Você sabe exatamente onde está ? provavelmente sentado, lendo jornal. Uma das funções importantes do nosso cérebro é coletar as informações originadas nos órgãos dos sentidos, como visão e tato, processar essa informação e nos manter informados sobre nossa localização.
Apesar de o sistema de localização utilizado pelo cérebro ser muito estudado, havia uma polêmica entre os cientistas. Alguns acreditavam que esse sistema era resultado do aprendizado, sendo desenvolvido durante a infância. Isso sugeria que o cérebro de um recém-nascido se assemelha a uma página em branco, que é preenchida ao longo do desenvolvimento ? uma ideia associada ao pensamento de Descartes. Outros acreditavam que nascemos com um cérebro capaz de determinar nossa localização no espaço ? uma ideia associada a Kant, que acreditava que a noção de espaço e tempo é uma pré-condição para o aprendizado. A novidade é que estudos com ratos recém-nascidos demonstram que, ao abrirem os olhos, eles já possuem o aparato cerebral capaz de localizá-los no espaço.
Dificilmente encontraremos um rato em uma cadeira lendo jornal, mas foi no cérebro desse animal que o sistema de localização foi mais estudado. O rato utiliza a informação espacial para se orientar quando procura alimentos, parceiros sexuais ou quando volta para o ninho.
Há muitos anos foi descoberto que existem diversos tipos de neurônios envolvidos no processamento de informações espaciais. Esses neurônios foram descobertos quando cientistas implantaram minúsculos eletrodos no cérebro de ratos. Esses eletrodos são capazes de detectar a atividade de cada neurônio e enviar essa informação a um computador. Quando os ratos monitorados foram soltos em suas gaiolas e a atividade dos neurônios foi monitorada, os cientistas descobriram que existem diversas classes de neurônios.
Uma das classes, a dos neurônios "localizadores", dispara sinais elétricos quando o rato passa em um determinado local da gaiola. Para cada local da gaiola foi possível detectar vários desses neurônios. Existem neurônios para o canto esquerdo, o canto direito e assim por diante. Toda vez que o rato passa por esse local, independentemente de onde ele vinha ou para onde ia, esses neurônios disparam.
Um segundo tipo de neurônio, chamado de "direcional", dispara sempre que o rato está orientado em uma direção. Assim, por exemplo, um neurônio "direcional norte" dispara sempre que o corpo do rato está orientado em direção ao norte, independentemente de onde ele está na gaiola. Um neurônio "direcional sul" dispara quando o nariz do rato está apontado para o sul e assim por diante.
Habilidade inata. No novo experimento, os cientistas, usando técnicas de microcirurgia, foram capazes de implantar os eletrodos em dezenas de ratos recém-nascidos, que nunca haviam saído do ninho ou sequer aberto os olhos.
Os ratos foram colocados de volta no ninho e, dias depois, assim que saíram pela primeira vez para passear pela gaiola, seus neurônios já estavam sendo monitorados. A descoberta é que nesses ratos foi possível detectar a existência de neurônios "localizadores" e neurônios "direcionais" com características idênticas às existentes nos ratos adultos.
O fato de esses neurônios existirem antes de haver qualquer aprendizado sobre o ambiente sugere que os ratos nascem com a capacidade de se localizar. Portanto, ela deve estar codificada diretamente no seu genoma não dependendo do aprendizado. É mais uma demonstração de que nascemos com o cérebro parcialmente pré-configurado. Se Kant estivesse vivo, provavelmente ficaria feliz com essa descoberta.
Fonte: Estadão Online
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