[“Enunciados
Autorrefutáveis” para InterVarsity Press
Dictionary of Apologetics]
Diversos tipos de
enunciados têm sido descritos como “autorrefutáveis”:
(1) Contradições
Lógicas, tais como “Sócrates é mortal e Sócrates não é mortal”. Se as duas
ocorrências de “mortal” nesse enunciado são predicados de Sócrates ao mesmo
tempo e ao mesmo sentido, então o enunciado não pode ser verdadeiro. A primeira
sentença refuta a segunda e vice-versa.
(2) Alguns enunciados
autorreferencias, ou seja, enunciados que se referem a si mesmos, são
autorrefutáveis, tais como “todo enunciado é falso”. Se esse enunciado é
verdadeiro, então ele é falso.
(3) Alguns enunciados
refutam a si mesmo, não por causa de seu conteúdo explícito, mas por causa
daquele que o pronuncia. Um exemplo é “eu estou mentido agora”. Geralmente, não
existe contradição envolvida em alguém dizer que está mentido. Substitua a
primeira pessoa pela terceira, “ele está mentido agora”, e a contradição
desaparece. Mas, na primeira pessoa, o enunciado é autorrefutável porque o
próprio ato de afirmar algo envolve uma pretensão de estar dizendo a verdade.
Então, “eu estou mentido agora” significa, de fato, “eu estou falando a verdade
e eu estou mentido agora”, que é uma contradição.
(4) Existem outras
formas “práticas” de autorrefutação que pertence mais ao falante do que às
próprias palavras que ele profere. Se uma pessoa diz que odeia feijão, mas ele
se empanturra com muito feijão, os observadores podem muito bem alegar que seu
comportamento refuta sua declaração. Seu enunciado em si não autorrefutável,
mas, num sentido importante, o enunciado tem refutado a si mesmo. Argumentar contra tal prática autocontraditória
é, claro, argumentar ad hominem.
(5) Algumas teorias
filosóficas podem ser ditas autorrefutáveis porque elas criam condições de
significado, racionalidade e/ou verdade que elas em si mesmas são incapazes de
cumprir. Ludwig Wittgenstein em seu Tractatus
Logico-Philosophicus, por exemplo, francamente admite no final que as
proposições de seu não ajustam ao seu próprio critério de significado.[1] Então,
ele sugeriu que tais proposições eram uma espécie de escada que se joga fora
depois que se usa para chegar a um ponto mais vantajoso. Posteriormente, os
Positivistas Lógicos insistiram que um fragmento da língua não pode,
significativamente, estabelecer um fato empírico (verdadeiro ou falso) a menos
que fosse empiricamente verificável por métodos semelhantes aos da Ciência
Natural. Mas, muitos perceberam que este “princípio de verificação” em si não
poderia ser empiricamente verificado dessa forma. Isso levou ao fim do positivismo lógico como
um movimento influente.
(6) Uma visão filosófica frequentemente
acusada de autorrefutação é a forma geral de ceticismo, que afirma não existir
verdade ou que nada pode ser conhecido. O anticético acusa o cético de cometer
o erro acima observado (2) quando: tentando afirmar verdadeiramente que não existem
verdades ou reivindicando saber que nada pode ser conhecido. Em resposta, o
cético pode (a) abandonar seu ceticismo; ou (b) modificá-lo para excluir suas
próprias afirmações (um movimento que pode ser facilmente critica com
arbitrário ou autopromoção); ou (c) modificar sua visão para permitir alguma
verdade conhecida. A alternativa (c) pode envolver algum tipo de distinção entre
verdades de primeira-ordem e verdades de segunda-ordem (i.e, verdades sobre
verdades), limitando o ceticismo a afirmações de verdade de primeira-ordem. Mas,
é difícil imaginar qualquer razão para ceticismo de primeira-ordem que se
aplicaria também ao ceticismo de segunda-ordem. Em todo caso, tal distinção convida,
naturalmente, para outros argumentos.
