Por Gaspar de Souza[1]
Introdução
Segundo os nossos irmãos da Reforma Protestante do Século
XVI, três marcas caracterizavam uma igreja verdadeira. São elas: 1) Fiel
pregação da Palavra de Deus, sem a qual a igreja não pode existir; 2)
Administração fiel dos Sacramentos e; 3) Exercício da Disciplina Bíblica para
manter a pureza da igreja. Este pensamento é bem explicado numa declaração da
igreja que representava bem a fé daqueles irmãos. Este documento chama-se a
Confissão Belga (1561). Diz assim aquele documento:
As marcas para conhecer a
verdadeira igreja são estas: ela mantém a pura pregação do Evangelho3,
a pura administração dos sacramentos4 como Cristo os
instituiu, e o exercício da disciplina eclesiástica para castigar os
pecados5. Em resumo: ela se orienta segundo a pura Palavra de
Deus6, rejeitando todo o contrário a esta Palavra7 e
reconhecendo Jesus Cristo como o único Cabeça8. Assim, com certeza,
se pode conhecer a verdadeira igreja; e a ninguém convém separar-se dela
(Cf. Gl 1:8; 1Tm 3:15; At 19:3-5; 1Co 11:20-29; Mt 18:15-17; 1Co 5:4,5,13; 2Ts
3:6,14; Tt 3:10; Jo 8:47; Jo 17:20; At 17:11; Ef 2:20; Cl 1:23; 1Tm 6:3; 1Ts
5:21; lTm 6:20; Ap 2:6; Jo 10:14; Ef 5:23; C1 1:18)
Porém, a disciplina eclesiástica é, “talvez, a marca em
declínio mais visível na igreja contemporânea”, diz Al Mohler[2]. Ainda segundo Mark Dever[3], a
disciplina eclesiástica é “um aspecto vital da saúde da igreja”. É tão
importante para a Igreja que, na sua ausência, juntamente com a ausência das
outras duas marcas, a igreja não demorará muito a sucumbir à impureza moral e
ética.
Não se pode esquecer que tanto a Administração dos
Sacramentos, quanto o Exercício da Disciplina, são frutos da fiel exposição da
Palavra de Deus. Na falta da pregação fiel, as outras duas marcas também
estarão ausentes. Se não se expõe a Escritura fielmente, tampouco os
sacramentos serão administrados corretamente como Jesus Cristo instituiu, nem a
disciplina será exercida pelos padrões da Escritura, passando a ser vista como despotismo.
A própria palavra em si mesma, disciplina, é vista
como negativa. Principalmente do último século para cá,
Desde que os
princípios do pós-modernismo encontraram lugar no seio da igreja, qualquer
conceito que ameace o individualismo e a liberdade de escolha quanto ao estilo
de vida, comportamento, etc., é logo taxado de arcaico, passé. A
dicotomia prática de muitos cristãos gera a ilusão de que a igreja não tem nada
a ver com o procedimento ‘secular’ de seus membros. Nessa ‘nova era’
antropocêntrica, a igreja é vista como uma organização altamente dependente do
indivíduo, e que precisa conservá-lo ao custo de várias exceções. O medo da
impopularidade leva muitos líderes à cumplicidade e pecados são justificados em
nome de uma atitude mais ‘humana’(2). Por outro lado, o que dizer daqueles que,
em nome do zelo pela disciplina, cometeram injustiças e causaram mais males que
bens?(3) Em todo esse contexto, a disciplina tem uma vida curta e a tolerância
consagra-se como a virtude da moda.(4) Porém, o que acontece com uma igreja sem
disciplina?[4]
Mas, o
que fazer, então, para contornar este decadência disciplinar? O que é
disciplina e qual a sua base escriturística e lógica? Quais os argumentos mais
comuns para o não exercício da disciplina bíblica? Qual o pressuposto para o
não exercício da disciplina? Como aplicá-la corretamente, de modo que os seus
propósitos sejam alcançados? Aliás, quais os propósitos da Disciplina Bíblica?
É a fim
de responder estes questionamentos que trataremos deste tema. Nossa base é a
Escritura Sagrada (AT e NT); consultaremos outros autores que tenham tratado do
assunto em questão.
