sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Ferreira Gullar: “Lula comprou os pobres do Brasil”

Alexandra Lucas Coelho/Público

Aos 80 anos, Ferreira Gullar continua de cabeleira branca pelos ombros e mão enérgica a bater na mesa, quando sobe de tom, no seu apartamento cheio de livros e quadros, em Copacabana.

Parece tão em forma quanto está: “Não tenho nenhuma doença.”

Nascido em São Luís do Maranhão, Nordeste do Brasil, vive no Rio de Janeiro desde os 21 anos. Foi comunista filiado, lutou contra a ditadura, esteve preso. Tem uma longa e variada bibliografia, com destaque para a poesia. Recebeu este ano o Prêmio Camões, o mais importante da língua portuguesa.

A conversa começou exaltada e terminou amena. Ferreira Gullar explicou depois que tivera umas conversas políticas que o tinham irritado. E mais para o fim da entrevista dirá, meditativo: “Possivelmente nós vamos perder a eleição.”
A campanha ferve.

Público – Publicou um texto chamado “Vamos errar de novo?”, a apelar ao voto em José Serra. Não faz parte de nenhum partido. Porque sentiu necessidade de intervir?

Ferreira Gullar – Como cidadão, não só tenho o direito como o dever. Sempre participei politicamente.
É uma eleição bastante importante. Pode significar uma mudança para o país e ter consequências sérias.

Público Há quem ache o contrário, que nada de essencial se vai alterar, seja quem for que ganhe.

FG - [Batendo com a mão na mesa] A permanência do PT no poder é uma ameaça à democracia brasileira. Está vendo o que acabou de acontecer? Espancando o Serra!

Público – Foi um rolo de papel [atirado à cabeça de Serra num passeio de campanha].

FG – Ah, não, isso é o que o Lula diz. Não acredito no Lula, é um mentiroso.

Público – A campanha de Serra é que diz que foi um rolo de adesivos de campanha.

FG – Um rolo pesado. E uma repórter da “Globo” levou uma pedrada na cabeça. Mas não importa o que foi. Não tem que agredir os outros.

Público – Acha que é um sintoma de como a campanha está?

FG – Não, o PT é isto. A televisão mostrou um vídeo [dos anos 90] com José Dirceu, então presidente do PT, dizendo: “Esses nossos adversários vão ter de apanhar na rua e nas urnas.” O que é que acha disso? Apanhar nas ruas faz parte da campanha? Eles espancam as pessoas. Eles espancaram duas vezes o Mário Covas [governador de São Paulo nos anos 90, já desaparecido, fundador do PSDB]. O PT é fascista.

Público – A Dilma também levou uns sacos de água. A minha pergunta…

FG – O PSDB se caracteriza por ser um partido pacífico. Não é que sejam santos. É que não é o estilo deles. No caso do PT, não. O PT é isto. Vem dos sindicatos, que são dominados por gangues. O Lula pertencia a um deles. São gangues, que ocupam as instituições, a máquina do Estado. A Petrobras hoje está infiltrada de gente do PT e dos sindicatos.

Público – Em relação ao currículo do Serra, o senhor cita a criação dos genéricos, o plano de tratamento da sida. Exemplos de currículo como ministro da Saúde, como ele foi no governo Fernando Henrique. Por que acha que ele daria um bom presidente?

FG – Porque foi um excelente governador em São Paulo. As obras dele no plano social, da saúde, da educação, comprovam que é um homem responsável e um administrador efetivo. Como prefeito, a mesma coisa. Agora, a Dilma, sabe de alguma coisa que ela fez?
Todo o mundo conhece o José Serra no Brasil. Ele tem quase 50 anos de vida pública, e nunca foi acusado de ser corrupto, safado, de se apropriar de dinheiro público, de entrar em falcatruas. Será que isso não é um crédito?

Público – Maria da Conceição Tavares [ver entrevista online], que conhece muito bem Serra desde o exílio no Chile, diz que ele mudou para a direita. O que diz disto?

