quarta-feira, 8 de abril de 2009

ACABOU O ÓCIO!

Bom, apresentando minhas escusas quanto ao período ausente do blog (eu já tava com saudade!) devido aos afazeres da UFPE e Seminários. Foram duas semanas intensas de atividades. Mas, acabou o ócio! Como diria o cantor brasileiro naquela profundidade reflexiva: “tamo aí na atividade” (LIGAR TECLA SAP, como sugeriria Reinaldo Azevedo).
Bom, como havia prometido, farei o comentário da última matéria do blog. Em seguida novos artigos e, por fim, um comentário sobre a Semana Teológica do SPN – Apologética Reformada.
Segue, à moda Reinaldo, “um vermelho” com o autor da matéria.


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Para o escritor americano David Plotz, a Bíblia é uma leitura obrigatória para entender a sociedade atual


José Antonio Lima


Judeu por origem, David Plotz tornou-se agnóstico ao longo da vida, embora tenha mantido o interesse pela religião e pela tradição judaicas. Em 2006, estava tão entediado durante o bat mitzvah da prima – a cerimônia que marca o início das responsabilidades religiosas dos judeus, realizada aos 12 anos para as meninas e aos 13 para os meninos – que começou a ler a Bíblia. Indignado com uma história que leu no Gênesis, e que não conhecera quando criança, decidiu, segundo suas palavras, descobrir o que aconteceria se um “ignorante” lesse o livro no qual sua religião está baseada. Plotz narrou sua experiência em um blog, editado num livro lançado neste mês nos Estados Unidos, cujo título pode ser traduzido como “O bom livro: as coisas bizarras, hilárias, perturbadoras e maravilhosas que aprendi quando li cada palavra da Bíblia”.

Até aqui nada de extraordinário. Ser judeu e, em certo momento, tornar-se ateu, agnóstico, espiritualista é, de fato, o caminho que muitos judeus tomaram. O que interessa é que o jornalista da EPOCA diz que o Plotz leu a Bíblia (com “B” maiúsculo) o que seria um contra-senso. Os judeus não leem a Bíblia, designação para o conjunto de Antigo e Novo Testamentos. Os judeus leem a Tanakh, acróstico para a divisão tripartite do Antigo Testamento: Torah – o Pentateuco; Nebhiim – os Profetas e; Ketubhim – Os Escritos. Ao dizer que Plotz começou a ler a Bíblia faz o leitor acreditar que o Novo Testamento está inserido nesta leitura. Para os cristãos não há problema; mas para os judeus, sim. O próprio texto deixa isso claro. Plotz leu o “livro no qual sua religião está baseada”

Entrevista

QUEM É Casado, pai de três filhos, é jornalista. Já escreveu para revistas como New York Times Magazine, Rolling Stone, GQ e para o jornal The Washington Post. É editor da edição on-line da revista SlateO QUE PUBLICOUThe genius factory: the curious history of the Nobel Prize Sperm Bank (2005) e Good book: the bizarre, hilarious, disturbing, marvelous, and inspiring things I learned when I read every single word of the Bible (2009)

ÉPOCAQue história do Gênesis o deixou indignado?
David Plotz – Como o bat mitzvah de minha prima estava incrivelmente chato e eu não tinha nada melhor para fazer, peguei a Bíblia e a abri em qualquer página. Caí no capítulo 34 do Gênesis, e comecei a ler a história de Diná, filha de Jacó, um grande patriarca de Israel. Um dia ela sai para uma caminhada e é estuprada, só que o homem que a atacou diz que está apaixonado por ela. Ele, então, vai ao encontro de Jacó e de seus filhos, pede desculpas e diz que quer se casar com ela. Ele oferece muitos favores e, em troca, os filhos de Jacó exigem que todos os homens da tribo do estuprador sejam circuncidados. Aí, acontece uma reviravolta sombria. Após a circuncisão, os filhos de Jacó aproveitam o fato de os homens da outra tribo estarem debilitados e os massacram. Pegam mulheres e crianças como escravos. Quando Jacó reclama do ato, os filhos questionam se Jacó queria que a filha fosse tratada como uma prostituta. E a história acaba. Sem explicação! Aí eu pensei: “Se isso está no Gênesis, que é conhecido, imagine as outras histórias da Bíblia”.

