A Reforma Protestante do século XVI certamente muito contribuiu para a Igreja do século XX e XXI. Algumas destas contribuições foram contribuições sociais (p.e. separação entre Igreja e Estado), contribuições teológicas (p.e. as Confissões de Fé das Igrejas Reformadas, ou seja, documentos que expressam a fé reformada), liberdade religiosa, etc. Mas, a maior contribuição da Reforma foi o ter posto as Escrituras nas mãos do Povo. A Reforma não foi um movimento político ou sócio-econômico, mas um retorno à Palavra de Deus. Os cinco Solas da Reforma, o “Só a Fé”, “Só a Graça”, “Somente Cristo”, “Glória Só a Deus” foram descobertos devido a aquilo que ficou conhecido como Sola Scriptura (As Escrituras Somente). As Escrituras estão acima dos concílios e dos papas e da tradição oral! Ela é a norma normans, a norma determinadora para todas a decisão da fé e da vida! A única Autoridade da Igreja e sobre a Igreja! Foi a redescoberta das Escrituras que impactou do século XVI ao século XIX! O próprio Lutero certa vez disse:
Leitura das Escrituras: Um Exercício Hermenêutico
A Disciplina que se preocupa com a Leitura das Escrituras é conhecida com Hermenêutica cuja definição é “a ciência que se ocupa com as regras e princípios para uma correta interpretação”. Talvez se acredite que seja uma disciplina especial, revestida de caráter sagrado, mas esta disciplina se aplica à leitura de qualquer texto. Sempre que lemos, mesmo um jornal, entramos num processo de interpretação daquilo que estamos lendo. Geralmente não se discute o conteúdo do que se está lendo, mas sabe-se o que foi lido, não havendo muitas discussões. Porém, há um fator que distingue as Escrituras de qualquer outro livro: Ela é a Palavra de Deus. Neste caso os recursos da Hermenêutica devem ser unidos aos recursos teológicos, isto é, não apenas o conhecimento das Escrituras, mas o auxílio do Espírito Santo e da Oração para compreensão das Escrituras. A expressão usada para afirmar a necessidade da súplica da ação iluminadora do Espírito Santo, bem como o estudo do texto e contexto histórico das Escrituras como indispensáveis para correta interpretação é a expressão Orare et Labutare(orar e labutar)
No entanto, este exercício hermenêutico tem gerado muitos conflitos. Todos que a leem buscam acreditar que tem uma interpretação das Escrituras. Havia entre os Rabinos uma frase que dizia que as “Escrituras tem Setenta faces” para dizer que há nelas diversas interpretações. Mas, é assim? Sabemos que há textos difíceis nas Escrituras. No entanto, a Confissão de Fé de Westminster afirma que “na Escritura não são todas as coisas igualmente claras em si, nem do mesmo modo evidentes a todos; contudo, as coisas que precisam ser obedecidas, cridas e observadas para a salvação, em um ou outro passo da Escritura são tão claramente expostas e explicadas, que não só os doutos, mas ainda os indoutos, no devido uso dos meios ordinários, podem alcançar uma suficiente compreensão delas” (CFW, I.7)
Mas o que levou a este caos na interpretação? Existe alguma maneira correta de se ler as Escrituras? Qual? Como ler as Escrituras e encontrar nela a vida eterna (Jo 5. 39)? Neste post quero compartilhar a rica contribuição da Reforma Protestante no tocante as Escrituras e apresentar uma urgente necessidade de rever (reformar) nossa leitura, visto que nos nossos dias temos nos afastados do ideal da Reforma. Devo salientar que não é possível aprofundarmos aqui todas os questionamentos por uma questão de tempo. Apresentamos aqui uma visão panorâmica apenas. Para uma pesquisa mais aprofundada é recomendável o livro do Rev. Augustus Nicodemus Lopes, intitulado A Bíblia e seus Intérpretes: Uma breve história da Interpretação, publicado pela Ed. Cultura Cristã.
Visões Históricas sobre a Leitura das Escrituras
Na Igreja Pós-Apostólica (séc. II até IV) as coisas não eram diferentes. Desde a morte dos Apóstolos os líderes, pastores e bispos, das igrejas tiveram de enfrentar tantos os judeus quantos os pagãos. As Escrituras foram usadas como ferramenta apologética, isto é, foram usadas a fim de defender a fé cristã dos ataques externos.
Duas maneiras foram de se entender as Escrituras surgiram nestes períodos: Uma Alegórica, enfatizada numa Escola no norte da África de nome Alexandria; e outra Literal, originada na cidade de Antioquia da Síria, na Ásia. As propostas destas duas Escolas, Alexandria e Antioquia, influenciaram o modo de se ler as Escrituras até os nossos dias.
Alexandria
A principal diferença entre as duas Escolas está na questão de como se deve ler as Escrituras. A Escola Alegórica acreditava que na leitura das Escrituras era possível encontrar não apenas um sentido, mas muitos e em cada detalhe.
Por exemplo, Clemente de Alexandria, um dos principais da Escola Alegórica, faz o seguinte comentário: “Filhos do amor, aprendei mais particularmente estas coisas: Abraão, praticando por primeiro a circuncisão, circuncidava porque o Espírito dirigia profeticamente seu olhar para Jesus, dando-lhe o conhecimento das três letras. Com efeito, ele diz: ‘E Abraão circuncidou entre os homens de sua casa trezentos e dezoito homens’. Qual é, portanto, o conhecimento que lhe foi dado? Notai que ele menciona em primeiro lugar os dezoito e depois, fazendo distinção, os trezentos. Dezoito se escreve: I, que vale dez, e H, que representa oito. Tens aí: IH(sous) = Jesus. E como a cruz em forma de T devia trazer a graça, ele menciona também trezentos(=T). Portanto, ele designa claramente Jesus pelas duas primeiras letras e a cruz pela terceira (CLEMENTE, IX, 7, 8 in: PADRES, 1995, p. 299, 300)”[1]
“Não fiz nada. A Palavra fez tudo. Deixei a Palavra agir”
Leitura das Escrituras: Um Exercício Hermenêutico
As Escrituras do Antigo e Novo Testamento, como Palavra de Deus, são a coluna do Cristianismo. Na queda ou deficiência das Escrituras Sagradas todo o Cristianismo tombará. Um filósofo do século XVII, chamado Voltaire, afirmava que destruída as Escrituras, a Igreja seria fatalmente destruída. E é verdade. Porém, as promessas de Deus de que os céus e a terra passarão, mas sua Palavra jamais passará (Mt 24. 35) garantem que elas permanecerão a sustentar o Cristianismo. Por outro lado ela mesma afirma que não ficaria livre de ataque (Jr 23. 30; 2 Co 2.17; 4.1; 1 Pe 2. 1; 2 Pe 3. 16). É preciso estar atentos a estes diversos tipos de ataques que podem ser desde o aprisionamento das Escrituras até as falsas interpretações.
A Disciplina que se preocupa com a Leitura das Escrituras é conhecida com Hermenêutica cuja definição é “a ciência que se ocupa com as regras e princípios para uma correta interpretação”. Talvez se acredite que seja uma disciplina especial, revestida de caráter sagrado, mas esta disciplina se aplica à leitura de qualquer texto. Sempre que lemos, mesmo um jornal, entramos num processo de interpretação daquilo que estamos lendo. Geralmente não se discute o conteúdo do que se está lendo, mas sabe-se o que foi lido, não havendo muitas discussões. Porém, há um fator que distingue as Escrituras de qualquer outro livro: Ela é a Palavra de Deus. Neste caso os recursos da Hermenêutica devem ser unidos aos recursos teológicos, isto é, não apenas o conhecimento das Escrituras, mas o auxílio do Espírito Santo e da Oração para compreensão das Escrituras. A expressão usada para afirmar a necessidade da súplica da ação iluminadora do Espírito Santo, bem como o estudo do texto e contexto histórico das Escrituras como indispensáveis para correta interpretação é a expressão Orare et Labutare(orar e labutar)
No entanto, este exercício hermenêutico tem gerado muitos conflitos. Todos que a leem buscam acreditar que tem uma interpretação das Escrituras. Havia entre os Rabinos uma frase que dizia que as “Escrituras tem Setenta faces” para dizer que há nelas diversas interpretações. Mas, é assim? Sabemos que há textos difíceis nas Escrituras. No entanto, a Confissão de Fé de Westminster afirma que “na Escritura não são todas as coisas igualmente claras em si, nem do mesmo modo evidentes a todos; contudo, as coisas que precisam ser obedecidas, cridas e observadas para a salvação, em um ou outro passo da Escritura são tão claramente expostas e explicadas, que não só os doutos, mas ainda os indoutos, no devido uso dos meios ordinários, podem alcançar uma suficiente compreensão delas” (CFW, I.7)
Mas o que levou a este caos na interpretação? Existe alguma maneira correta de se ler as Escrituras? Qual? Como ler as Escrituras e encontrar nela a vida eterna (Jo 5. 39)? Neste post quero compartilhar a rica contribuição da Reforma Protestante no tocante as Escrituras e apresentar uma urgente necessidade de rever (reformar) nossa leitura, visto que nos nossos dias temos nos afastados do ideal da Reforma. Devo salientar que não é possível aprofundarmos aqui todas os questionamentos por uma questão de tempo. Apresentamos aqui uma visão panorâmica apenas. Para uma pesquisa mais aprofundada é recomendável o livro do Rev. Augustus Nicodemus Lopes, intitulado A Bíblia e seus Intérpretes: Uma breve história da Interpretação, publicado pela Ed. Cultura Cristã.
Visões Históricas sobre a Leitura das Escrituras
Ao se estudar sobre como a Igreja leu as Escrituras ao longo da História, Moisés Silva (1987), Professor de Novo Testamento no Seminário Teológico de Westminster, faz a seguinte pergunta: “A Igreja tem lido mal a bíblia?”. Esta pergunta reflete aquilo que a Igreja pensa sobre as Escrituras: Um livro para ser lido e interpretado.
E foi assim que a Igreja Cristã, desde o começo, viu as Escrituras. Desde cedo ela foi alvo de interpretações. Por exemplo, no Novo Testamento, por diversas vezes nas discussões com os líderes religiosos de sua época, Jesus confrontava as interpretações deles com a sua. Veja-se o caso dos Saduceus no tocante à ressurreição como registrado em Mt 22. 23ss. No mesmo capítulo os Fariseus se achegaram querendo saber de Jesus qual era o maior mandamento da Lei (v. 36) e em seguida a resposta de Jesus, ele mesmo faz uma pergunta aos Fariseus sobre o Cristo (v. 42ss). Também o Apóstolo Paulo confrontava os Judeus com as Escrituras a fim de provar-lhes que Jesus era o Cristo (At 9. 20 – 22; 18. 28).
E foi assim que a Igreja Cristã, desde o começo, viu as Escrituras. Desde cedo ela foi alvo de interpretações. Por exemplo, no Novo Testamento, por diversas vezes nas discussões com os líderes religiosos de sua época, Jesus confrontava as interpretações deles com a sua. Veja-se o caso dos Saduceus no tocante à ressurreição como registrado em Mt 22. 23ss. No mesmo capítulo os Fariseus se achegaram querendo saber de Jesus qual era o maior mandamento da Lei (v. 36) e em seguida a resposta de Jesus, ele mesmo faz uma pergunta aos Fariseus sobre o Cristo (v. 42ss). Também o Apóstolo Paulo confrontava os Judeus com as Escrituras a fim de provar-lhes que Jesus era o Cristo (At 9. 20 – 22; 18. 28).
Na Igreja Pós-Apostólica (séc. II até IV) as coisas não eram diferentes. Desde a morte dos Apóstolos os líderes, pastores e bispos, das igrejas tiveram de enfrentar tantos os judeus quantos os pagãos. As Escrituras foram usadas como ferramenta apologética, isto é, foram usadas a fim de defender a fé cristã dos ataques externos.
Duas maneiras foram de se entender as Escrituras surgiram nestes períodos: Uma Alegórica, enfatizada numa Escola no norte da África de nome Alexandria; e outra Literal, originada na cidade de Antioquia da Síria, na Ásia. As propostas destas duas Escolas, Alexandria e Antioquia, influenciaram o modo de se ler as Escrituras até os nossos dias.
Alexandria
A principal diferença entre as duas Escolas está na questão de como se deve ler as Escrituras. A Escola Alegórica acreditava que na leitura das Escrituras era possível encontrar não apenas um sentido, mas muitos e em cada detalhe.
Por exemplo, Clemente de Alexandria, um dos principais da Escola Alegórica, faz o seguinte comentário: “Filhos do amor, aprendei mais particularmente estas coisas: Abraão, praticando por primeiro a circuncisão, circuncidava porque o Espírito dirigia profeticamente seu olhar para Jesus, dando-lhe o conhecimento das três letras. Com efeito, ele diz: ‘E Abraão circuncidou entre os homens de sua casa trezentos e dezoito homens’. Qual é, portanto, o conhecimento que lhe foi dado? Notai que ele menciona em primeiro lugar os dezoito e depois, fazendo distinção, os trezentos. Dezoito se escreve: I, que vale dez, e H, que representa oito. Tens aí: IH(sous) = Jesus. E como a cruz em forma de T devia trazer a graça, ele menciona também trezentos(=T). Portanto, ele designa claramente Jesus pelas duas primeiras letras e a cruz pela terceira (CLEMENTE, IX, 7, 8 in: PADRES, 1995, p. 299, 300)”[1]
A Escola de Alexandria foi responsável pela justificação das “inovações, costumes e doutrinas que estavam surgindo na Igreja, fazendo um uso inadequado das Escrituras” (LOPES, 2004, p. 150). Augustus N. Lopes diz que “práticas como uso de corais, velas, imagens, bem como doutrinas que tornavam os sacerdotes católicos em mediadores entre Deus e os homens e com poderes para efetuar a transubstanciação, passaram a ser justificadas com base em textos das Escrituras interpretadas alegoricamente.
Por exemplo, o Salmo 74.13: ‘Esmagaste sobre as águas a cabeça dos monstros marinhos’ era usado para defender a expulsão de demônios através do batismo. Já o sistema levítico do Antigo Testamento era empregado para defender a idéia de que cada presbítero cristão era um sacerdote apto a realizar o santo sacrifício da missa” (2004, p. 151). Esta forma de ler as Escrituras foi a maneira de ler da Igreja da Idade Média.
Antioquia
A Leitura feita em Antioquia era mais voltada para o texto como o temos, isto é, o texto era lido sem se buscar sentidos místicos nele. Compreendiam muitíssimo bem quando um texto continha figuras de linguagem ou não, lendo cada uma segundo o seu tipo de texto. É por esta Escola que a Reforma Protestante caminhou.
Por exemplo, Teodoro de Mopsuéstia, representante da Escola Literal, ao comentar o livro de Gênesis fazia a seguinte pergunta: “porque Deus se tornaria encarnado, se os eventos relatados nos capítulos iniciais de Gênesis não têm nenhuma base histórica?”(2000, p. 155). Ele continua: “O que eram aqueles eventos do passado distante aos quais ele [Paulo] se refere e onde eles se realizam, se a narração histórica a eles relacionada não trata de eventos reais, e sim de alguma coisa mais, como aquelas pessoas [Alegoristas] sustentam? Que espaço sobra para as palavras do apóstolo: ‘receio que, assim como a serpente enganou a Eva...’(2Co 11.3), se não há serpente alguma, nem Eva, nem qualquer sedução em qualquer lugar envolvendo Adão?” (apud Hall, 2000, p. 155).
É claro que a Leitura Alegórica cria uma classe de gênio que consegue enxergar ‘os segredos’ do texto bíblico. E era assim que funcionava. Só os espirituais conseguiam ver o ‘sentido mais profundo no texto’; aqueles que não conseguiam ver estes detalhes eram tidos como ‘carnais’. Era a leitura do “espírito” versus a leitura “da letra”. O resultado? Uma Escritura aprisionada ou confinada nas mãos dos Sacerdotes e longe do Povo.