FG – Queria só que ela me explicasse se ela é de esquerda. Porque, veja bem, o Lula é aliado do Collor [de Melo]. Ele é de esquerda? Por acaso a campanha deles é de esquerda? Aliado com Collor, aliado com o bispo [Marcelo] Crivella, que é um safado, braço direito do bispo [Edir] Macedo, que enriqueceu com o dinheiro das empregadas domésticas, criando a Igreja Evangélica do Reino de Deus. Acha que isso é esquerda?

Público – Estou lhe pedindo um comentário sobre o que a Maria da Conceição Tavares disse sobre Serra.

FG – A Conceição Tavares afirmar que o Serra é de direita supõe que a Dilma é de esquerda. Então eu estou dizendo quais são os aliados da Dilma.

Público – Acha que a Dilma não é de esquerda?

FG – A Dilma de esquerda? Mas o PT não é de esquerda. É um partido corrupto. O PT de esquerda já acabou há muito.
O comunismo chegou ao fim. Nós todos, que participamos dessa aventura, somos obrigados a reconhecer isso. Cumpriu a sua tarefa, mudou o mundo, a relação de trabalho, as conquistas dos trabalhadores, tudo foi consequência de uma luta que começou com o Manifesto Comunista, de 1848. E esgotou a sua tarefa. Então se acabou a URSS, alguém sonha que vai fazer socialismo no Brasil? Só piada. Só o Hugo Chávez.

Público – Não é isso que Lula e Dilma propõem.

FG – Estou abrangendo a coisa de maneira ampla. Porque é que as FARC [guerrilha colombiana] viraram uma organização de narcotráfico? Porque não têm mais perspectiva. Vai fazer revolução na Colômbia? Socialismo? Acabou na URSS, acabou na China e vai começar na Colômbia?

Público – Sempre que se fala no Serra, as pessoas acabam falando do Lula, e eu queria falar um pouco do Serra.

FG - Se a Maria da Conceição disse que ele era de direita, estou mostrando que isso é uma bobagem. Eu conheço a Maria da Conceição, é minha amiga. E ela própria não é de esquerda, porque ninguém é mais de esquerda! Acabou isso, gente.

Público – Acha que já nem existe esquerda?

FG – Lutamos pela reforma agrária, pelas conquistas dos trabalhadores. Alguém hoje é contra a reforma agrária no Brasil? Como vai distinguir direita de esquerda? Essa diferença só existe na cabeça da Conceição Tavares e de algumas outras pessoas.

Público – Falei com pessoas que iam votar no Serra, mas ficaram desapontadas com a discussão em torno do aborto. Acharam que o PSDB e Serra não a deviam ter levado naquela direção, tornando-a religiosa, ao tentarem pôr em causa a eventual contradição de Dilma.

FG – Essa questão do aborto não foi levantada pelo Serra. O problema real é o seguinte: o PT é a favor do aborto, a Dilma é a favor do aborto, eu sou a favor do aborto. O Serra tem a mesma posição. Agora, com a candidatura da Marina, os religiosos tomaram uma posição que ameaçava todos os candidatos. Então a Dilma tratou de tirar o corpo fora e o Serra também. Falaram: “Não, não quero perder o voto dos religiosos…”

Público – É isso que pergunto, não foi tudo uma falsa discussão?

FG – Você entregaria uma empresa sua para ela dirigir, sem ter tido qualquer experiência anterior?

