segunda-feira, 31 de março de 2014

O Assalto ao Poder - Agnaldo Del Nero Augusto


O Sinal Verde de Moscou
            [Luiz Carlos] Prestes estava mais uma vez convencido de que a estratégia que ele mesmo traçara para o partido levá-lo-ia, brevemente, ao poder.
            O PCB e as organizações sindicais dominadas pelo partido ou por ele infiltradas haviam apoiado a campanha do plebiscito com um programa mínimo que consubstanciava as tradicionais bandeiras do partido: a legalidade, a reforma agrária radical, a nacionalização de empresas estrangeiras, o rompimento com o FMI, a revogação da Lei de Segurança Nacional.
            As tentativas revolucionárias de inspiração cubana em vários países da América Latina – contrárias à linha política do PCB –, iniciadas na década de 1960 em Honduras, Guatemala, Nicarágua, Venezuela, Peru, Colômbia, Argentina e Equador, se haviam esgotado no nascedouro ou estavam derrotados no final de 1963.
            Julião desaparecera. Ao candidatar-se a uma vaga de deputado pelo PSB de Pernambuco, desviara meios e recursos das ligas camponesas para sua cam­panha, entrando em choque com Morais, que comandava o setor armado Morais. Morais exigiu que ele devolvesse os veículos desviados, colocasse as sobras de campa­nha à disposição da luta guerrilheira e dissolvesse o Movimento Tiradentes. Deci­diu tomar à mão armada o jornal semanal A Liga, que sob a direção do jornalista Jânio de Freitas, seu editor, transformara-se em um órgão a serviço de interesses de intelectuais, como o jornalista e sociólogo Luciano Martins, o advogado Afrâ­nio Araújo, o sociólogo Wanderley Guilherme dos Santos, o advogado Carlos Franklin Paixão de Araújo e o poeta Ferreira Gullar, entre outros.
            As ligas camponesas tinham sido praticamente extintas quando o PCB e a Igreja Católica fundaram a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, em dezembro de 1963. Assumiu a presidência da CONTAG o pecebista Lyndolfo Silva, que a filiou ao CGT.
            Quase todos os empecilhos para a vitória da linha política do partido estavam praticamente afastados.
            Em janeiro de 1964. Prestes parte para Moscou, aonde vai prestar contas dos resultados obtidos nos dois últimos anos de trabalho do PCB, desenvolvido à luz da estratégia traçada por ele e por Kruschev em novembro de 1961.
            Reúne-se com os principais detentores do poder na URSS: além do próprio Kruschev e de seu ideólogo Mikhail Suslov, Leonid Brejnev e Iuri Andropov, secre­tários do Comitê Central do Partido, e Bóris Ponomariov. Chefe do Departamento de Relações Internacionais. Nessa ocasião, pinta o seguinte quadro da situação brasileira, enfatizando os seguintes pontos:
            "A escalada pacífica dos comunistas no Brasil para o poder abrindo a possibilidade de um novo caminho para a América Latina.
            Um poderoso movimento de massas sustentado pelo poder central e ten­do no seu núcleo um dos partidos comunistas mais sólidos do continente encontra-se instalado no seio do aparato estatal.
            Um exército penetrado dos pés à cabeça por um forte movimento nacionalista e antiimperialista
            A tomada do controle do estado burguês de seu interior para fora.
            Oficiais nacionalistas e comunistas dispostos a garantir pela força, se necessário, um governo nacionalista e antiimperialista.

Depois prossegue:
            A luta pelas reformas de base constitui um meio para acelerar a acumalação de forças eaproximar a realização de objetivos revolucionários;
            A premissa básica para a realização das reformas de base será a instalaçã de um governo nacionalista e democrático, uma vez que somente um governo desse tipo terá condições para começar a levá-las à prática, induzindo o País por um novo curso de desenvolvimento econômico e político.
            O arcabouço institucional impede as reformas, pois e/as dependem de dois terços do Congresso, tornando-as irrealizáveis, dado que ele é majoritariamente anti-reformas
            O grande trunfo será o dispositivo militar, capaz não só de barrar um golpe ou uma reação da direita, mas, por uma ação enérgica e com o apoio das massas desencadear o processo de reformas.
           A exemplo de 1935, a revolução deveria começar, novamente, pelos quartéis.
           Implantaremos um capitalismo de Estado, nacional e progressista, que será a ante-sala do socialismo.

             Conclui o seu relatório afirmando a intenção de, "uma vez a cavaleiro do aparelho do Estado, converter rapidamente, a exemplo da Cuba de Fidel, ou do Egito de Nasser, a revolução nacional-democrática em socialista" (os grifos são nossos).

            A estratégia descrita por Prestes ajustava-se perfeitamente à política de coexistência pacífica da URSS. Não envolveria diretamente a grande potência comunista no conflito e evitaria um confronto com os EUA, de nenhum modo desejado depois da crise dos mísseis em Cuba. Ao mesmo tempo, no âmbito da disputa pela hegemonia do movimento comunista internacional, serviria como resposta às críticas chinesas à política soviética da coexistência pacífica.
           A URSS não só concordou com a estratégia descrita por Prestes como “comprometeu-se novamente com qualquer tipo de auxílio, do político ao militar”.


Fonte: AUGUSTO, Agnaldo Del Nero. A Grande Mentira. Rio de Janeiro, RJ: Biblioteca do Exército Editora, 2001, p.121, 122.

Nenhum comentário: