quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

MOISÉS: MITO OU HISTÓRIA?

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Figura 1 – Moisés (Fonte: www.bipolar-stanscroniclesandnarrative.blogspot.com)

A vida de moisés foi sempre cercada de tremendas manifestações do poder de Deus. A sarça ardente, as pragas do Egito, a visão de Deus pelas costas e a passagem pelo Mar Vermelho foram acontecimentos tão fantásticos que os críticos não tiveram outra reação a não ser seguir o caminho natural da dúvida: negar sua historicidade. Algumas descobertas, no entanto, têm jogado por terra as teorias revisionistas do Êxodo.

Um dos primeiros motivos encontrados pelos céticos para duvidar do relato bíblico era o fato de que a história de Moisés sendo salvo do rio Nilo parecia-se muito com a saga de outros heróis da antiguidade. O mito de Sargão I, o grande rei de Acade, é um bom exemplo. Ele governou Babilônia na segunda metade do 3° milênio a.C. e foi um personagem legitimamente histórico, mas com um surpreendente começo de vida.

A semelhança entre o relato de seu nascimento e a narrativa bíblica acerca de Moisés é tão evidente que alguns concluem não se tratar de mera coincidência. Vejamos um trecho do texto encontrado em duas cópias neo-assírias incompletas e um fragmento neo-babilônico que estavam entre os tabletes desenterrados na região do Iraque:

“Sargão, o rei poderoso, rei de Agadé [Acade] eu sou,

minha mãe era uma alta sacerdotisa [alguns traduzem: “minha mãe era humilde”] e meu pai não tive oportunidade de conhecer.

O irmão de meu vivia [ou amava] as montanhas.

Minha cidade é Azupiranu, que está situada na ribeira do Eufrates.

Minha mãe, a alta sacerdotisa [ou: “a humilde”], me concebeu, em secreto me deu à luz.

[Ela] me colocou num cesto de juncos e fechou a tampa com betume.

[Ela] me colocou no rio [Eufrates] que não me submergiu.

O rio me levou boiando até Akki, o regador das águas”[1]

Até recentemente muitos entendiam que esse mito seria o texto original que inspirou os escribas judeus a criarem a lenda de um herói hebreu. Afinal, é fato conhecido que, em 587 a.C., os judeus foram levados cativos para a Babilônia. Ali, eles poderiam ter conhecido a história de Sargão, que foi acrescentada à história de Moisés após o fim do cativeiro em 537/6 a.C.[2]

Mas, se provássemos que a história original não vem da Babilônia e sim do Egito, isso mudaria tudo. Afinal, se o texto bíblico for o reflexo de um mito babilônico, este deverá ser obrigatoriamente o direcionador literário de seu conteúdo. Logo, devemos ir direto ao texto hebraico e descobrir que cultura está por detrás de sua trama, a babilônica ou a egípcia.

Respondendo a essa problemática textual, o egiptólogo James K. Hoffmeier, da Trinity International University (Illinois, EUA), demonstrou numa pesquisa recente que, ao contrário do que se esperava, o pano de fundo do Êxodo não é nem de longe, um reflexo das mitologias babilônicas. [3] Seu texto original encontra-se permeado de antigos termos técnicos egípcios que não faziam parte do vocabulário hebraico, muito menos do babilônico usado após o exílio.

Palavras-chave da trama como “cesto”, “junco”, “papiro”, “linho”, “ribeira”, etc. são inquestionavelmente egípcias e não era de se esperar que um escriba judeu do cativeiro as conhecesse tão bem. Elas só podem ter sido escritas por alguém que morou nas cercanias do Nilo num período muito anterior ao 6° século a.C.

De todas as palavras, no entanto, nenhuma oferece maior pista do que o nome do herói em si. Moisés, longe do que deveria ser, caso se tratasse de uma lenda semita, não é um nome hebraico, mas egípcio. Sua raiz está nos verbos: ms-n, bible-archeology-exodus-tuthmosis-III-cartouche_nameque significa “nascer ou nascido de”, e ms(i), que quer dizer “gerar, dar àluz a”.[4]

Hoje a maioria dos historiadores reconhece o antigo costume egípcio de colocar nas crianças nomes reais em homenagem aos deuses. Assim, os nomes dos nobres eram, em geral, a junção de um verbo (geralmente o verbo ms-n = nascer) e do nome de uma divindade. Entre os apelidos desse tipo poderíamos mencionar:

  • AHMOSE = “nascido do deus lua Ah”
  • RAMOSE = “nascido do deus sol Rá”
  • TUTMÉS = “Thot, outra forma do deus lua, nasceu”
  • PTAHMOSE = “Ptah, o deus criador, nasceu”

Veja como o mesmo símbolo para nascimento aparece nos cartuchos hieroglíficos contendo, por exemplo, o nome de Tuthmose III:

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Figura 2 – Cartucho do Faraó Tutmoses III (Fonte: Bible.ca/archaeology)

Siegfried Júlio Schwantes deduz que a “omissão do nome de uma divindade egípcia no nome de Moisés explica-se provavelmente pelo fato de que ele renunciou ao culto idólatra quando atingiu a maioridade”[5], por isso seu nome ficou sendo apenas “mose” (Moisés) sem o complemento divino que talvez existiu na infância. Essa é realmente uma sugestão bastante plausível, levando-nos a crer que originalmente o líder hebreu teria um deus egípcio acoplado a seu nome, mas renunciou a esse complemento ao fugir para o deserto. Quem sabe esse deus não poderia ser o próprio Hapi, deus do Nilo, de modo que seu nome original fosse Hapimose com o sentido próprio de “nascido do Nilo”? É claro que se trata de uma conjectura e a Bíblia nada diz a este respeito, mas, sabemos por outras passagens que houve homens e mulheres que mudaram seu nome ao aceitar a missão dada por Deus. Abrão (que passou a ser Abraão) é um caso clássico.

Seja como for, o fato do texto correlacionar o nome de Moisés (em hebraico Mosheh) com o sentido de “tirado das águas” (Êxodo 2:10) ainda não pode ser explicado com absoluta certeza. Flávio Josefo, historiador judeu do 1° século, informava que Mo era o nome egípcio para o Nilo e uses uma designação, também egípcia, para qualquer coisa que fora “retirada de algum lugar”. Assim, Moisés significaria “retirado do Nilo”.[6] A dificuldade, porém, com essa exposição é que desconhecemos se hoje as fontes filológicas de Josefo. O que se sabe é que no panteão Egípcio, o Nilo, como já dissemos, era denominado Hapi, embora correntemente era também chamado Itru’y ou, mais tarde, Itru. A meu ver, outra hipótese para explicar a etimologia do nome seria presumir uma aproximação fonética do hebraico Mosheh com os substantivos egípcios msw (manancial) e mw (água), mas o jogo de palavras ainda seria desconhecido.

Não obstante tais dificuldades etimológicas, devemos lembrar que colocar crianças em rios e deixá-las à sorte da providência divina não era algo tão incomum no mundo antigo. O caso de Rômulo e Remo, ainda que lendário, está aí para confirmar, pelo menos, a existência de uma prática que talvez explique o porquê de haver outras histórias semelhantes à Moisés. Os rios geralmente eram locais tão sagrados quanto os templos e as montanhas. Assim, deixar uma criança ali, na esperança de que os deuses cuidassem dela, não parece algo difícil de acontecer. No caso da mãe de Moisés, está claro que seu intuito era fazer com que a filha de Faraó encontrasse o cesto e pegasse amor no menino. Hoje sabemos de muitas mães que abandonam seus filhos nas portas de igrejas e conventos, pois o ambiente religioso oferece segurança para seu estranho ato. Naquela época eram os rios sagrados que desempenhavam esse papel.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

  1. ANET, p. 119.
  2. Francis D. Nichol, ed., Seventh-day Adventist Bible Comentary (Washington, DC: Review and Herald, 1977), v. 3, p. 97. Nas próximas referências apenas SDABC.
  3. James K. Hoffmeier, Israel in Egypt: The evidence for the authenticity of the exodus tradition. (Nova York: Oxford University Press, 1996), p. 136-140.
  4. Nossa transliteração do egípcio segue a de Mark Collier e Bill Manley, How to read egyptian hieroglyphs (Londres: The British Museum Press, 2002), p. 154.
  5. Siegfried Júlio Schwantes, Arqueologia (Itapecerica da Serra, SP: Seminário Adventista Latino-americano de Teologia, 1988), p. 28.
  6. Flavio Josefo, Antiguidades judaicas 2.9, 6, em W. Whiston, Josephus: complete works (Grand Rapids: Kregel, 1985), p. 57.

Extraído na íntegra, exceto as imagens, de:

SILVA, Rodrigo P. Escavando a verdade: A arqueologia e as incríveis histórias da Bíblia. Casa Publicadora Brasileira, 2007, p. 93-96.


Fonte: Ciência da Criação (Hugo Hoffmann)

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