Público – Mas deixe-me perguntar-lhe…

FG – [Ferreira Gullar zanga-se por estar sendo interrompido e propõe acabar a entrevista. Acabamos por retomar no ponto em que ele estava.]
Eu tenho uma empresa. Porque o meu tio me disse que Maria é competente, sem ela nunca ter gerenciado nada, vou entregar a ela? Não entrego. Compreende? Essa é a situação. Não estou dizendo que o Serra é perfeito. O Serra tem mais que mostrar do que ela. Eu tenho mais confiança nele porque ele tem trabalho feito, e ela nenhum! A Maria da Conceição e o Chico Buarque só votam nessa coisa porque têm nostalgia da esquerda! Têm de abrir a cabeça para um mundo novo! O comunismo já era, acabou! Sem contar que foi uma besteira. O que é que é Cuba? Eu defendi Cuba, fiz poemas sobre Cuba. É um fracasso completo! Como podem defender uma sociedade em que as pessoas não têm o direito de sair de lá? Em troca de quê? Terá por acaso riqueza lá? Não. É miséria, subdesenvolvimento econômico e falta de liberdade. Eu não vou defender isso, meu Deus. Quero ter o direito, se acho que o país é uma merda, de sair daqui na hora que eu quiser. Compro uma passagem e vou para Lisboa! Agora! Não tenho de pedir licença a ninguém! E o Chico e a Maria da Conceição defendem isso! Que moral têm essas pessoas para defender alguma coisa justa? Aí fica o Serra de direita? É de direita porque não concorda com isso. Ser de esquerda é o quê? Achar que as pessoas não têm o direito de sair do seu país quando quiserem? É isso que é ser de esquerda? Isso é uma besteirada. Tem de acabar com essa conversa. Eles têm medo de serem chamados de direita. Eu não tenho. Porque eu não sou. Tenho a certeza absoluta da minha entrega a uma luta a favor das pessoas, de uma sociedade melhor. Não tenho de dar explicação a ninguém. Mas o Chico tem medo de parecer que é de direita. Problema deles.
Quando é que o Serra foi de direita? Um cara que teve de ser exilado, que lutou contra a ditadura, que sempre defendeu posições a favor de uma sociedade mais justa, medidas a favor das pessoas mais pobres, e tomou medidas efetivamente. Quando o Serra conseguiu introduzir os genéricos, a minha mãe, estava em São Luís do Maranhão, doente. E sabe o que é que o PT espalhou? Que o genérico era falso, que era só farinha e terra, não era remédio. Eu mandava dinheiro para comprar remédio para minha mãe, e falei: “Comprem genérico.” E o meu irmão falou: “Ah, não, genérico é terra. O PT já nos explicou.” Isso é o PT.

Público – O que achou do “show” de apoio a Dilma com Chico Buarque, Oscar Niemeyer, Leonardo Boff, no Teatro Casa Grande, aqui no Rio [segunda-feira passada]?

FG – Campanha eleitoral. Hoje o Teatro Casagrande se chama Oi Casagrande, porque a empresa Oi mandou botar. Não tem mais nada a ver com aquele passado. Eu pertenci ao grupo que realmente lutou contra a ditadura, o Opinião. Nunca ficou rico. Fomos todos presos.

Público – O senhor foi preso com o Gilberto Gil e o Caetano em 1968.

FG – É. Mas o nosso teatro teve bomba lá dentro. E começou a lutar em Dezembro de 1964 [meses depois do golpe militar].

Público – O senhor filia-se no Partido Comunista do Brasil no começo de 1964, não é?

FG - Entrei no dia do golpe, 1º de Abril de 1964.

Público – Todos conhecem o seu percurso contra a ditadura, e o percurso do Serra também. Mas vamos esquecer essa parte da direita e esquerda. Em relação a Dilma, o senhor diz que ela é uma desconhecida. Mas foi ministra…

FG - Sem qualquer expressão. O que é que ela fez como ministra? Nada. Foi secretária no Rio Grande do Sul, e segundo a informação de lá foi um fracasso completo como administradora.

Público – … e foi Chefe da Casa Civil de Lula, o que lhe dá um conhecimento de todo o governo.

FG – Mas a Casa Civil é um orgão de assessoria do presidente. É técnico, não realiza nada. Quando diz: “Nós fizemos…” É tudo mentira, não fez nada. Não estou dizendo se é competente ou não, não sei. Agora, que fez, não fez.