Os Reformadores, tais como Lutero e Calvino, encontraram uma Igreja (Católica Romana) onde as Escrituras estavam aprisionadas pela Tradição da Igreja, ou seja, as Escrituras eram lidas de acordo com a Igreja. A Tradição era tida como a Segunda Revelação de Deus ao lado das Escrituras. A questão girava em torno de dois pontos então:
O embate dos Reformadores, então, com a Igreja Católica Romana se deu primeiro no campo da Autoridade das Escrituras. Havia entre o clérigo o conceito de que a Igreja era a autoridade máxima em questões religiosas. Os Reformadores afirmavam o contrário: A Bíblia é o juiz maior em todas as questões religiosas (LOPES, 2004, p.159). Os Reformadores fundamentavam a autoridade das Escrituras no fato dela ser a Palavra de Deus. Alguns princípios resultaram deste posicionamento dos Reformadores:
a) Insistiram que a autoridade dos Papas, Concílios e Teólogos era subordinada as Escrituras;
b) Que a autoridade que a Igreja deriva das Escrituras e não de si mesma;
c) A autoridade e função dos bispos derivam, enfim, da fidelidade a Palavra de Deus. “O princípio do sola scriptura, assim o direito que a autoridade da Igreja estava fundamentada em sua fidelidade as Escrituras” (McGRATH, 1993, p. 143)
Se a autoridade da Igreja é subordinada às Escrituras, então quem tem autoridade para interpretá-la? Ora, a Autoridade da Igreja garantia a autoridade da Leitura correta das Escrituras. Mas agora a Autoridade da Igreja havia sido demolida. Por fim, a Reforma entendeu que, como o Espírito Santo falava nas Escrituras, devia haver, então, uma unidade harmônica no seu conteúdo, que é dar a Deus toda a glória, então as Escrituras podiam se auto-interpretar, ou seja, as Escrituras interpretam as Escrituras.
Uma Leitura Reformada das Escrituras repousa sobre as seguintes características (LOPES, 2004, p. 161 – 167):
a) Ênfase no simples do texto;
b) A necessidade da iluminação do Espírito Santo por conta da natureza divina das Escrituras;
c) A necessidade de se estudas as Escrituras por conta de sua natureza humana e história;
d) A necessidade de comparar as Escrituras consigo mesma. Lutero disse que “se as Escrituras são obscura num lugar, são claras em outros”;
e) A necessidade de se buscar o que o autor (Deus e o homem a quem Ele inspirou possuem intenções coincidentes) das Escrituras deseja transmitir;
f) O Auxílio de fontes externas (arqueologia, história, gramáticas e comentaristas etc).
g) A percepção de linguagem figurada nas Escrituras. Mas, diante de tudo isto, perguntamos: A mente moderna(ou pós-moderna) está apta a ler as Escrituras?
____________________
Nota
[1]Chama-nos a atenção o fato de Clemente mesclar uma informação do texto hebraico que registra os “dezoito e três (cem) centenas”(tAaême vl{åv.W ‘rf'[' hn"Ümov.)(Gn 14. 14) como ele diz, mas na interpretação, Clemente usa o grego. Ele usa os valores correspondentes das letras i ., h . e t .(10, 8 e 300 respectivamente). Há, pois, uma gematria em Clemente, que é uma metodologia judaica de interpretação.
Por exemplo, o Salmo 74.13: ‘Esmagaste sobre as águas a cabeça dos monstros marinhos’ era usado para defender a expulsão de demônios através do batismo. Já o sistema levítico do Antigo Testamento era empregado para defender a idéia de que cada presbítero cristão era um sacerdote apto a realizar o santo sacrifício da missa” (2004, p. 151). Esta forma de ler as Escrituras foi a maneira de ler da Igreja da Idade Média.
Antioquia
A Leitura feita em Antioquia era mais voltada para o texto como o temos, isto é, o texto era lido sem se buscar sentidos místicos nele. Compreendiam muitíssimo bem quando um texto continha figuras de linguagem ou não, lendo cada uma segundo o seu tipo de texto. É por esta Escola que a Reforma Protestante caminhou.
Por exemplo, Teodoro de Mopsuéstia, representante da Escola Literal, ao comentar o livro de Gênesis fazia a seguinte pergunta: “porque Deus se tornaria encarnado, se os eventos relatados nos capítulos iniciais de Gênesis não têm nenhuma base histórica?”(2000, p. 155). Ele continua: “O que eram aqueles eventos do passado distante aos quais ele [Paulo] se refere e onde eles se realizam, se a narração histórica a eles relacionada não trata de eventos reais, e sim de alguma coisa mais, como aquelas pessoas [Alegoristas] sustentam? Que espaço sobra para as palavras do apóstolo: ‘receio que, assim como a serpente enganou a Eva...’(2Co 11.3), se não há serpente alguma, nem Eva, nem qualquer sedução em qualquer lugar envolvendo Adão?” (apud Hall, 2000, p. 155).