1. Base Lingüística para Disciplina
Primeiramente, é preciso dizer que o termo é um termo
bíblico. De imediato retira-se a ideia de que disciplina bíblica seja algo externo
às Escrituras ou à Comunidade da Aliança. Antes, tanto no AT como no NT, as
palavras denotam “a correção que resulta em educação”.[5] Em
português, na versão Revista e Atualizada, a palavra disciplina aparece cerca
de trinta e três vezes. No Antigo Testamento, usa-se o verbo hebraico rs;y" (yasar
– 42x), traduzido em nossas Bíblias como admoestar, corrigir, disciplinar,
instruir, castigar, entre outros. Sua maior ocorrência encontra-se na
Literatura de Sabedoria (Provérbios, Eclesiastes, Jó) e Salmos(6x e 9x); também
ocorre no Pentateuco (8x, principalmente em Dt), nos Históricos (6x) e nos
Profetas (13x; 7x só em Jr)[6].
Se considerarmos o seu correlato rs'Wm(musar), então estes números aumentam
para quase 90 vezes: 9 no Pentateuco, 26 nos Profetas e 50 no Hagiógrafos (36
só em Pv)[7].
Considerando que só em Dt aparece cerca de 9 vezes, já é possível estabelecer
que a disciplina é vista no contexto da Aliança de Deus com o Seu Povo (Dt
11.2ss. Cf. Lv 26.18,
28; Sl 6.1; 38.1 [2]; 39.11 [12]; 94.10; 118.18; Os 10.10), na qual se ver a “atividade poderosa [de
Yahweh] na história da aliança, atividade mediante a qual ele se revela(cf. v.
7 com 4. 35ss)”.[8]
A
Disciplina do Senhor deve ser vista nos adjetivos atribuídos a Deus, tais como
Pai (Dt 32.6; Cf. 1.31; Is 63.16; 64.8) e Instrutor / Mestre (Cf. Is 28. 26),
que instrui por sua Lei (Sl 94.12). A Disciplina do Senhor não pode ser
separada destes dois conceitos, pois a analogia “pai-filho”, “mestre-discípulo”
demonstra que os atos de repreender, corrigir, instruir e atender às
necessidades não são separados de um “relacionamento interpessoal de amor”[9],
isto é, de um relacionamento pactual. A disciplina nesta relação transmite a
certeza de que se é filho e discípulo daquele que disciplina, o Senhor.
É patente no AT o caráter teocêntrico da
Disciplina, sendo o próprio Deus a origem da mesma, no intuito de educar os
seus filhos, para introdução de valores e normas de comportamento ético que se
ajustem à Sua Lei (Cf. Dt 8.2ss; Pv 3. 11, 12). Isto é
chamado de “temor do Senhor”(Pv. 1.7) e tem sentido positivo.
Nos Profetas este caráter é revelado também de forma
negativa na apresentação das maneiras como Deus aplica a Disciplina.
Normalmente associa-se à ideia de castigo ou punição (Cf. Dt
21.8; Os 10.10; Is 26.16; esp. Ez 5.17; Am 4.6 – 11). Os Profetas têm
diante de si a Aliança contida em Dt 11.2ss e 28.15ss. e tais manifestações
simplesmente referenciam que “Deus lida com o seu povo tendo como ponto de
partida a advertência e a correção. [E] é assim que deve entender a severidade
do exílio(Cf. Os 5.2; 7.12; Is 8.11)”.[10]
Quanto ao Novo Testamento, normalmente os autores
traduzem a palavra hebraica por paideiva(Paidéia) instrução ou disciplina (Cf. Hb 12. 7;
2Tm 3.16). Na raiz (pai" - pais) da palavra encontra-se a ideia de criança e educação.[11]
O sentido de “ensinar” e “instruir” pode ser visto em Ato 7.22 e 22.3. Em Lucas
23. 16, 22 o sentido negativo de paideuvw(paideúõ) é apresentado como “espancar” ou
“castigar”. O sentido positivo no NT é o mesmo do AT, isto é, “o castigo [de
Deus] como ação amorosa de Deus, para preservar o homem do julgamento final”[12](Cf.