Público – Por que é que o senhor acha que é ela a candidata?
FG
– Porque o Lula quer voltar em 2014. E então botou uma marioneta. Uma pessoa que milita na política desde os 17 anos e nunca se candidatou: acha que é por quê? Nunca se candidatou a nada e vai-se candidatar a presidente da República porque o Lula inventou. Não foi iniciativa dela. Jamais se atreveria. O Lula fez as contas e viu que para voltar tinha de botar uma marionete. Se pusesse um cara como o Ciro Gomes [ex-candidato à presidencia, que depois foi ministro de Lula], não ia voltar, porque o Ciro ia se recandidatar.

Acha que a estratégia do Lula é essa?

FG – É. O Lula é a fome do poder. Transparece nele. É a arrogância. Como toda a pessoa ignorante, chega a um ponto e não tem autocrítica, não tem medida. Ele disse várias vezes que é o único presidente do Brasil em 500 anos. Porque veio do povo. Do povo veio também Fernandinho Beira-Mar, do povo vem qualquer coisa.
Para quem não sabe, Fernandinho Beira-Mar é um narcotraficante.
Um bandido, homicida, dos mais cruéis. Veio do povo. Mais povo que o Lula.
Então, tem de ver o que o cara fez. Ele nunca leu um livro. Acha que uma pessoa que nunca leu um livro pode conhecer o Brasil? Sabe do Brasil como? De orelha?

Público – Que nunca leu um livro?

FG – É. O Lula. Ele declarou, pessoalmente.

Público – O senhor acredita nisso?

FG – Ele declarou, em 1980. Disse: “Só leio jornal.” E depois declarou: “Nem jornal, porque vive me perseguindo.” Todo o mundo sabe que ele não lê. Foi deputado federal e não participou em nenhuma Comissão. Não fez nada. Não parou no Congresso, porque não aguenta. Ele não conhece leis, como é que vai ser deputado? Se vai fazer leis, tem de conhecer as leis que existem. E ele não lê, tem horror disso. Só faz política. Ganhou a eleição em 2002 e não saiu do palanque até hoje. Não é ele que administra o país. Ele só se reúne para saber se aquele projeto que o ministro tal está propondo prejudica a popularidade dele ou não. Se prejudica ele não quer saber qual é a consequência.

Público – O senhor sempre o viu assim, ou houve algo que tenha mudado a sua visão?

FG – Defendi a criação do PT quando o Partido Comunista, ao qual eu pertencia, era contra.

Público – Mas em relação a ele? Li que o ouviu no Teatro Casa Grande e logo aí não gostou do tom.

FG – Achei estranho as bobagens que disse. A primeira coisa foi que era contra a burguesia de Ipanema. Só que todas as pessoas que estavam ali, nós todos, éramos de Ipanema [ri]. Então não sabe nem do que está falando. Ele é o maior mentiroso que já conheci. Fala com uma arrogância inacreditável as maiores mentiras como se estivesse dizendo uma verdade sagrada. Ele é uma coisa especial, isso eu sou obrigado a reconhecer. Nunca vi alguém falar uma mentira com tanta convicção, com tanta paixão, sabendo que é mentira.

Público – O Lula tem 80 por cento de aprovação. Como explica esta popularidade? Quer dizer que 80 por cento das pessoas estão enganadas?

FG – Primeiro, ponho em dúvida o resultado da pesquisa. As últimas pesquisas davam a Dilma vitória no primeiro turno. Davam que a Marinha tinha 10 por cento e teve 20 por cento. Então, pesquisa… E essa do Lula nunca foi testada. Não se sabe se isso é verdade. Que tem popularidade tem, mas o índice não sei.
O demagogo, que visa conquistar as pessoas, e com a veemência que ele tem, porque é de fato um orador convincente… Acho que é isso que explica [a popularidade].
Bolsa Família. Foi ele que criou? Chamava-se Bolsa Alimentação, criada pelo Serra, no governo Fernando Henrique. E o Lula foi para a televisão dizer que a Bolsa Alimentação transformava o trabalhador em mendigo. Era contra a Bolsa Família que então se chamava Bolsa Alimentação! Enquanto isso, o ministro da Educação criou a Bolsa Escola. O Lula veio, juntou as duas e botou o nome Bolsa Família. A base da estabilidade financeira do Brasil se chama Lei de Responsabilidade Fiscal. O PT, orientado pelo Lula, votou contra na Câmara e no Congresso, perdeu nos dois, entrou com uma ação no Supremo para anular a lei. E até hoje essa ação está no Supremo. Essa lei impede que os prefeitos e governadores gastem além do que recolhem de imposto, porque isso tornava a inflação do Brasil incontrolável. Com essa lei, acabou.
O PT foi contra tudo o que todos os governos fizeram: Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique. Tudo! Negaram-se a assinar a Constituição em 1988!

