, concepção (de mundo), cosmovisão]. Este termo tem a vantagem de ser claramente distinto de "filosofia" (ao menos no uso alemão) e de ser menos enfadonho do que a frase "visão do mundo e da vida", que foi preferida pelos neo-Calvinistas alemães (provavelmente seguindo um uso feito popular pelo filósofo Alemão [Wilhem] Dilthey). Um sinônimo aceitável é "perspectiva de vida" ou "visão confessional". Nós podemos também falar mais vagamente sobre o conjunto dos "princípios" ou "ideais" de uma pessoa. Um marxista chamá-lo-ia de uma "ideologia"; a classificação mais prevalecente nas ciências sociais hoje provavelmente é "sistema de valores". Estes termos são menos que aceitáveis porque os pró-prios termos possuem conotações de determinismo e relativismo que revelam uma cosmovisão ina-ceitável.
Para nossas finalidades, cosmovisão será definida como "a estrutura abrangente das crenças básicas de alguém sobre coisas". Façamos um exame mais minucioso dos elementos desta definição.
Primeiramente, "coisas" é um termo deliberadamente vago que se refere a qualquer coisa sobre a qual seja possível ter uma crença. Eu estou tomando-o no sentido mais geral que se possa imaginar, como abrangendo o mundo, a vida humana em geral, o significado do sofrimento, o valor da educa-ção, o social, a moralidade e a importância da família. Neste sentido pode-se dizer que até Deus está incluído entre as "coisas" sobre as quais temos crenças básicas.
Segundo, uma cosmovisão é uma matéria das crenças de determinada pessoa. As crenças são diferentes dos sentimentos ou opiniões porque elas possuem uma "reivindicação cognitiva" - isto é, uma reivindicação a algum tipo de conhecimento. Eu posso dizer, por exemplo, que eu "creio" que a educação é o caminho para a felicidade humana. Isto significa que estou afirmando algo sobre o estado das coisas, o que o caso é. Estou querendo defender aquilo em que creio com argumentos. Os sentimentos não colocam reivindicação ao conhecimento, nem podem ser argumentados.
Crenças não são opiniões, tampouco hipóteses. Para ser exato, nós às vezes usamos a palavra crer com aquele tipo de sentido enfraquecido ("Eu creio que Johnny chegará esta noite novamente tarde em casa"), mas eu estou usando aqui a palavra no sentido de "credo", uma crença comprometida, algo que estou disposto não somente a argumentar, mas também a defender ou promover com o gasto de dinheiro ou a paciência em meio ao sofrimento. Por exemplo, pode ser minha crença que a liberdade de expressão seja um direito inalienável na sociedade humana, ou que ninguém possa impor a sua religião a alguma outra pessoa. Sustentar uma crença pode exigir um sacrifício de mi-nha parte, ou a tolerância ao desprezo ou abuso se ela é uma crença dita não-popular ou não-ortodoxa, que os presídios devem castigar bem como reabilitar, ou que a livre iniciativa é o flagelo de nossa sociedade. Todas estas crenças são exemplos do que entra em uma cosmovisão. Tem a ver com as convicções de uma pessoa.
Terceiro, é importante notar que as cosmovisões têm a ver com crenças básicas sobre coisas. Elas têm a ver com questões fundamentais com as quais somos confrontados; elas envolvem assuntos de princípio geral. Eu posso dizer que eu tenho uma crença segura de que os Yankees venceram o World Series de 1956, seguro a ponto de estar disposto a fazer uma grande aposta sobre isto, mas este tipo de crença não é o tipo que constitui uma cosmovisão. É diferente no caso de assuntos pro-fundos morais: A violência pode alguma vez ser justa? Há normas constantes para a vida humana? Existe um motivo para o sofrimento? Nós sobrevivemos à morte?
Finalmente, as crenças básicas que uma determinada pessoa sustenta sobre coisas tendem a formar uma estrutura ou padrão; elas se unem de um certo modo. Eis a razão por que os humanistas freqüentemente falam de um "sistema de valores". Todos nós reconhecemos, em algum grau pelo menos, que devemos ser consistentes em nossas visões, se quisermos tomá-las com seriedade. Nós não adotamos uma posição arbitrária de crenças básicas que não possuam coerência ou não pareçam consistentes. Certas crenças básicas se chocam com outras. Por exemplo, a crença no matrimônio como uma ordenança de Deus não se comporta com a idéia de divórcio fácil. Uma convicção que filmes e teatros são essencialmente "divertimentos mundanos" não é muito consoante com o ideal de uma reforma cristã das artes. Uma crença otimista no progresso histórico é difícil de se harmoni-zar com a crença na depravação do homem.
