sábado, 4 de fevereiro de 2012

Professor da Unicamp Fausto Castilho lança tradução de Heidegger

MARCIO AQUILES
ENVIADO ESPECIAL A CAMPINAS


Em 1949, com o ar parisiense ainda saturado dos traumas do pós-Guerra, Fausto Castilho, então estudante de letras e filosofia na Sorbonne, dirigiu-se a uma livraria à cata de uma edição de "Sein und Zeit", de Martin Heidegger.

Conseguir "Ser e Tempo", a grande obra do filósofo alemão, que maculara seu nome ao aderir ao regime nazista, não era das coisas mais fáceis na França daqueles tempos.

Castilho achou, em uma livraria próxima ao seu apartamento, um exemplar da "edição nazista", de 1941, que teve a dedicatória a Edmund Husserl eliminada --pai da fenomenologia e professor de Heidegger, Husserl era judeu.

Desde então, Castilho, 82, vem traduzindo "Ser e Tempo". Sua versão dessa obra fundamental sai em maio, pela editora Unicamp em parceria com a Vozes.

Alessandro Shinoda/Folhapress
Retrato do professor da Unicamp, Fausto Castilho, que está lançando tradução de "Ser e Tempo"
Retrato do professor da Unicamp, Fausto Castilho, que está lançando tradução de "Ser e Tempo"

PERCURSO FILOSÓFICO

Fausto Castilho chegou a Paris aos 18 anos, falando francês fluente e munido de uma carta de recomendação escrita pelo crítico literário Antonio Candido.

Amigo de Candido, o crítico de cinema Paulo Emílio Salles Gomes (1916-1977) o recebeu e providenciou sua nova residência, na praça da Sorbonne. "Ele me disse: 'Você agora vai ficar prisioneiro desse recinto'. Dito e feito."

Na instituição francesa, teve entre seus professores Merleau-Ponty, Jean Piaget e Gaston Bachelard, que naquele momento já haviam publicado ou estavam por publicar textos de importância seminal para seus campos.

"Quando Merleau-Ponty soube que Heidegger voltaria a lecionar em Friburgo, disse que eu deveria ir para lá fazer seu curso, e eu fui", afirma.

Na Alemanha, conta, "sentava na primeira fila". "Mas a presença física de Heidegger não era agradável, pois eu ficava me lembrando do [seu passado na universidade como] reitor nazista".

O primeiro contato de Castilho com a obra de Martin Heiddeger fora ainda antes de sua ida à Europa, por meio de uma edição da revista francesa "Les Temps Modernes" que tratava do alinhamento do filósofo ao ideário nazista.

"Heidegger carrega essa ambiguidade. Desde a minha adolescência ele representa para mim essa dicotomia de ser um filósofo excepcional, mas que aderiu ao nazismo."

COMITÊ DE APROVAÇÃO

A fim de conseguir a aprovação do comitê Heidegger --chefiado por seu filho
Hermann-- para uma nova publicação, foram encaminhadas à Alemanha traduções que Castilho tinha feito de Kant e Descartes, para demonstrar seu apuro técnico.

A edição bilíngue, que Castilho diz acreditar ser a única em idiomas ocidentais, está em processo final de revisão.

"Traduzir esse livro exige uma confissão de modéstia. Vejo o trabalho como uma sugestão de leitura numa língua que não é a do autor."

Ao longo dos anos, Castilho leu todas as traduções disponíveis em inglês, italiano, espanhol e francês.
"Naturalmente eu fui me apropriando de algumas soluções propostas por todos eles. Uma tradução é algo aproximado", diz.

Entre as dificuldades de transpor o texto para o português, Castilho cita as especificidades de alguns conceitos heideggerianos.

Ele critica a "liberdade filosófica" que introduz "transformações radicais" --mesmo se, para um leigo, essas transformações possam parecer sutis, como a inclusão de artigos no título, mudando-o para "O Ser e O Tempo".

O rigor que Fausto Castilho demonstra e sua posição de ex-aluno do alemão dão peso à nova tradução.
Na academia, ele é um intelectual respeitado, com passagens como professor pela USP, Unesp e Unicamp.
No Brasil, como em seu período europeu, Castilho continuou tendo contato com artistas e intelectuais que moldaram seu meio no século 20.

Em 1960, quando o francês Jean-Paul Sartre estava no Recife, Castilho encaminhou ao filósofo uma pergunta sobre a relação entre teoria e prática em sua obra. Sartre afirmou precisar de um seminário para respondê-la.

"Ele fez questão de responder à minha pergunta pessoalmente em uma conferência, que ele preparou na biblioteca de meu apartamento. E olha que Simone de Beauvoir não queria ir a Araraquara."


Fonte: Folha Online

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