Embora
os Apologistas concordem com a definição e objetivos básicos da apologética,
eles podem diferir significativamente sobre a metodologia apropriada da apologética. Ou seja, eles
discordam sobre como o apologista realiza sua tarefa – acerca de tipos de
argumentos que podem e deveriam ser usados e sobre a maneira que o apologista envolve o incrédulo no debate apologético. Para usar uma analogia militar, existem diferenças
de opinião sobre a melhor estratégia
para usá-la na defesa da fé. Essas diferenças na estratégia apologética geralmente
dependem de desacordos mais fundamentais a respeito de importantes assuntos teológicos
e filosóficos. E isto me leva à questão da taxonomia. [1]
Como podemos
esboçar as diferentes abordagens à Apologética? De todos os livros de
metodologia apologética, nem mesmo dois deles classificam os vários métodos
exatamente da mesma maneira. Por exemplo, Gordon Lewis classifica os métodos apologéticos
de acordo com suas respectivas epistemologias religiosas.[2] Ele distingue-os por aquilo que cada uma considera
ser a relação correta para aquisição de conhecimento das verdades religiosas. Com
base nisso, ele diferencia seis métodos apologéticos.[3]
A
Epistemologia Religiosa pode ser um fator decisivo em distinguir um método apologético
de outro. Por exemplo, dois dos métodos distinguidos por Lewis são o Empirismo
Puro, defendido por J. Oliver Buswell Jr.[4] e o Racionalismo,
defendido por Gordon H. Clark.[5] A
metodologia de Buswell requer que façamos observações do mundo e façamos inferências
causais a partir dessas observações, que ele acredita vai conduzir o observador
objetivo a crer em Deus e na Verdade da fé Cristã. Ele usa os argumentos teístas
clássicos e apela às evidências históricas para a ressurreição de Jesus. [Gordon]
Clark, por outro lado, repudia o uso de tais argumentos e evidências, em grande
parte por razões epistemológicas. Além do mais, ele argumenta que o apologista
deve começar com as Escrituras com um primeiro princípio. Ou seja, a Escritura
serve como um axioma racional por meio da qual todas as outras reivindicações da
verdade são testadas. Clark, então, afirma que o Cristianismo é o único sistema
coerente, [e] todas as outras cosmovisões são logicamente inconsistentes. Então,
a epistemologia religiosa destes dois apologistas leva-os a diferentes
abordagens apologéticas.
Não há
dúvida de que a epistemologia religiosa pode servir para demarcar diferentes métodos
apologéticos. Mas, é igualmente evidente que epistemologia religiosa não pode
sempre distinguir os métodos apologéticos. Tomemos novamente o Empirismo Puro
de Buswell, mas desta vez comparemos com o que Lewis chama Empirismo Racional, atribuído
a Stuart C. Hackett.[6] A epistemologia
de Buswell segue Locke e Hume, que criam que todo conhecimento surge a partir
da experiência. Hackett é um kantiano, que sintetiza racionalismo e empirismo. Como
Kant, ele acredita que o conhecimento começa com os dados brutos da experiência,
mas que estes dados são organizados e estruturados por categorias a priori
da mente.
Estudantes de
epistemologia sabem que estas abordagens do conhecimento são significativamente
diferentes, mas as abordagens apologéticas derivadas destas epistemologias,
para fins práticos, não diferem.[7] Se compararmos
o que Buswell realmente faz por meio de seus argumentos apologéticos, com o que
Hackett faz, vamos discernir pouca ou nenhuma variação. Hackett usa os
argumentos teístas para estabelecer a verdade da cosmovisão teísta. Ele, então,
como Buswell, apela às evidências históricas para estabelecer a ressurreição e
divindade de Cristo.
Assim, novamente, enquanto a
epistemologia religiosa seja certamente importante e possa desempenhar um papel
importante em distinguir um método apologético de outro, ela não é suficiente
(em todo caso) para distinguir um método de outro. Este sentimento é fortemente
ecoado por mais de um dos colaboradores deste volume. Gary Harbemas, por
exemplo, argumenta que sua abordagem evidencialista da apologética “pode ser favorecida
por qualquer dos diversos pontos de vista epistêmicos”(p. 93).
Bernard
Ramm, outro autor que escreveu um livro sobre metodologia apologética,
apresenta uma abordagem taxonômica mais promissora à apologética.[8] Ele distingue
três famílias de sistemas apologéticos.
1.
Sistemas que enfatizam a singularidade da Experiência Cristã da Graça. Ramm descreve várias características distintivas desta
abordagem apologética, mas chama a atenção para a ênfase colocada sobre a experiência
religiosa subjetiva. A ênfase recai aqui por causa de ênfases correlativas,
tanto na transcendência de Deus quanto no efeito noético do pecado. Desde que o
pecado cega a mente humana, e desde que Deus é tão diferente dos seres humanos,
Deus pode ser conhecido apenas através de alguma experiência supra-racional,
talvez até mesmo paradoxal, ou “encontro existencial”. Consequentemente, esta
abordagem tem pouco uso para a teologia natural ou evidências cristãs. A “experiência”
individual “da religião é tão profunda ou exclusiva ou auto-confirmada que a experiência
em si é sua própria prova”.[9] Ramm lista Pascal,
Kierkegaard e Brunner como membros desta família.
2.
Sistemas que enfatizam a teologia natural como o ponto do qual o apologista começa. Aqueles que seguem esta escola, deposita grande confiança
na razão humana para descoberta do conhecimento religioso. Consequentemente,
existe menos ênfase no efeito noético do pecado e na transcendência de Deus. As
verdades religiosas podem ser conhecidas e verificadas da mesma maneira que proposições
científicas podem ser conhecidas e verificadas. Entre aqueles que seguem este
método, se encontrará uso extensivo dos argumentos teístas e evidências
históricas para demonstrar a verdade do Cristianismo. Aquino, Buswell e Tennant
são proponentes tomados por Ramm como paradigma desta abordagem apologética.