Isto não é dizer que cosmovisões nunca ou sejam internamente inconsistentes - muitas são (de fato, uma inconsistência pode ser uma das coisas mais interessantes sobre uma cosmovisão) - mas conti-nua sendo verdade que a característica mais significativa da cosmovisão é sua tendência voltada para o padrão e coerência; até suas inconsistências tendem a cair em padrões claramente reconhecí-veis. Além disso, a maioria das pessoas não admite uma inconsistência em sua própria cosmovisão, mesmo quando esta é muito óbvia a muitos outros.
Tem sido assumido em nossa discussão até aqui que todos possuem uma cosmovisão de algum tipo. É este o caso, na realidade? Certamente é verdade que a maioria das pessoas não possui uma respos-ta se elas forem inquiridas de qual é sua cosmovisão, e os assuntos piorariam se eles fossem inquiri-dos sobre a estrutura de suas crenças básicas sobre as coisas. Contudo, suas crenças básicas emer-gem suficientemente depressa quando eles são enfrentados com questões práticas que se levantam, assuntos políticos atuais ou convicções que se confrontam com as suas. Como eles reagem ao servi-ço militar obrigatório, por exemplo? Qual é sua resposta ao evangelismo ou à contracultura, ao pacifismo ou comunismo? Que palavras de condolências podem oferecer ao lado da tumba? Quem eles responsabilizam pela inflação? Qual é a visão deles sobre aborto, pena de morte, disciplina na educação de crianças, homossexualidade, segregação racial, inseminação artificial, censura de fil-mes, sexo extra-conjugal e questões desse tipo? Todos estes assuntos despertam respostas que fornecem indicações da cosmovisão de uma pessoa pela sugestão de certos padrões ("conservador" ou "progressivo", sendo muito rudes e não confiáveis os padrões que a maioria das pessoas reconhece). Em geral, conseqüentemente, todos possuem uma cosmovisão; embora inarticulada, ele ou ela pode expressá-la. Ter uma cosmovisão é simplesmente parte de ser um ser humano adulto.
Qual o papel da cosmovisão em nossas vidas? A resposta a isto, creio, é que nossa cosmovisão funciona como um guia para nossa vida. Uma cosmovisão, até quando ela é meio inconsciente e desar-ticulada, funciona como um compasso ou um mapa de estrada. Ela nos orienta no mundo de forma geral, dando-nos um senso do que é alto e do que é baixo, do que é certo e do que é errado na con-fusão de eventos e fenômenos que nos confrontam. Nossa cosmovisão forma, em um grau significa-tivo, o modo pelo qual avaliamos os eventos, assuntos e estruturas de nossa civilização e de nossa época. Ela nos permite "colocar" ou "situar" os vários fenômenos que estão ao nosso alcance. De fato, outros fatores têm uma função neste processo de orientação (interesse próprio psicológico ou econômico, por exemplo), mas estes outros fatores não eliminam a função orientadora da cosmovi-são de alguém; eles freqüentemente influenciam através de nossa perspectiva de vida.
Uma das características exclusivas dos seres humanos é que nós não podemos fazer nada sem um tipo de orientação ou condução que uma cosmovisão dá. Nós necessitamos ser guiados porque so-mos inescapavelmente criaturas com responsabilidade, que por natureza são incapazes de sustentar opiniões puramente arbitrárias ou fazer decisões inteiramente sem princípios. Nós necessitamos de algum credo para viver por ele, algum mapa pelo qual tracemos nosso curso. A necessidade de uma perspectiva condutora é básica para a vida humana, talvez mais básica do que alimento ou sexo.