(7) Immanuel Kant argumentou que a verdade da
matemática e da ciência não pode ser provada por dedução racional (como
Leibniz) ou apenas pela experiência sensorial (Hume), mas por um argumento “transcendental”
que mostra as condições sobre as quais o conhecimento é apenas possível. Negar essa
teoria, Kant acreditava, é negar as condições necessárias ao conhecimento
enquanto afirma ter conhecimento, uma posição autorrefutável. Afirmações similares,
então, têm sido feitas por muitas teorias epistemológicas, algumas muito
diferentes da de Kant.
Os Apologistas Cristãos
tem, frequentemente, empregado o conceito de autorrefutação contra as alternativas
ao Teísmo Cristão. Gordon H. Clark, em A
Christian View of Men and Things e em outros escritos, é um dos muitos
apologistas que enfatizam as contradições lógicas dos pensadores não-Cristãos,
particularmente aqueles que representam o ceticismo. A obra de Stuart Hackett, The
Resurrection of Theism, no qual
desenvolve uma modificação do Argumento Transcendental de Kant, é outro exemplo
de obra apologética na qual esta abordagem é proeminente.
Francis Schaeffer
frequentemente empregava o sentido “prático”(4) da autorrefutação. Em The God Who is There (O Deus
que Intervém. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 115, 116. [N.T]),
Schaeffer refere-se a John Cage, que escreveu música “aleatória” expressando, assim,
sua visão de realidade governada pelo puro acaso. Mas Cage, como passatempo, também
colhia cogumelos, quando ele veio a dar-se conta de que ele morreria se ele
aplicasse sua filosofia do acaso ao recolher cogumelos. Na visão de Schaeffer,
Cage refutou a si mesmo naquilo que sua prática era inconsistente com sua
teoria.
Cornelius Van Til frequentemente
menciona em seus escritos (tais como Essays
on Christian Education, p. 89) um homem que ele viu no trem cuja filhinha
dava tapas no rosto do pai. Mas, ela não teria alcançado o rosto de pai se ele não
a tivesse mantido em seu colo. Van Til usa esse incidente para ilustrar sua visão
de que o não-Cristão não pode nem mesmo argumentar contra o Teísmo Cristão sem
depender dele. Para argumentar em tudo, mesmo contra o Cristianismo, deve-se
pressupor que o mundo é significante, é conhecível e exprimível em linguagem. Na
visão de Van Til, apenas o Teísmo Cristão fornece as condições que fazem tão discurso
possível. Então, a decisão natural do incrédulo em argumentar contra Deus
refuta a si mesmo. Este tipo de autorrefutação é similar a (3) e (4) acima,
porque a autorrefutação não se encontra diretamente no conteúdo da asserção,
mas na decisão do falante indicar aquela assertiva.
Bibliografia
Gordon H. Clark, A Christian View of Men and Things (Grand Rapids: Eerdmans, 1952).
Stuart Hackett, The Resurrection of Theism (Chicago: Moody
Press, 1957).
William Hasker, “Self-Referential Incoherence,” in Robert Audi, ed., The Cambridge Dictionary of Philosophy (Cambridge: Cambridge University Press, 1995), 721.
Francis Schaeffer, The God Who Is There (Chicago:
Inter-Varsity Press, 1968).
Cornelius Van Til, Essays on Christian Education (No date:
Presbyterian and Reformed, 1974).
Ludwig Wittgenstein, Tractatus Logico-Philosophicus (London: Routledge and Kegan Paul, 1921, 1963).
Traduzido
por Gaspar de Souza
[1] Diz
Wittgenstein: “Minhas proposições elucidam dessa maneira: quem me entende acaba
por reconhecê-la como contra-senso, após ter escalado através delas – por elas
– para além delas. (Deve, por assim dizer, jogar fora a escada após ter subido
por ela.) Deve sobrepujar essas proposições, e então verá o mundo corretamente.(Tractatus,
6.54) – N.T.
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