Público – O senhor acha que isso significa o quê?

FG – Que não têm responsabilidade com o país. São um grupo de demagogos que querem o poder e se opõem a tudo. Vêem em cada medida correta uma ameaça ao futuro poder deles. Se tivessem conseguido anular a Lei da Responsabilidade Fiscal, anular o Plano Real, em que o Lula foi para a televisão dizer: “Isto é uma mentira eleitoral que não durará três meses.” Ele disse isto, todo o mundo sabe. É que o país não tem memória.
Se tivessem conseguido anular essas medidas, não haveria governo Lula, porque ele herdou e se apropriou de tudo o que foi feito antes, que ele combateu ferozmente!

Público – PT e Lula dizem, por exemplo, que herdaram a dívida externa, que quando começaram a Bolsa Família a situação estava muito mal, e que conseguiram dar a volta. O Brasil passou a ser credor, em vez de devedor.

FG – Escuta, o Fernando Henrique, com as medidas que tomou, acabou com a uma inflação que chegava a dois mil por cento ao mês. Quando o Lula se apresentou candidato, contra todas essas coisas, evidentemente criou uma crise econômica, porque todos os investidores estrangeiros tiraram o seu dinheiro, assustados com o que ia acontecer. Ele estava na frente, ia ser o presidente da República. A crise que se criou foi em função dele. Depois, quando escreveu a carta à nação brasileira em que dizia que abria mão de todas as coisas que tinha dito antes, e virou o Lulinha-Paz-e-Amor, aí as pessoas voltaram. Mas a inflação já tinha sido deflagrada. Pouco tempo depois o equilíbrio voltou quando as pessoas perceberam que ele ia fazer o mesmo governo do Fernando Henrique.
Pegou o Bolsa Família, que atendia 4 milhões, e botou para 11 milhões. O que significa um terço da população brasileira. Ao juntar os dois programas tornou impossível fiscalizar de fato a realização. Todo o mundo sabe hoje que o sistema é: eu recebo Bolsa Família enquanto estou desempregado. O que é que os trabalhadores fazem? Se empregam e pedem para o patrão não assinar a carteira de trabalho. Então, ficam ganhando salário e bolsa. Como são 50 milhões não dá para fiscalizar.
Tem vários municípios no Maranhão em que ninguém trabalha. Vive todo o mundo do Bolsa Família.

Público – O senhor que vem lá do Nordeste, a região mais pobre do Brasil, não é sensível ao fato do Lula ser o homem que tira uma fatia dos brasileiros da miséria e faz deles cidadãos, pessoas que podem ter uma conta no banco, que podem comprar uma geladeira?