Não somente nossas visões e argumentos são decididamente afetados pela nossa cosmovisão, mas também todas as decisões específicas que somos levados a fazer. Quando o relacionamento matri-monial começa a ficar áspero, o divórcio é uma opção? Quando a cobrança de impostos é injusta, você trapaceia em seus formulários de impostos? Os crimes devem ser punidos?". Você demitirá um empregado tão logo isto se torne economicamente vantajoso? Você começará a se envolver em políticas? Você desencorajará seu filho ou filha de ser tornar um artista? As decisões que você faz nestes e muitos outros assuntos são guiadas pela sua cosmovisão. As disputas sobre elas envolvem freqüentemente um conflito de perspectivas de vida básicas.
Novamente, temos de admitir que pode haver inconsistência aqui: não somente podemos sustentar crenças conflitantes, mas às vezes podemos falhar em agir em harmonia com as crenças que susten-tamos. Este é um fato de nossa experiência diária que todos devemos reconhecer. Mas, isto significa que nossa cosmovisão conseqüentemente não tem o papel guiador que estamos atribuindo a ela? Não necessariamente. Um navio pode ser desviado de seu curso por uma tempestade e ainda estar se dirigindo ao seu destino. É o padrão em geral que conta, o fato que o timoneiro faz tudo que for possível para permanecer no curso. Se sua ação está fora de sintonia com suas crenças, você tende a mudar suas ações ou suas crenças. Você não pode manter sua integridade (ou sua saúde mental) por muito tempo se não fizer nenhum esforço para resolver o conflito.
Esta visão da relação de nossa cosmovisão com a nossa conduta é disputada por muitos pensadores. Os marxistas, por exemplo, sustentam que o que realmente guia nosso comportamento não são nos-sas crenças, mas os interesses de classes. Muitos psicólogos olham para as cosmovisões mais como guiadas do que como guiando, como racionalizações para comportamentos que são realmente con-trolados pelas dinâmicas de nossa vida emocional. Outros psicólogos sustentam que nossas ações são basicamente condicionadas pelos estímulos físicos vindos de nosso meio. Seria tolice desconsi-derar a evidência que esses pensadores apresentam para reforçar seus pontos de vista. Na realidade, é verdade que o comportamento humano é muito complexo e inclui tais assuntos como interesses de classes, o condicionamento e a influência de desejos reprimidos. A questão é o que constitui o fator decisivo e dominante que conta para o padrão da ação humana. O modo como respondemos esta questão depende de nossa visão da natureza essencial da humanidade: isto é em si mesmo um assunto de nossa cosmovisão.
Do ponto de vista cristão, devemos dizer que nossa crença é um fator decisivo em nossas vidas, embora as crenças que professamos possam estar em desacordo com as crenças que estão atualmen-te operando em nossas vidas.
É um mandamento do evangelho que vivamos nossas vidas em conformidade com as crenças ensi-nadas nas Escrituras. O fato de freqüentemente falharmos em viver este mandamento, não invalida o fato de que podemos e devemos viver de acordo com nossas crenças.
Qual é, então, o relacionamento da cosmovisão com as Escrituras? A resposta cristã a esta questão é: nossa cosmovisão deve ser formada e testada pelas Escrituras. Ela pode legitimamente guiar nos-sas vidas somente se ela for escriturística. Isto significa que, no assunto da cosmovisão, há um abismo significativo entre aqueles que aceitam estas Escrituras como sendo a Palavra de Deus e a-queles que não aceitam. Isto significa que os cristãos devem constantemente verificar suas crenças da cosmovisão à luz das Escrituras, porque se não o fizerem haverá uma poderosa inclinação a re-ceber muitas de nossas crenças, até as básicas, de uma cultura que tem sido secularizada em ritmo acelerado por gerações. Uma boa parte da finalidade deste livro é oferecer ajuda no processo de reformar nossa cosmovisão, para conformá-la mais estreitamente ao ensino das Escrituras.
Como cristãos, confessamos que as Escrituras têm a autoridade de Deus, que é superior a tudo mais - acima da opinião pública, da educação, da criação de crianças, da mídia, e em resumo, acima de todas as poderosas interferências em nossa cultura pela qual a cosmovisão está constantemente sen-do formada. Contudo, uma vez que estas interferências em nossa cultura deliberadamente ignoram, e de fato usualmente rejeitam por completo a suprema autoridade das Escrituras, há considerável pressão sobre os cristãos para restringirem seu reconhecimento da autoridade das Escrituras à área da Igreja, da teologia e da moralidade pessoal - uma área que tem se tornado basicamente irrelevan-te no rumo tomado pela cultura e pela sociedade como um todo. Esta pressão, contudo, é em si mesma o fruto de uma cosmovisão secular, e deve ser resistida pelos cristãos com todos os recursos de que dispõem. Os recursos fundamentais são as próprias Escrituras.