O texto narrado em Gn 34, a história de Dinah, filha de Jacó, marcou a genealogia israelita. Plotz diz que “a história acaba. Sem explicação!”. Ah, ele não conhecia a história. Na verdade, em termos de narratividade não há segredos. O autor de Gênesis nos convida a buscar os elementos para compreender a história, como a pergunta final deixa claro(v. 31). Estes elementos subjazem o texto, como por exemplo, o v. 1 o fato do autor do relato registrar o infinitivo ( tAaßr>li), seguido não pela partícula do objeto direto, como esperado, mas por uma preposição partitiva (B.)(ALTER, p. 189). Isto demarcaria o estrangeirismo de Dinah, tornando-a alvo fácil para o ocorrido. Ela não estava “entre as filhas da terra”. A ação precipitada de Siquém é anunciada na sequência “viu-a, e tomou-a, e deitou-se com ela, e humilhou-a”(v.2). Este ato foi considerado “loucura”(v. 7 - hl'b'n>), e denota um crime de lesa-pátria; os siquemitas desejavam, com isso, o aparentamento (v. 9 - 15). A história de Simeão e Levi não passou despercebida. Em Gn 49.5 foram repreendidos por seu pai Jacó por haverem enganados a seu pai e por sua violência Antes, foi exatamente desta linhagem que Deus levantou Moisés (Ex 6. 14 - 16). A Escritura não deixa de registrar a pecaminosidade de seus personagens. Deixar de reconhecer a motivação (senso de comunidade e a responsabilidade individual) e a limitação (do sentido histórico), elementos da Etica do AT, é não saber que ela foi formada por tempos e grupos sociais diferentes. Os atos pecaminosos dos personagens do AT não são inspirados, mas fruto de uma época em que a influência cultural externa em Israel ainda era forte (cf. Js 24. 2). Haja vista as afirmações existentes, como aquela que chama tais atos de “insensatez (ou loucura) em Israel” (Gn 34. 7; Dt 22. 21; Jz 19. 23;) ou a repreensão “e não se faz assim em nossa terra” (Gn 29. 26; Dt 25. 9; II Sm 13. 12, etc). Enfim, Diferente dos relatos épicos, com heróis quase deuses, os Escritores Bíblicos contam das fraquezas dos Pais Antigos, de suas vicissitudes. Os atos não são propostos como norma de conduta. A história registrada nas Escrituras. Gosto das palavra de Estevão Bettencourt sobre isso:
“É a história do gênero humano colocado entre a queda original e o respectivo reerguimento, entre o Prevaricador e o Restaurador, entre o primeiro Adão, infiel, e sua antítese, o segundo Adão. Ora, quem, como os autores bíblicos (ou, em última análise, o Espírito Santo), descreve a história sob esse ponto de vista, não pode deixar de narrar as manifestações de miséria espiritual do homem decaído; estas constituem o fundo ao qual se sobrepôs a misericórdia do Salvador; somente se se mostra com clareza a depressão moral a que chegou o gênero humano após o primeiro pecado, é que se realça a correlativa generosidade do Criador, ou seja, o fato de que ‘onde o pecado abundara, superabundante foi a graça’(cf. Rm 5, 20). Em outros termos: os ‘escândalos’ narrados no Antigo Testamento não nos incutem a miséria dos filhos de Adão apenas para se descrever a história, para verificarmos (talvez com curiosidade mórbida) o que se deu, mas, antes de tudo, para que se ponha em relevo a figura grandiosa do segundo Adão, a condescendência e a imensa caridade do Salvador, que houve por bem acudir tais homens...!” (BETTENCOURT, 1990, 132). Continuemos...

ÉPOCAO senhor leu apenas o que os cristãos chamam de Velho Testamento. Pretende ler o Novo Testamento?
Plotz – Não vou fazer isso porque sou judeu, e o Novo Testamento não é minha tradição, minha religião. O Velho Testamento é meu livro, e senti que podia me divertir com ele, contar piadas, fazer perguntas.
Bingo! Ele é judeu e, por isso, não leu, nem irá ler o NT. Ele quer se divertir com o AT.

ÉPOCAO senhor não faria o mesmo trabalho com outros livros sagrados, como o Corão, por exemplo?

Plotz – Não estou dizendo que é impossível alguém ler o Corão ou outro livro e escrever sobre ele, mas eu não gostaria de ser essa pessoa. Seria um projeto totalmente diferente.

Mas é claro que ele não iria se “divertir” com o Corão. A julgar pela sentença mulçumana sobre o Indiano Salman Bushdie, o escritor de “Versos Satânicos”, Plotz não deseja criar um “clima” contra o Islã, principalmente sob a tensão que Israel vive do “Mundo Árabe”.


ÉPOCAO senhor defendeu em um artigo recente a leitura da Bíblia em colégios e universidades. Por quê?