FG – Exatamente porque conheço o Nordeste é que tenho um juízo diferente. Primeiro, no Nordeste ninguém passa fome. Todo o mundo tem um pedacinho de terra. Essa miséria que tem na cidade não tem no campo. A outra coisa é o que contei do remédio genérico. O que tem no Nordeste é falta de conhecimento, de informação e a propaganda que o PT faz. Onde há mais necessidade, e a pessoa ganhou o Bolsa Família, é claro que fica grata. Mas isso é a fonte do populismo. Por que é que o [Paulo] Maluf é votado em São Paulo até hoje, apesar de ser ladrão, comprovado? Porque deu casinhas para uma porção de gente. É o lema que se conhece no Brasil: “Rouba, mas faz.” Essa é a explicação para o Nordeste. Exatamente quem é mais miserável, qualquer coisa que dê ganha ele. Difícil é conquistar o cara que vive por sua conta. Difícil é conquistar a mim, que trabalho e vivo do meu dinheiro. Não me conquistam comprando, como o Lula comprou todos os pobres do Brasil. Por isso é que ele tem 80 por cento de aprovação. Ele comprou os pobres. Não tem preocupações de fiscalizar, e pôr em prática a natureza do programa, que é quando o cara conseguir trabalho sair do programa. Ele quer que tenha cada vez mais gente no programa. Ou seja, pessoas sem trabalho e dependentes da bondade dele. Não está precupado em resolver problema social nenhum.
O Lula é um esperto. Só pensa no poder dele. Foi para o Ahmadinejad fazer o quê? Um bandido. Um facínora. O cara que diz que não houve Holocausto. Que diz que o atentado das Torres Gêmeas foi uma invenção dos americanos. Esse cara não tem qualificação de estadista. E o Lula trata ele como se fosse um estadista. Foi para lá achar que ia resolver o problema da pacificação, porque ele é doido. É megalomaníaco.

Público – O argumento de Lula e do PT é que ele está tentando fazer a ponte entre Norte e Sul, Ocidente e Irã.

FG - Veja o seguinte. Aquela luta dos palestinos lá, tem mais de 60 anos. Todos os estadistas do mundo tentaram resolver e não conseguiram. E o Lula vai conseguir, sem ter lido um livro? Realmente! Alguém acredita nisso? O Lula, que mal sabe quem é. Chega lá no Oriente, quando o Brasil não tem nada a ver com aquilo lá. Não está ligado efetivamente àquela parte do mundo. Demagogo. Para ter projeção internacional, porque ele é mega. Ele é a vergonha do Brasil. É uma vergonha.

Público – Mas tem prestígio internacional. Como explica isso?

FG - Tem prestígio na área que acha que operário é melhor. É a herança marxista que ficou. Hoje, todo o professor universitário acredita nisso. Operário é o salvador do mundo.

Público – Estou falando de governos. Ele tem prestígio entre governos.

FG – Isso vem do fato de o Brasil eleger um operário presidente da República. E as pessoas não têm conhecimento do que acontece aqui. Será que um redator do “Le Monde” conhece o Brasil mais do que eu? Não conhece. Sabe de ouvir dizer. Há uma lenda em torno do Lula.
Alguém sabe o que aconteceu quando ele foi preso? Alguém leu a entrevista do César Benjamin, quando o Lula entrou na prisão, a primeira, única vez em que foi preso? [Põe uma voz de astuto]: “Aqui não tem mulher? Como é que vai ser ‘trepar’ aqui?” Foi a primeira pergunta dele ao ser preso. Isso é que é o Lula.
A Heloísa Helena, que foi do PT até há pouco tempo, nos contou: “Vocês não conhecem quem é o Lula, como ele trata as pessoas, nas reuniões.” [Ferreira Gullar projeta a voz]: “Ó seu ‘veado’ , quer parar de falar isso?’, “Cala a boca, ó ‘veado’. Filho da Puta.” É assim. Ele é isto. O Lula é essa grossura.
Outro dia passou um pequeno vídeo, ele com o governador do Rio, e um menino de favela. Não sei como, alguém com celular, filmou. [Lula falou] assim para o garotinho: “O que é que você gostaria de ser?” “Eu gostaria de ser tenista.” E o Lula: “Ó seu ‘veado’, tênis é coisa de burguesia!” Para o garoto!

Público – Chamou o garoto de “veado”?

FG - “Tênis é coisa de burguesia, cara!”

Público – Mas chamou “veado”? [No vídeo, o que Lula diz ao garoto é: “Tênis é esporte da burguesia, pôrra.” Não o trata por “veado”.]