As Escrituras representam muitas coisas para o cristão, mas a principal é a instrução. Não há passa-gem nas Escrituras que não possa nos ensinar algo sobre Deus e Seu relacionamento conosco. Nós devemos nos aproximar das Escrituras como estudantes, particularmente quando começamos a pen-sar criticamente sobre nossa própria cosmovisão. "Porquanto, tudo que dantes foi escrito, para nos-so ensino foi escrito", diz Paulo sobre o Velho Testamento (Romanos 15:4), e o mesmo se aplica ao Novo Testamento. Eis por que o conceito de "sã doutrina" é tão central no testemunho apostólico - não doutrina no sentido de teologia acadêmica, mas como instrução prática nas realidades de vida e morte de nosso andar em compromisso com Deus. É por meio deste tipo de ensino que a constância e encorajamento provenientes das Escrituras nos capacitam, como Paulo apontou na mesma passa-gem, não para nos desesperarmos, mas para estabelecermos nossa esperança em Cristo. Isto está envolvido também no que Paulo chama a "renovação de nossas mentes" (Romanos 12:2). Nós ne-cessitamos deste renovo se formos discernir qual é a vontade de Deus em toda a sua extensão para nossas vidas - "sua boa, agradável e perfeita vontade". Testar nossa cosmovisão à luz das Escritu-ras e revisá-la de acordo com ela é parte do renovo da mente.
Esta ênfase no ensino escriturístico é claramente um aspecto fundamental da religião cristã. Todas as variedades de cristãos, apesar de todas suas diferenças, concordam sobre este ponto de uma for-ma ou de outra. Contudo é necessário enfatizá-la novamente com referência à questão de nossa cosmovisão, porque quase todos os ramos da Igreja Cristã também concordam que o ensino das Escrituras é basicamente um assunto de teologia e moralidade pessoal, um setor privado rotulado de "sagrado" e "religioso", separado dos amplos assuntos do ser humano, rotulados de "seculares". As Escrituras, de acordo com esta visão, precisam certamente formar nossa teologia (incluindo nossas "éticas teológicas"), mas são, na melhor das hipóteses, somente indiretamente e tangencialmente relacionadas a assuntos seculares tais como política, arte e conhecimento: a Bíblia nos ensina uma visão de Igreja e uma visão de Deus, não uma cosmovisão.
Este é um erro perigoso. Sem dúvida, nós devemos ser ensinados pelas Escrituras em assuntos tais como batismo, oração, eleição e igreja, mas as Escrituras falam centralmente a tudo em nossa vida e mundo, incluindo tecnologia, economia e ciência. O escopo do ensino bíblico inclui assuntos ordi-nários "seculares" como labor, grupos sociais e educação. A menos que tais assuntos estejam apro-ximados em termos de uma cosmovisão baseada honestamente em categorias escriturísticas centrais como criação, pecado e redenção, nossa avaliação destas dimensões supostamente não-religiosas de nossas vidas será provavelmente dominada por uma das competitivas cosmovisões do Ocidente secularizado.
Conseqüentemente, é essencial relacionar os conceitos básicos de "teologia bíblica" à nossa cosmovisão - ou melhor, entender estes conceitos básicos como constituindo uma cosmovi-são. Em certo sentido, o apelo que está sendo feito aqui para uma cosmovisão bíblica é simples-mente um apelo para o crente levar a sério a Bíblia e seu ensino para a totalidade de nossa civiliza-ção agora mesmo, e não para relegá-la a alguma área opcional chamada "religião".