Hb 12. 5, 6,9). Segundo Paulo, “quando julgados, somos disciplinados(paideuo,meqa - paideuómetha)[13] pelo Senhor,
para não sermos condenados com o mundo”(1Co 11. 32). Parece deixar claro que,
para os cristãos, a Disciplina do Senhor é correção em amor, a fim de evitar
que eles se percam(Ap 3. 19).[14]. Diz o DITNT
sobre isso[15]:
Aos cristãos não se poupa a doença e morte como resultado dos pecados
deles. Aqui, a disciplina coincide em parte com o julgamento divino. Sendo,
porém, que este julgamento tem a natureza da disciplina, os crentes, por causa
dele, graciosamente são poupados de entrarem no juízo divino final do mundo,
sendo portanto, salvos da perdição [...] Paulo sabe, mediante a sua experiência
de levar a efeito sua comissão apostólica (2 Co 6.9) que a correção não é
uma contradição do amor de Deus, mas, pelo contrário, dever ser entendida à luz
deste amor.(itálicos meus)
Disciplina é, portanto, um ato educativo
de Deus para com seus filhos.
2. Base Teológica da
Disciplina
Fundamentado nos conceitos acima, principalmente no
contexto da Aliança, a Disciplina deve ser entendida também teologicamente. E
este sentido é o de povo de Deus, aqueles que foram separados por Ele
para ser sua “nação santa”(Ex 19.5, 6). O conceito expresso em ser povo da
aliança é o de santidade. John Sittema[16]
diz que santidade no AT tem duas conotações: separação e pureza.
Esta última é facilmente entendida pela maioria dos cristãos. Mas, o conceito
de separação não é uma ideia fácil de aceitar. Ora, no AT o princípio da separação
do Povo de Deus é percebido principalmente na expressão “cortado de...” ou
“eliminado de...”(Cf. Êx 30.33, 38; Lv 17.4, 9, 14; Nm 19.20) e nas analogias da separação dos
animais, na plantação ou no uso de “roupas misturadas” (Lv. 19.19). Tal postura
simbolizaria
De uma forma clara e tangível
[que] Deus estava identificando Israel como seu povo separado/santo, que não
devia se misturar com o mundo. Não deviam se casar com pessoas de outros povos,
adorar outros deuses e nem misturar sua vida da aliança com quaisquer outras
práticas, valores e pessoas das cidades e regiões onde viveriam. E para
reforçar essa idéia (sic), são dados mandamentos específicos de separação
aplicada às plantas, animais e até mesmo tecidos – aspectos da vida cotidiana
de Israel que refletiam o princípio divino de santidade
Assim, no Antigo Testamento, a fim de evitar que o Povo
da Aliança fosse contaminado por pecados externos e internos, o Senhor, através
de Sua Lei Moral e posteriores desmembramentos desta Lei, mostrou ao Seu Povo o
que deveria ser feito ao transgressor, principalmente no sistema de
sacrifícios de Israel. Em certos casos,
o transgressor deveria ser eliminado (trk karat -
literalmente cortado) do meio do povo(Cf. Nm 15. 29 – 31). Tal ato
indicaria que existia distinção entre os membros da aliança e os que não eram
membros. Entre as transgressões que deveriam ser eliminadas, após exame se
houve ou não intenção[17],
encontram-se a rebelião contra o pacto (Gn 17. 14); profanação do Templo de
Deus, do Dia do Senhor e da Falsa Adoração (Ex. 12.15-19; 30.33; 31.44; Lv. 7.20-27;
Lv. 17.14-19; Nm. 9.13); Atos de idolatria ou feitiçaria (Lv 20. 3 – 6) e sexo
ilícito (Lv. 18. 29; 20. 17, 18). Estes atos tinham em comum a externalidade da
rebelião, sendo considerados uma grande ofensa contra Deus e o próximo[18],
e deveriam ser reprovados para não contaminar o Povo e não profanar o nome do
Deus da Aliança (Cf. Ez 20. 9, 14, 22; 36.23).
Sei que para a mente moderna tais atos parecem desumanos,
mas, segundo o padrão divino, a atitude é um ato de misericórdia, dando a
possibilidade de restauração e perdão ao transgressor e ao povo, em quem o
juízo divino poderia vir, caso não fosse aplicado a disciplina (Cf. Js 22. 11 –
20; Ne 13. 13 – 29; Ed 9 – 10).
Isto também é visto o Novo Testamento. A igreja de Cristo
é a comunidade dos Eleitos na Nova Aliança que tem a Jesus Cristo como Rei (Cf.
1 Pe 2. 9, 10).[19]
Sob Ele, a disciplina é a mesma, mas com diferença na administração.