É claro que a Leitura Alegórica cria uma classe de gênio que consegue enxergar ‘os segredos’ do texto bíblico. E era assim que funcionava. Só os espirituais conseguiam ver o ‘sentido mais profundo no texto’; aqueles que não conseguiam ver estes detalhes eram tidos como ‘carnais’. Era a leitura do “espírito” versus a leitura “da letra”. O resultado? Uma Escritura aprisionada ou confinada nas mãos dos Sacerdotes e longe do Povo.
Os Reformadores, tais como Lutero e Calvino, encontraram uma Igreja (Católica Romana) onde as Escrituras estavam aprisionadas pela Tradição da Igreja, ou seja, as Escrituras eram lidas de acordo com a Igreja. A Tradição era tida como a Segunda Revelação de Deus ao lado das Escrituras. A questão girava em torno de dois pontos então:
1) A correta interpretação das Escrituras e
2) a Autoridade das Escrituras.
2) a Autoridade das Escrituras.
O embate dos Reformadores, então, com a Igreja Católica Romana se deu primeiro no campo da Autoridade das Escrituras. Havia entre o clérigo o conceito de que a Igreja era a autoridade máxima em questões religiosas. Os Reformadores afirmavam o contrário: A Bíblia é o juiz maior em todas as questões religiosas (LOPES, 2004, p.159). Os Reformadores fundamentavam a autoridade das Escrituras no fato dela ser a Palavra de Deus. Alguns princípios resultaram deste posicionamento dos Reformadores:
a) Insistiram que a autoridade dos Papas, Concílios e Teólogos era subordinada as Escrituras;
b) Que a autoridade que a Igreja deriva das Escrituras e não de si mesma;
c) A autoridade e função dos bispos derivam, enfim, da fidelidade a Palavra de Deus. “O princípio do sola scriptura, assim o direito que a autoridade da Igreja estava fundamentada em sua fidelidade as Escrituras” (McGRATH, 1993, p. 143)
Se a autoridade da Igreja é subordinada às Escrituras, então quem tem autoridade para interpretá-la? Ora, a Autoridade da Igreja garantia a autoridade da Leitura correta das Escrituras. Mas agora a Autoridade da Igreja havia sido demolida. Por fim, a Reforma entendeu que, como o Espírito Santo falava nas Escrituras, devia haver, então, uma unidade harmônica no seu conteúdo, que é dar a Deus toda a glória, então as Escrituras podiam se auto-interpretar, ou seja, as Escrituras interpretam as Escrituras.
Uma Leitura Reformada das Escrituras repousa sobre as seguintes características (LOPES, 2004, p. 161 – 167):
a) Ênfase no simples do texto;
b) A necessidade da iluminação do Espírito Santo por conta da natureza divina das Escrituras;
c) A necessidade de se estudas as Escrituras por conta de sua natureza humana e história;
d) A necessidade de comparar as Escrituras consigo mesma. Lutero disse que “se as Escrituras são obscura num lugar, são claras em outros”;
e) A necessidade de se buscar o que o autor (Deus e o homem a quem Ele inspirou possuem intenções coincidentes) das Escrituras deseja transmitir;
f) O Auxílio de fontes externas (arqueologia, história, gramáticas e comentaristas etc).
g) A percepção de linguagem figurada nas Escrituras. Mas, diante de tudo isto, perguntamos: A mente moderna(ou pós-moderna) está apta a ler as Escrituras?
Continua....
Postado por Gaspar de Souza
Postado por Gaspar de Souza
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Nota
[1]Chama-nos a atenção o fato de Clemente mesclar uma informação do texto hebraico que registra os “dezoito e três (cem) centenas”(tAaême vl{åv.W ‘rf'[' hn"Ümov.)(Gn 14. 14) como ele diz, mas na interpretação, Clemente usa o grego. Ele usa os valores correspondentes das letras i ., h . e t .(10, 8 e 300 respectivamente). Há, pois, uma gematria em Clemente, que é uma metodologia judaica de interpretação.
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