Tudo isto levanta a questão do relacionamento do que eu tenho chamado de "cosmovisão" com a teologia e a filosofia. Este é um assunto que causa certa confusão, uma vez que na conversação co-mum quaisquer perspectivas abrangentes sobre as coisas que apela à autoridade da Bíblia são cha-madas de "teologia", e qualquer perspectiva que apela à autoridade da razão é chamada de "filosofi-a". O problema com este modo de falar é que ele falha em fazer uma distinção entre a perspectiva de vida que todo ser humano tem pelo fato de ser humano e as disciplinas acadêmicas especializa-das que são ensinadas pelos professores de teologia e filosofia. Além disso, ela faz uma suposição equivocada que a teologia não pode ser pagã ou humanística e que a filosofia não pode ser bíblica. A diferença entre cristão e não-cristão não pode ser tão facilmente dividida entre duas disciplinas acadêmicas.
Teologia e filosofia são campos especializados de investigação que nem todos podem adentrar. Elas requerem habilidades especiais, um certo tipo de inteligência e uma quantia considerável de melhor: "conhecimento" ou "instrução". Eles são campos para especialistas treinados. Isto não é dizer que elas estão fechadas ao leigo inteligente; simplesmente significa que os leigos têm uma desvantagem melhor: "definida" em si, pelo simples fato de estarem nas ciências médicas, econômicas e em campos não-acadêmicos específicos como altas finanças e diplomacia internacional. Em todos estes campos há homens e mulheres profissionais, que são especializados na área. Teologia e filosofia não são exceção.
Mas a cosmovisão é um assunto totalmente diferente. Você não necessita de títulos ou habilidades especiais para ter uma perspectiva na vida. Sabedoria bíblica ou sã doutrina não aumentam com o avanço do treinamento teológico. Se aumentasse, os profetas e apóstolos, para não mencionar o próprio Jesus, teriam sido totalmente deficientes comparados com os brilhantes e jovens teólogos de hoje que acabam de sair de uma faculdade. Brilhantismo acadêmico é algo totalmente diferente de sabedoria e de senso comum - e uma cosmovisão é uma questão de sabedoria e senso comum, seja bíblico ou não.
Sem tentar definir precisamente a natureza de "ciência" e "teoria" (que neste contexto podemos considerar sinônimos), podemos dizer que filosofia e teologia, como disciplinas acadêmicas, são cientificas e teóricas, enquanto que uma cosmovisão não é. Uma cosmovisão é uma questão da ex-periência diária da humanidade compartilhada, um componente inescapável de todo saber humano, ou melhor, (desde que o conhecimento cientifico é sempre dependente do conhecimento intuitivo de nossa experiência diária) pré-científico, por natureza. Ela pertence a uma ordem de cognição mais básica do que a da ciência ou teoria. Da mesma forma que a estética pressupõe algum senso inato de beleza, e a teoria legal pressupõe uma noção fundamental de justiça, assim a teologia e filosofia pressupõem uma perspectiva pré-teórica sobre o mundo. Elas dão uma elaboração cientifica de uma cosmovisão.
No geral, então, podemos dizer que cosmovisão, filosofia e teologia são semelhantes no sentido de serem abrangentes em escopo, mas que elas são diferentes no que uma cosmovisão é pré-científica, ao passo que a filosofia e teologia são científicas. A distinção entre filosofia e teologia pode talvez se tornar mais clara se introduzirmos dois conceitos chaves: "estrutura" e "rumo". A filosofia pode ser descrita como aquela disciplina científica abrangente (totalmente orientada) que se foca na estrutura das coisas - isto é, na unidade e diversidade daquilo que é dado nas coisas criadas. Teo-logia (isto é, teologia sistemática cristã), por outro lado, pode ser considerada aquela disciplina cientifica abrangente (totalmente orientada) que se foca no rumo das coisas - isto é, no mal que contagia o mundo e a cura que pode salvá-lo. A filosofia cristã olha para a criação à luz das categorias básicas da Bíblia; a teologia cristã olha para a Bíblia à luz das categorias básicas da criação. Uma cosmovisão, ao contrário, é igualmente relacionada tanto com as questões estruturais como direcionais. Ela não tem contudo a diferenciação de foco característica das disciplinas científicas abrangentes (ou amplas).
Há muito que se pode dizer sobre estas distinções, especialmente sobre a distinção entre estrutura e direção, mas que terá de esperar até um ponto posterior em nossa discussão. No momento estamos somente tocando nele resumidamente para esclarecer o relacionamento entre os três modos abran-gentes de entender o mundo.