Entre
tantos designativos para a Igreja de Cristo[20],
um reflete bem o nosso assunto e as análises anteriores. A igreja é chamada de santa
(Ef. 5.27) e os membros desta igreja são chamados de santos (At 9. 32; Rm 1.7; 15.25; 1Co
1.2; 6.1, 2; 14.33; 2Co 1.1; Ef 1.1, 4; Fp 1.1; 4.21, 22; Cl 1.2, 12, 22, 26
etc.).
Como
“comunidade dos santos”, as Escrituras declaram que a Igreja de Cristo não é
deste mundo, antes é separada dele, mesmo que esteja nele e seja enviada
a ele (Jo 17. 11, 14, 16, 18)[21].
Por ser separada do Mundo, o código de ética da Igreja se contraporá ao Mundo
(Cf. Hb 12.10 – 14; 1Jo 2. 15 – 17; 1Co 5. 1 – 13), fazendo com que este passe
a odiar a Igreja, pois a Igreja testemunha contra a corrupção do Mundo (Jo 7. 7; 15.18, 19; 1Jo 3.
13; Cf. Ne 9.26; Lc 11.47; 1Ts 2.15). E para
que este testemunho seja eficaz, a igreja deve reprovar abertamente o pecado
e/ou exercer a correção daqueles que se desviam (2Ts 3.14; 1Co 5.2; 2Jo 10, 11;
Jd 22, 23). Isto nos leva ao seguinte questionamento – quem exerce esta
disciplina?
3. O Poder da Igreja
em Disciplinar
A CFW (XXX,
§ i) afirma o seguinte: “O Senhor Jesus Cristo, como Rei e Cabeça de sua
Igreja, nela instituiu um governo nas mãos de oficiais dela, distinto do
magistrado civil”.[22]
Tanto no AT como no NT, o exercício da disciplina eclesiástica era realizada
por homens a quem Deus constitui sobre o Seu Povo. No AT eram os juizes ou
sacerdotes, que, inclusive exerciam o governo civil[23]
(Ex 21.22; 22.8; Dt 1.16) e os anciãos (Dt 11. 12; 21. 19; 22.15, 18). No NT,
este exercício foi dado aos “Oficiais”, Apóstolos em primeiro lugar (Mt 16. 18
– 20; 18. 15 - 20) e presbíteros em segundo lugar (1Tm 3. 1 – 7; Tt 1. 5 – 13).
A igreja também participa deste exercício, primeiramente no aspecto fraternal
e pessoal (Mt 18. 15) e, depois, em assembleia reunida (1Co 5. 2 – 11;
2Ts 3.6, 14, 15).
Este
poder da igreja é espiritual e chama-se “chaves do reino dos céus”(Mt
16. 19) relacionadas ao “ligar e desligar” (18.15 - 18). É certo que estas duas
expressões já implicam o poder da igreja em “abrir”(ligar) ou
“fechar”(desligar) o reino dos céus aos impenitentes, como deixa claro o
contexto (Mt 18. 17 – 20). Refere-se, então, à disciplina eclesiástica. A
Igreja de Cristo tem o “poder das chaves”, podendo “recebe à comunhão, bem como
para excluir os indignos de sua própria comunhão”.[24]
Não é
que os Oficiais tenham poder intrínseco de perdoar ou não perdoar
pecados, mas declarar[25]
a vontade de Deus para aqueles que não se submetem à vontade revelada de Deus.
Talvez a exposição da CFW (XXX, § ii) seja clara sobre este sentido:
A esses oficiais estão
entregues as chaves do Reino do Céu. Em virtude disso eles têm respectivamente
o poder de reter ou remitir pecados; fechar esse reino a impenitentes, tanto
pela palavra como pelas censuras; abri-lo aos pecadores penitentes, pelo
ministério do Evangelho e pela absolvição das censuras, quando as circunstâncias
o exigirem.(Mt.1619; Mt.18.17-18; Jo.20.21-23; 2 Co.2.6-8).
Neste
poder declarativo, os Oficiais não precisam temer o exercício da disciplina.
Nos textos bíblicos acima,
Jesus Cristo está ensinando
que a disciplina eclesiástica terá sanção no céu. Mas isso não quer dizer que a
igreja precisa esperar que Deus endosse suas atitudes depois que elas
acontecerem. Em vez disso, sempre que a igreja cumpre o papel disciplinar
pode estar confiante de que Deus já começou o processo espiritualmente.[26]
4. Quais os Propósitos da
Disciplina Bíblica?[27]
Já vimos
que o Senhor não permitirá que seu nome seja profanado, nem que o seu povo seja
contaminado. À luz disto e outras porções das Escrituras, é possível encontrar
quatro propósitos por que a Igreja deve exercer a disciplina do Senhor[28].