Plotz – Não acho possível ser uma pessoa verdadeiramente educada sem ter lido a Bíblia. Ela é a fonte original para muitos aspectos de nossa civilização e nossa cultura. Há milhares de palavras e frases que estão na Bíblia e que usamos atualmente. Algumas leis básicas, como o direito de proteger a propriedade e a forma de tratar as outras pessoas, também estão lá. Hoje em dia, a Bíblia ainda é usada na política, como forma de justificar ataques a adversários e grupos específicos, como os homossexuais. Não ler a Bíblia é quase como ser cego. Você fica ignorante sobre como sua civilização se tornou o que é. É como para os americanos não ter lido Shakespeare ou a Constituição. Eu sei que, por ser um livro religioso, não será ensinado nas escolas, mas as pessoas teriam uma visão melhor do mundo se fossem incentivadas a ler os livros que estão na base da criação de suas civilizações.

Plotz tem razão em afirmar que a Biblia (aqui o AT e NT) é a fonte para “muitos aspectos” do ocidente. Os Valores Morais, o Direito de Propriedade, o valor do trabalho, da família tradicional, da democracia são frutos da cosmovisão judaico-cristã. Agora, eu gostaria de saber aonde a bíblia é usada “como forma de atacar a adversários e grupos específicos, como os homossexuais”. Só se for nas novelas da Globo. Essa “dupla língua” de Plotz revela-se numa tentativa de equilibrar-se sobre a navalha. É claro que a ignorância sobre como a cultura hoje se tornou o que é se dá pelo desconhecimento do passado. A dicotomia “religião” x “estado” contribuiu para banir os valores judaico-cristãos, vistos como apenas religiosos. Tudo bem, tiraram os valores religiosos e puseram no lugar os valores não religiosos? De forma alguma! Se não são religiosos, são anti-religiosos, pois os valores morais estão associados à religião: seja a judaica-cristã, seja a pagã. Ler as Escrituras ajudaria e muito a perceber o ressurgimento do paganismo em nossa sociedade e no mundo.


ÉPOCAO que o senhor pensava sobre Deus antes de ler a Bíblia? O que mudou?
Plotz – Antes, eu era agnóstico. Esperava que existisse um Deus, gostava d’Ele, mas não pensava muito nisso. Mas o Deus do Velho Testamento é perverso, mata muita gente sem razão, não é misericordioso, amoroso, não tem compaixão. É muito perturbador pensar que esse Deus esteja cuidando de nós. Fiquei muito bravo depois de ler e passei a desejar que exista algo melhor.

Antes era agnóstico, mas suas conclusões sobre “o Deus do Velho Testamento” é gnóstica, da melhor linha marcionita, seita fundada por Marcião (± 150 d.C). Mas, será que Plotz não leu Êxodo 34. 6, 7: “Passando, pois, o SENHOR perante ele, clamou: O SENHOR, o SENHOR Deus, misericordioso e piedoso, tardio em irar-se e grande em beneficência e verdade; Que guarda a beneficência em milhares; que perdoa a iniqüidade, e a transgressão e o pecado; que ao culpado não tem por inocente; que visita a iniqüidade dos pais sobre os filhos e sobre os filhos dos filhos até à terceira e quarta geração.”? Ou Juizes 2. 1: “Do Egito vos fiz subir, e vos trouxe à terra que a vossos pais tinha jurado e disse: Nunca invalidarei a minha aliança convosco”? Walter C. Kaiser Jr (1996, p. 44), erudito do Antigo Testamento, escrevendo sobre a “ira de Deus” no AT, diz que “o julgamento no antigo testamento geralmente acontecia dentro da história. Quando Israel pecava, não era dito a eles que eles iriam para o inferno quando ressuscitassem dos mortos, mas que eles seriam punidos pelos Midianitas ou Assírios”. Plotz ficou bravo e queria “algo melhor”. Mas, não é estranho que o maior dos Judeus, Jesus Cristo, lia as mesmas histórias que Plotz e não ficou bravo, nem procurou algo melhor?

ÉPOCAO que mais o perturbou?