Agora que temos uma idéia geral do que uma cosmovisão é, resta-nos falar o que é diferente na cosmovisão reformacional. Que características peculiares a distinguem de outras cosmovisões, tanto da pagã ou humanista como daquelas cristãs.
Devemos começar aceitando o fato que há diferentes cosmovisões cristãs, até dentro da corrente principal da ortodoxia cristã histórica. Há um sentido, naturalmente, em que todas as igrejas cristãs ortodoxas (que iremos entender neste contexto como sendo aquelas igrejas cristãs que aceitam os assim chamados credos ecumênicos da igreja primitiva) compartilham uma boa quantidade do ensi-no bíblico básico. Todas elas aceitam a Bíblia como a Palavra de Deus, crêem em um Criador trans-cendental que fez todas as coisas, que a desgraça humana é devida ao pecado e que Jesus Cristo veio para expiar este pecado e redimir a humanidade de sua maldição, afirmam que Deus é pessoal e triúno, que Cristo é tanto divino como humano, e assim por diante. Nós não devemos minimizar a extensão na qual a Igreja Ortodoxa Oriental, a Católica Romana e vários tipos de tradições protes-tantes compartilham a mesma herança e confissão bíblica.
Não obstante, estamos bem cientes das profundas divisões dentro da igreja cristã. Estas divisões refletem diferenças de cosmovisão bem como diferenças de teologia no sentido estrito da palavra. Gostaria de brevemente identificar as diferenças básicas entre a cosmovisão reformacional e outras cosmovisões cristãs.
Um modo de ver esta diferença é usar a definição básica de fé cristã dada por Herman Bavinck: "Deus o Pai reconciliou o mundo criado por Ele porém caído, através da morte de Seu Filho, e re-nova-o em um Reino de Deus pelo Seu Espírito". A cosmovisão reformacional toma todos os ter-mos chaves nesta confissão trinitariana ecumênica num sentido universal e todo-abrangente. Os termos "reconciliado", "criado", "caído", "mundo", "renova" e "reino de Deus" são tidos por cós-micos no escopo. Em principio, nada à parte do próprio Deus fica fora da extensão destas realidades fundamentais da religião bíblica.
Todas as outras cosmovisões cristãs, ao contrário, restringem o escopo de cada um destes termos de um ou outro modo. Compreende-se que cada um se aplica somente a uma área delimitada do uni-verso de nossa experiência, usualmente chamado de a esfera "religiosa" ou "sagrada". Tudo que esteja fora desta área delimitada é chamado de a esfera "mundana", ou "secular", ou "natural" ou "profana". Todas estas teorias das "duas esferas", como são chamadas, são talvez melhor "varian-tes" de uma cosmovisão basicamente dualística, em oposição à perspectiva integral da cosmovisão reformacional, que não aceita uma distinção entre as esferas sagrada e secular no cosmo.
Esta é uma maneira de explicar a distinção da cosmovisão reformacional. Outra maneira é dizer que suas características distintivas são organizadas ao redor da visão central de que "a graça restaura a natureza" - isto é, a redenção em Jesus Cristo significa a restauração de uma criação originalmente boa. (Naturalmente quero dizer "realidade criada" nestes contextos). Em outras palavras, redenção é re-criação. Se olharmos para isto mais atentamente, podemos ver que esta afirmação básica real-mente envolve três dimensões fundamentais: a criação originalmente boa, a perversão da criação através do pecado e a restauração da criação em Cristo. Isto mostra quão central a doutrina da cria-ção se torna em tal visão, visto que o propósito completo da salvação é, então, o de salvar uma cria-ção corrompida pelo pecado. Nas cosmovisões não-reformacionais, contudo, a graça inclui algo além da natureza, com o resultado que a salvação é algo basicamente "não-criacional", super-criacional, ou até mesmo anti-criacional. Em tais perspectivas, seja o que for que Cristo traga além da criação pertence à esfera sagrada, enquanto que a criação original constitui a esfera secular.
_______________________Nota
Fonte: O Que é Cosmovisão? (www.monergismo.net)
Albert M. Wolters é Professor Adjunto de Religião e Teologia no Classical Languages at Redeemer College, Hamilton, Ontário.
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