- Restauração
do irmão faltoso
(Mt 18. 15; Gl 6.1; Tg 5.20) – “Chamar e ganhar para Cristo os irmãos
ofensores”(CFW XXX § iiia)
Este é o
aspecto restaurativo da disciplina. Ela não deve ser vista como, primariamente punitiva,
mas restaurativa, isto é, a busca e a tentativa de impedir que a ovelha de
Cristo se desvie (2 Co 2. 5 – 11). Este aspecto deve ser feito em amor,
apresentando os perigos do pecado e do desviar-se do Senhor.
- Impedir que o Pecado se espalhe (1Co 5. 6, 7; 2Ts 3.6 – 15; Hb 12. 15) –
“Impedir que outros pratiquem ofensas semelhantes, para purgar o velho
fermento que poderia corromper a massa inteira” (CFW XXX § iiib)
Neste
propósito, Deus preserva o rebanho da contaminação pelo exemplo do
transgressor. Aqui fica claro que o não exercício da disciplina conduzirá
outros a práticas semelhantes. Assim, a fim de preservar o rebanho, a
disciplina deve ser aplicada, protegendo a pureza da Igreja de Cristo (Gl 5.9).
- Preservar
a Honra da Igreja e de Cristo Jesus (Rm 2.24; 1Co 5. 2; 6.6; 2Pe 2.12; 3.14; Ap 2.14 – 16, 20) –
“Vindicar a honra de Cristo e a santa profissão do Evangelho” (CFW XXX §
iiic)
Sem dúvidas alguma, sempre que a Igreja negligencia
o testemunho de Cristo, Jesus é blasfemado entre os incrédulos. Sempre que a Igreja
deixa de tratar o pecado abertamente, ela será vista como hipócrita (Mt 7. 1 –
5; Cf. 1 Pe 4. 14 - 19) e será condenada com o mundo (1Co 11. 32)
- Evitar
o Justo Juízo de Deus sobre seu Povo (Ap 2. 18 – 29) – “Evitar a ira de Deus a qual com
justiça poderia cair sobre a Igreja, se ela permitisse que o pacto divino
e os seios dele fossem profanados por ofensores notórios e obstinados”(CFW
XXX § iiid)
Este é,
sem dúvida, um dos aspectos mais temível. O Senhor havia dito às igrejas de
Éfeso, de Pérgamo e de Tiatira que, pela falta de exercício disciplinar
daquelas igrejas, ele traria juízo sobre a igreja (Ap 2. 5, 16, 22, 23) para
que soubessem que, embora os homens não se dessem conta da seriedade do pecado,
Ele “sonda os rins e os corações”(2. 23). Assim, não exercitar a disciplina é
esperar a certeza do julgamento de Deus.
5. Como a Igreja Aplica a
Disciplina?
Talvez
seja aqui que surja a maior dificuldade. Como exercer a disciplina
eclesiástica? Deve-se, primeiramente, saber se as Escrituras fazem alguma
classificação acerca dos pecados. De fato, alguns pecados são mais odiosos do
que outros (Pv. 6. 16 – 19; Ml 2. 16) e alguns são públicos e notórios (1 Tm 5.
24). Segue-se que, a fim de exercer fielmente a disciplina, deve-se considerar
estas coisas, bem como a maturidade na fé(Rm 14. 1 – 23). À luz de Mateus 18.
15ss, segue-se que a disciplina é, antes de tudo, preventiva e deve
começar entre os fraternos (se teu irmão...) para que os outros
passos sejam dados.
Também a
depender da gravidade do pecado – público ou privado. Wayne House[29]
apresenta o seguinte gráfico sobre o problema e o procedimento em cada caso de
disciplina:
Passagem
|
Problema
|
Procedimento
|
Propósito
|
Mateus 18. 15 – 18
|
O pecado de um “irmão” (não definido)
|
|
Restauração (ganhar “a teu irmão”)
|
1 Coríntios 5
|
Imoralidade
Avareza
Idolatria
Embriaguez
Fraude
|
1.
Lamentar
coletivamente
2.
Remover
do Grupo
3.