Plotz – Foi o fato de Deus pedir e exigir o assassinato de pessoas inocentes. Ele diz que nós devemos matar inocentes para conquistar terras ou para livrá-las de impurezas. É horrível. Claro que as pessoas cometem crimes terríveis contra as outras, mas a ideia de que Deus tenha pedido isso me deixa espantado. Por que queremos um Deus que deseja matar crianças inocentes? Essa é uma pergunta que, para mim, não tem resposta.
Aqui encontramos as lentes de Plotz. Pergunto: inocente aos olhos de quem? Plotz tem outra referência para inocência. Na lente antropocêntrica todos são inocentes; mas na lente teocêntrica apenas o Messias é inocente. Todos os outros são culpados. A menos que Deus declare alguém inocente. Crianças inocentes? Não leu Plotz que “a estultícia (tl,Wai) está ligada ao coração da criança (r[;n"+)”(Pv 22. 15). Tolice, no AT, tem sentido ético em contraste com a Lei do Senhor; e denota alguém é que moralmente deficiente e corrupta. Refere-se, portanto, à perversão moral ou à insolência, “tendo uma ideia de pecaminosos em vez de incapacidade mental”(DITAT, p. 29). Na criança esta deficiência conduzirá à rebelião contra Deus. Curiosamente a mesma palavra para criança aqui é usada para crianças de três meses (Ex 2.2, 6)ou o a criança ainda no ventre (Jz 13.5, 7). Então, Plotz, quem é realmente inocente diante de Deus? Alguém se arrepiaria se eu falasse em pecado original?

ÉPOCAE o que foi mais engraçado?
Plotz – Foi o fato de Deus ter uma obsessão por homens carecas. Ele afirma que homens carecas são puros e diz várias vezes para rasparem a cabeça e o corpo. Há até um episódio em que alguns garotos caçoam do profeta Eliseu chamando-o de careca. Em seguida, um urso aparece e mata 42 crianças por causa disso.

ÉPOCAHoje em dia, muitas pessoas criticam o islã por causa de interpretações literais dos textos sagrados. O que aconteceria se a Bíblia fosse interpretada literalmente?
Plotz – Seria um pesadelo, uma catástrofe. Estaríamos apedrejando as pessoas até a morte, matando quem trabalhasse nos dias de descanso e quem cometesse qualquer infração sexual. O mundo seria totalmente segregado entre homens e mulheres, que estariam impuras quando menstruadas. Simplesmente não faz sentido nenhum. Qualquer um percebe que você não pode seguir tudo o que está lá.
Seria um pesadelo de fato! Ainda mais quando não se fizesse distinção entre cultura e princípios. Interpretar literalmente é interpretação ipsis literis? De forma alguma. É considera o gênero, as figuras de linguagem, o contexto, a história etc. Que isto é assim pode se ver no fato de que o Cristianismo, que tem o AT, não segregou homens e mulheres; antes, estas foram incorporadas no Cristianismo. Já no AT, as mulheres tiveram grandes participações (não as citarei por falta de espaço, mas, Joquebede, Sara, Eva, Miriam, Raquel, Débora, Ana, Hulda etc); a impureza era religiosa, comum naquela cultura. Bom, não me estenderei sobre isso. Há muitos bons livros sobre isso. Recomendo “Hard Sayings of the Bible”(IVP, 1996).

ÉPOCAO senhor recebeu críticas de leitores irritados?
Plotz – Algumas. Há ateus que afirmam: “Como você é estúpido por ler esse livro mentiroso”. E há os religiosos fervorosos que dizem que eu não devo questionar Deus. Mas o que foi extraordinário ao fazer o livro foi o fato de que há muita tolerância religiosa por aí. Aos olhos de muitos judeus e cristãos, eu estava cometendo erros teológicos e falando coisas estúpidas, mas eles respeitaram meu direito de chegar às minhas próprias conclusões.

ÉPOCAVocê acha que seu livro pode substituir a leitura da Bíblia?
Plotz – Acho! E a melhor parte é que você pode deixá-lo no banheiro sem se sentir culpado. Na verdade, ao ler o Good book você terá uma educação bíblica divertida e ainda vai economizar tempo, porque ele é muito menor que a Bíblia.

O entrevista, enfim, ensina: “leia a bíblia, mas não a leve à serio. Está cheia de histórias escandalosas, péssimos exemplos, um deus raivoso etc.”Pronto, chegamos ao ponto. Quer vender livro! Boas vendas, Plotz. Quanto a mim, prefiro ficar com Bíblia, que é muito maior e, nela, tenho uma educação bíblica divertida e séria. Ah, não quero economizar tempo lendo-a. Quero investir mais tempo. “Seca-se a erva, e cai a flor, porém a palavra de nosso Deus subsiste eternamente”(Is 40. 8)

Postado por Gaspar de Souza

Um comentário:

Jonathas Marques disse...

A reportagem é muito boa, pois me fez lembrar o que muitas pessoas pensam a respeito da bíblia...