FG – Sei lá. Insultou o garoto. O que importa é que tratou o garoto como se fosse um adulto. O verdadeiro Lula é este.
A minha felicidade é que dentro de três meses ele sai da televisão e me deixa em paz. Pára de mentir.

Público – É mesmo uma coisa violenta para si, essa relação com o Lula.

FG – Porque ele mente sem parar. Eu amo o meu país e tenho horror a uma pessoa que fez com o Brasil o que ele fez. Ele é uma grande embromação. Tenho a certeza de que muita gente na Europa acha que o Lula é de fato o que muita gente acha que ele é. Mas eu sei o que ele é. A primeira coisa que fez aqui no Rio, depois das bobagens que disse sobre a burguesia no Teatro Casa Grande, foi transar a mulher de um burguês, amigo dele, burguês de esquerda, da alta aristocracia carioca. Virou amante dela numa semana. Esse é o Lula. Não tem nada a ver com classe operária, com coisa nenhuma. É um espertalhão.

Público – A Maria da Conceição Tavares diz que hoje ele é um social-democrata.

FG – Quem ensinou ao Lula isso? Foi ela? Porque ele não lê livro nenhum. Quem é que ensinou a social-democracia para ele? Ela está muito enganada com ele. O pessoal de esquerda não quer aceitar que isso acabou. Meu amigo Oscar [Niemeyer] não quer aceitar. O nosso querido Saramago não queria aceitar. É chato aceitar. Eu também vivi, me enganei, fui para o exílio. A diferença é que não posso me enganar a mim. Sou obrigado, doídamente, a reconhecer que acabou. Fui reler as coisas, e reconhecer o grande equívoco.
O Manifesto Comunista marca uma mudança radical na história da humanidade, contra um capitalismo selvagem, que tirava crianças de orfanato e as punha a trabalhar até morrerem. Trabalhador com 60 anos morria na sarjeta, não tinha aposentadoria. Não havia jornada de trabalho definida, não havia salário defenido. O Marx foi um homem de um grande caráter quando se revoltou contra isso, e mudou essa relação de capital e trabalho. Agora, a sociedade sonhada, depois da ditadura da burguesia, ditadura do proletariado nunca houve, e nunca, em governo algum, operário mandou em nada. Foi o partido que dirigiu a URSS, a China,é o partido que dirige Cuba.
Houve uma série de equívocos: quem cria riqueza é o trabalhador, e o outro explora a riqueza e não trabalha. É mentira. Sem empresário não existe trabalhador. O empresário é um intelectual empreendedor. E como nem todo o mundo é romancista, é sociólogo, nem todo o mundo é empresário. Eu tenho um amigo que é empresário e ele não pára de trabalhar.

Público – O senhor conversa com o seu amigo Oscar Niemeyer sobre isto?

FG – Tenho muito respeito pelo Oscar. O Oscar é um génio da arquitetura, e é um ser humano especial. Generoso, afetuoso. Então eu não vou ficar brigando com ele. Mas ele sabe que eu discordo dele. A opinião dele sobre mim sabe qual é? “Gosto do Gullar porque ele é transparente.”

Público -E com o Chico não se dá?

FG – Gosto do Chico, admiro-o. Agora, o Chico é amigo do Lula, é amigo do Fidel. Ele não pode, nem que queira, mudar de opinião. Vai ter de brigar, se mudar. Mas eu sei que pela inteligência dele, pela sensibilidade dele, não pode estar de acordo com um país de que as pessoas não podem sair. Não acredito.
Eu posso ser suicida. Mas se estou em paz com a minha consciência pouco se me dá o que pensem. Posso estar errado. Se há uma coisa que me caracteriza é: eu não sou dono da verdade. Acredito nas coisas em que acredito. Mas acho que posso estar errado também. O meu compromisso é com a verdade. Não tenho compromisso ideológico coisa nenhuma. E meu compromisso com a poesia é com a qualidade, com a beleza. O resto é secundário. Se der, deu, se não der, não deu. Acabou. Vou morrer mesmo. Pouco se me dá. Nessa altura, 80 anos, estou me lixando.

[Pausa hesitante]

Público – Ia dizer alguma coisa?

FG – Possivelmente nós vamos perder a eleição. Se as pesquisas estão certas, possivelmente vamos perder. Não é o fim do mundo. Depois da eleição começa o governo. Difícil não é ganhar eleição, difícil é governar.

Público – Acha que está difícil o Serra ganhar?

FG – Acho. Não é impossível, mas com uma diferença de 10 por cento está difícil. Há um estudioso que diz que a definição é na última semana, mesmo.

Público – Acha que o Serra era o melhor candidato do PSDB para derrotar a Dilma?

FG - Olha, quando vi o nome dele, eu achei que era. Pelo que realizou. Eu estou perplexo. Não por causa de gente que foi de esquerda, como eu, que dá essas opiniões, como a da Conceição, que é uma pessoa inteligentíssima, minha amiga. Mas o povo, a pessoa que está fora disso, fico surpreso que esse pessoal não enxergue. Estão sendo injustos com uma pessoa que fez coisas importantes no país. Os genéricos, eu digo para você: os idosos brasileiros gastam fortunas comprando remédios, e hoje gastam menos de metade. Graças às medidas que o Serra tomou. Hoje você não vê mais a AIDS no Brasil como um flagelo porque todo o mundo se trata, graças às medidas que ele tomou. Tem remédios de graça, remédios caríssimos. O que ele fez em relação ao ensino, botando duas professoras por classe, discutindo, com especialistas. Todas as coisas que fez são de uma pessoa responsável. E contra ele está uma pessoa que não pode apresentar: “Eu fiz isto.”

Público – Talvez tenha havido um problema de falta de carisma de José Serra…

FG – Mas ela é horrível. O negócio dela é só o Lula.

Público – Há um problema de carisma dos dois, Dilma e Serra.

FG - Dos dois. Ele não tem nenhum.

Público – A Marina era a única que tinha uma empatia com as pessoas.

FG – Também não acho. A própria Marina, que é uma pessoa admirável, coerente, como figura tem uma fragilidade que não inspira confiança na maioria das pessoas. É um voto ideológico, um voto consciente, de qualidade. Mas entre a grande massa, jamais ela vai conseguir.

Público – E imaginando que o Serra perca, quem é que vê ascender no PSDB? O Aécio [Neves, mineiro, neto do presidente Tancredo Neves]?

FG – Sim. Escrevi um artigo dizendo que as duas forças políticas que nasceram da luta contra a ditadura, uma mais à esquerda, que era o PT, e outra, de esquerda moderada que era o PSDB, concluem agora o seu ciclo. O PSDB cumpriu grande parte da sua função com o governo Fernando Henrique. Se o Serra for eleito, tem uma vida extra. Mas os outros que constituem o partido não têm a mesma cabeça. Algo acabou. E o PT, que teve a sua história, também acabou. Virou o partido dos glutões, populista, que não tem nada a ver com o que era. Então essas duas forças nascidas da luta contra a ditadura chegam ao fim.
O que vai acontecer daqui para a frente talvez seja mais política sem ideologia. Por exemplo, o Aécio não é ideológico. É um cara carismático, bom administrador. Mas não é o Fernando Henrique, não é o Lula, não é dessa geração, não foi para o exílio. Da mesma maneira o Sérgio Cabral [agora reeleito governador do Rio, ex-PSDB, e atualmente PMDB], que é um bom administrador. Eles não têm a marca daquela vivência doída que nós tivemos. Talvez até seja bom para o Brasil.


Público – Pós-ideológico?

FG - É. Sem idealismo. A coisa prática. Acho que é isso que o Brasil vai viver daqui para a frente. Acabou a ideologia.


Fonte: http://sul21.com.br/jornal/2010/10/ferreira-gullar-lula-comprou-os-pobres-do-brasil/

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