Não se
associar
|
Restauração (5.5)
Purificação (5. 7)
|
2 Coríntios 2. 5 – 11
|
Não citado
|
Após o arrependimento sincero
|
Restauração (2. 11)
Proteção (2.11)
|
Gálatas 6. 1
|
“alguma falta”
|
Restaurar:
1.
Como
pessoas espirituais
2.
Com
brandura
3.
Com
reflexão
|
Restauração
|
2 Tessalonicenses 3. 6 – 15
|
Preguiça, maledicência (“se intrometem”)
|
|
Restauração (“para que fique envergonhado”)
|
1 Timóteo 5. 19, 20
|
Denúncia contra Presbítero sem testemunha
|
|
Purificação (“para que também os demais
temam”)
|
Tito 3. 9 – 11
|
Comportamento faccioso
|
1.
Admoestá-lo
duas vezes
2.
Evitá-lo
(como pervetido, pecaminoso, auto-condenado)
|
Proteção (contra divisões)
|
Ainda
segundo House[30],
é possível elaborar um fluxograma da Disciplina Eclesiástica, conforme
abaixo.
1.
Imoralidade Sexual aberta (1 Coríntios 5. 1 –
13)
2.
Conflitos pessoais não resolvidos (Mateus 18.
15 – 20)
3.
Espírito Faccioso (Romanos 16. 17 – 18; Tito
3. 10)
4.
Falsos Ensinos (Gálatas 1. 8, 9; 1 Timóteo 1.
20; 6. 3 – 5; 2 João 9 – 11; Apocalipse 2. 14 – 16)
|
6. Objeções à Disciplina Eclesiástica
Os homens são de tal forma que procurarão, em todas as
ocasiões, desculpas para não aplicarem ou se submeterem à disciplina bíblica.
Abaixo, o Rev. Arial Dias[31]
apresenta algumas possíveis resistências à disciplina bíblica.
- Argumento
do Amor –
a disciplina eclesiástica é contrária ao amor. Resposta (Rm 13. 8 – 10;.
Hb 12. 4 – 12)
- Argumento
da Liberdade –
a disciplina eclesiástica opõe-se liberdade. Resposta (Jo 8. 31 – 26; Tg
1. 25)
- Argumento
da Felicidade –
a disciplina eclesiástica opõe-se a felicidade do cristão. Resposta
(Sl 1; Is 48. 22; Hb 12. 11)
- Argumento
do Afastamento –
a disciplina eclesiástica afastará as pessoas da igreja. Resposta (Sl 37.
23, 24; 1Jo 2. 18, 19)
- Argumento
da Hipocrisia –
a disciplina eclesiástica é um ato de hipocrisia, pois todos na igreja são
pecadores. Resposta (1 Co 6. 1 – 11; At 5. 1 – 11)
- Argumento
da Injustiça - a disciplina eclesiástica pode ser
aplicada injustamente ou ser utilizada como instrumento de perseguição.
Resposta (Is 5. 20, 22; Mt 23. 1 – 36)
Diz o Código de Disciplina da IPB: “Disciplina
Eclesiástica é o exercício da jurisdição espiritual da Igreja sobre seus
membros, aplicadas de acordo com a Palavra de Deus”.
Na jurisdição espiritual, a Igreja exerce o direito de punir
os pecados dos seus membros, mesmo que esses pecados sejam práticas permitidas
na sociedade em que a igreja está inserida. A igreja não pode faltar no combate
ao pecado interno. A sua saúde espiritual depende da sua pureza. ‘Você pode ter
disciplina sem santidade, mas não pode ter santidade sem disciplina’[32]
Conclusão
Estamos em dias em que Disciplina Eclesiástica,
quando não desprezada, não é aplicada como deveria ser. Em dias de “crentes
melindrosos”, em época do “mercado eclesiástico”, muitos pastores e Conselhos
temem aplicar a Disciplina por medo e, principalmente, para não perder membros.
Mas, pergunto, uma árvore que é corretamente podada, tende a morrer ou dar
novos frutos?(Jo. 15.2)
[1]
Apresentado no 2o Encontro sobre Presbiterianismo, na Igreja Presbiteriana dos
Guararapes – PE, realizado nos dias 13 – 17 julho de 2009. Esta palestra foi
apresentada no dia 16.
[2] MOHLER, R. Albert. Church
Discipline – the missing mark. Disponivel em:
.
Acesso em> 15 jul 2009.
[4] SANTOS,
Valdeci da Silva. Disciplina na igreja. In: FIDES REFORMATA, v. 3, n.1, pp. 149 – 156.
[5] HARRIS, R. Laird et al. Dicionário
Internacional de Teologia do Antigo Testamento(DITAT). São Paulo – Ed. Vida
Nova, 1998, p. 632.
[6] WALTKE, Bruce
(org). New International Dictionary of Old Testament Theology and Exegesis(NIDOTE).:
Vol 2. Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1997, pp. 479 – 482.
[7] HARRIS, idem.
[8] Idem.
[9] Idem, p.
633; WALTKE, idem.
[10] HARRIS,
idem.
[11] Pediatria
e Pedagogia
[12]
COENEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo
Testamento(DITNT). vol. 1. São Paulo: Ed. Vida Nova, 2000, pp. 652 – 654.
[13] Note a
forma indicativa presente passiva do verbo
[14]
Em 1Co 11. 32b diz i[na
mh. su.n tw/| ko,smw|(hiná me sün tô
kósmô). Exatamente na conjunção de propósito mais preposição de associação.
Deus nos disciplina a fim de que não sejamos condenados juntamente com o
mundo.
[15] Idem,
p. 653
[16]
SITTEMA, John. Coração de Pastor – resgatando a responsabilidade
pastoral do presbítero. São Paulo: Ed. Cultura Cristã, 2004, p. 244, 245.
[17] Se não
foi por ignorância (Nm 15. 29 – 31)
[19]
Com isto não pretendo, em hipótese alguma, dizer que há “dois povos de Deus”.
Existe um, e somente um, povo de Deus, que existe desde a fundação do mundo.
Estes são chamados de “meu [de Deus] povo”(singular)
[20]
“Família de Deus” (Ef 3.14; 1 Tm 5. 1, 2; 2Co 6.18 etc) – Deus é nosso Pai;
“Noiva de Cristo” (Ef 5.32; 2Co 11.2; Ap 19.7; 21.9); “ramos de uma videira”(Jo
15.5); “oliveira”(Rm 11. 17 – 24), “lavoura”(1Co 3.6 – 9); “edifício”(1Co 3.9);
“templo”(1Pe 2.5); “corpo de Cristo”(1Co 12. 12 – 27); “casa de Deus”(Hb 3. 6).
[21]
Chamo a atenção para as preposições usadas por João. v. 11 - evn tw/| ko,smw|;(’en tô kósmô) v. 14 - ouvk eivsi.n evk tou/ ko,smou; (ouk eisin ek tu kósmu) v. 16 - evk tou/ ko,smou ouvk eivsi.n; (’ek tu kósmu ouk eisin) v. 18 - eivj to.n ko,smon\(’eis tón kósmon)
[22] HODGE,
A.A. Confissao de Fé de Westminster Comentada. São Paulo – Ed. Os
Puritanos, 1999, p. 491.
[23] Isto é
chamado de “governo teocrático”
[24] idem,
p. 496.
[25]
Chamo a atenção para o uso do particípio perfeito passivo em Mt 16.
19 e 18. 18, traduzido pela ARA como “terá sido ligado” ou “terá sido
desligado”, antecipado pelos subjuntivos
aoristos ativos. Aquilo que os
Oficiais declarassem na terra, já teria começado a acontecer
nos céus, embora a Igreja possa demorar a exercer a disciplina.
[26] GRUDEM,
Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo- Ed. Vida Nova, 1994, p. 748.
[27]
Cf. PORTELA, F. Solano; SANTOS, Valdeci; NICODEMUS, Augustus; KNIGHT III,
George. Disciplina na Igreja – uma marca em extinção. São Paulo: Ed. Os
Puritanos, 2001. CASIMIRO, Arival Dias. Resistindo a Secularização. São Paulo:
SOCEP, 2002, pp. 55 – 58.
[28] HODGE,
idem, p. 497; GRUDEM, idem, pp. 750 – 752. CALVINO, Juan. Institución de la religión cristiana. Tomo
2. Espanha: FELIRE, pp. 969 – 978.
[29] HOUSE,
H. Wayne. Teologia Cristã em Quadros. São Paulo: Ed. Vida, 1999, p. 134.
[30] Idem,
p. 135
[31] idem,
pp, 56, 57.
[32] Idem,
p. 59.
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