3. Sistemas que enfatizam a revelação como fundamento sobre o
qual a apologética deve ser construída. Ramm descreve esta abordagem como correspondendo,
de certa forma, entre as duas primeiras. Como ele coloca, “a escola
revelacional acredita que a primeira escola é subjetivista demais... [e]
critica a segunda escola por não avaliar seriamente a depravação do homem”.[10] Em vez
de começar com o subjetivismo da experiência religiosa ou o racionalismo da
teologia natural, esta terceira escola começa com a verdade objetiva da
revelada Palavra de Deus. A razão tem um papel nesta abordagem, mas a razão é fundamentada
sobre fé na revelação de Deus e busca entender a revelação de Deus. A razão não
pode colocar-se como juiz da revelação de Deus. Esta abordagem põe grande ênfase
no efeito noético do pecado, mas talvez não tanto na transcendência de Deus.
Deus é capaz de revelar-se em forma proposicional ao ser humano através de uma revelação
escrita (i.e, a Bíblia) e pela obra do Espírito Santo é capaz de diminuir os
efeitos da cegueira do pecado na mente do crente. Esta escola concentra-se na apologética
negativa, embora exista algum uso limitado de argumentos teístas e evidências históricas.[11] Ramm
indica Agostinho, Calvino e Kuyper como defensores desta escola apologética.[12]
Traduzido por Gaspar de
Souza
[1] In: GUNDRY, Stanley N. ;COWAN, Steven B. Five Views on Apologetics. Zondervan
Counterpoints Collection. Grand Rapids, MI: Zondervan, 2000, p.9 – 12.
[2] Gordon R. Lewis, Testing Christianity’s Truth Claims
(Chigago: Moody Press, 1976).
[3] Os seis métodos/epistemologias são (1) Empirismo
Puro, exemplificado no século vinte por J. Ollver Buswell Jr; (2) Empirismo
Racional, que Lewis atribui a Stuart C. Hackett; (3) Racionalismo,
que, de acordo com Lewis, é a epistemologia e o método de Gordon H. Clark; (4) Absolutismo
Bíblico, advogado por Cornelius Van Til; (5) Misticismo, exemplificado
pela obra de Earl E. Barret e; (6) Verificacionismo, que é o que Lewis atribui
a E.J. Carnell.
[4] Veja o A Christian View of Being and
Knowing (Grand Rapids: Zondervan, 1960), de Buswell.
[5] Algumas obras de Clark
incluem A Christian View of Men and
Things (Grand Rapids: Eerdmans, 1952) e Three
Types of Religious Philosophy(Nutley, N.J: Craig, 1973). Nota do Tradutor: Ambos os livros
encontram-se traduzidos para o português, sob os respectivos títulos: Uma Visão
Cristã dos Homens e do Mundo(Brasília, DF: Editora Monergismo, 2013) e Três Tipos de Filosofia Religiosa
(Brasília, DF: Editora Monergismo, 2013). Visite o site: www.editoramonergismo.com.br
[6] O método e epistemologia de
Hackett podem ser encontrados em The
Reconstruction of the Christian Revelation Claim: A Philosophical and Critical
Apologetic (Grand Rapids :Baker, 1984)
[7] Este
ponto, claro, é baseado na suposição de que metodologia
apologética tem algo a ver com a forma como alguém faz apologética.
[8] Bernard Ramm, Varieties of Christian Apologetics
(Grand Rapids: Baker, 1961), 14 – 7.
[9]
Ibidem, 15.
[10]
Ibidem, 16.
[11] De
fato, esta Escola não menospreza o uso dos Argumentos Teístas e Evidências
Históricas como alguns equivocadamente afirmam. Porém, tais argumentos não são
vistos neutramente, mas dentro de uma
estrutura epistemologicamente bíblica. Cf. Cornelius Van Til, Christian
Theistic Evidences (In Defense of the Faith, vol. 6). Phillipsburg, NJ:
Presbyterian and Reformed Publishing, 1978. [Nota do Tradutor]
[12] Em um a edição mais antiga de
seu livro (Types of Apologetics Systems[Wheaton:
Van Kampen, 1953]), Ramm lista Cornelius Van Til e E.J. Carnell como seguidores desta
abordagem.
Nota do Tradutor: Certamente é um equívoco colocar Van Til e
Carnell na mesma Escola, e isso a partir do próprio ponto de vista do Dr. Van
Til, que embora reconhecesse o valor da obra do Dr. Carnell, o considerava um apologista
reformado inconsistente. Diz Van Til: “O falecido Edward John Carnell, autor de
An Introduction to Christian Apologetics, e professor de apologética do Fuller
Theological Seminary, foi o escritor da série [de artigos no Moody Monthly
Magazine]. Os escritos de Carnell estavam entre os melhores dos que apareciam
nos círculos evangélicos. De fato, em seu livro sobre apologética, Carnell com
frequência argumenta como esperaríamos de um apologista reformado. Contudo,
em toda a extensão, ele representa o método arminiano, em vez de o
método da apologética reformada”(VAN TIL, Cornelius. O Pastor Reformado e o Pensamento Moderno. São Paulo, SP: Editora
Cultura Cristã, 2010, p.44)(grifos meus).
Um comentário:
Grande Gaspar!
Parabéns e obrigado pela tradução. Também seu comentário é oportuno. Estou começando a ler O Pastor Reformado e o Pensamento Moderno do Van Til. Geralmente aprecio suas indicações de obras.
Aquele abraço,
Emerson.
Postar um comentário